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Trump, sonegador fiscal e amigo do Irã

Lourival Sant’Anna Primeiro foi com a Rússia. Agora, com o Irã. Um banco iraniano foi inquilino em um prédio de propriedade de Donald Trump em um período em que estava sob sanções do governo americano. A revelação, feita nesta segunda-feira pelo Consórcio Internacional de Jornalistas Investigativos e pelo Centro para Integridade Pública, coloca mais um […]

DONALD TRUMP: as pessoas estão se sentindo melhor, de acordo com o que os números dizem, mas afirmam que a economia está piorando / Mike Segar/ Reuters (Mike Segar/Reuters)

DONALD TRUMP: as pessoas estão se sentindo melhor, de acordo com o que os números dizem, mas afirmam que a economia está piorando / Mike Segar/ Reuters (Mike Segar/Reuters)

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Da Redação

Publicado em 4 de outubro de 2016 às 20h49.

Última atualização em 22 de junho de 2017 às 18h22.

Lourival Sant’Anna

Primeiro foi com a Rússia. Agora, com o Irã. Um banco iraniano foi inquilino em um prédio de propriedade de Donald Trump em um período em que estava sob sanções do governo americano. A revelação, feita nesta segunda-feira pelo Consórcio Internacional de Jornalistas Investigativos e pelo Centro para Integridade Pública, coloca mais um inimigo ou, no caso, pelo menos, um antigo inimigo, na lista de ligações perigosas do bilionário candidato republicano, cuja proximidade com a Rússia de Vladimir Putin já vinha causando perplexidade em seu próprio partido.

O Banco Melli já alugava escritórios no Edifício General Motors, em Nova York, quando Trump o comprou em 1998. No ano seguinte, o Departamento do Tesouro americano anunciou que o banco pertencia e era controlado pelo governo iraniano, e portanto estava incluído na lista de instituições sob sanções contra o país, inimigo dos EUA desde a Revolução Islâmica de 1979 e acusado de financiar o terrorismo. Mesmo assim, o banco continuou alugando o espaço no prédio de Trump até 2003. Segundo relatório do Tesouro, entre 2002 e 2006, o banco transferiu ao menos 100 milhões de dólares a um braço da Guarda Revolucionária iraniana acusado de apoiar a milícia xiita libanesa Hezbollah, o grupo palestino Hamas e o Taleban do Afeganistão.

Em janeiro, graças ao acordo nuclear firmado no ano passado, os Estados Unidos e a União Europeia retiraram as sanções sobre a venda de petróleo e descongelaram os depósitos bancários do Irã. Mas as sanções americanas contra o financiamento do terrorismo continuam vigorando.

A porta-voz da campanha de Trump, Hope Hicks, garantiu em e-mail ao consórcio de jornalistas que, em seu governo, não haveria esse tipo de conflitos de interesse. “O único foco do sr. Trump é e será tornar nosso país grande novamente”, escreveu a porta-voz, repetindo o lema da campanha. “Ele já se comprometeu a colocar seus ativos em um trust inacessível e não terá envolvimento algum com a Organização Trump.” Além de lembrar Eduardo Cunha — mas só para os brasileiros, que não votam na eleição americana —, a garantia não resolve o problema passado, de haver infringido uma norma — mais uma — do governo americano.

A denúncia veio no rastro de outra reportagem, publicada no sábado pelo jornal The New York Times, segundo a qual Trump usou de uma manobra fiscal com a qual pode ter economizado 916 milhões de dólares em impostos federais — o equivalente a 18 anos de recolhimentos médios de 50 milhões de dólares anuais. Em sua declaração de renda de 1995, Trump registrou esse valor em prejuízos causados nos anos anteriores por seus três cassinos em Atlantic City (Nova Jersey), por negócios em aviação e na compra do Plaza Hotel, em Nova York. Trump ainda não tornou pública sua declaração de renda, alegando que ela está sob auditoria.

Tão ruim quanto a revelação em si foi a reação de alguns dos aliados de Trump. “O homem é um gênio”, defendeu Rudy Giuliani, ex-prefeito de Nova York, que apoia o candidato republicano. “Ele sabe operar o Código Tributário em benefício das pessoas às quais está servindo. Ele foi capaz de preservar seu empreendimento e de construí-lo.” Em outra entrevista, Giuliani acrescentou: “Esta é uma aplicação perfeitamente legal do Código Tributário, e ele teria sido bobo de não tirar vantagem dele”.

O próprio Trump tuitou, no domingo: “Conheço nossas complexas leis tributárias melhor do que qualquer um que tenha concorrido a presidente e sou o único que pode consertá-las”. Ele havia seguido uma linha de defesa semelhante, quando a candidata democrata Hillary Clinton o acusou de sonegar impostos — “Isso me torna esperto” — e de dar o calote em trabalhadores — “Eles não fizeram um bom trabalho”.

É provável que essas declarações não afetem a decisão de parte de seu eleitorado, que o admira exatamente por seu perfil de empresário bem-sucedido e politicamente incorreto, que lhe dá uma áurea de “sinceridade”, em contraste com os políticos tradicionais de Washington. Mas dificilmente também o ajudarão a atrair mais eleitores, ainda mais aqueles que temem que ele coloque seus interesses acima dos do país, e não esteja preparado para ser presidente, como indica uma boa parcela nas pesquisas. É aqui que entram casos com o do Irã e da Rússia.

Trump se declarou várias vezes admirador de Putin, pela forma como ele defende os interesses da Rússia. Nesse contexto, disse que a anexação em 2014 da Crimeia, pertencente à Ucrânia, foi correta, porque era o que a população, de etnia russa, desejava. Em um comício, Trump chegou a pedir que os hackers russos encontrassem os cerca de 30 mil e-mails de Hillary que segundo o FBI haviam sido apagados de seu servidor privado, quando ela era secretária de Estado. Para completar, a imprensa americana revelou que Paul Manafort, então coordenador da campanha de Trump, havia sido marqueteiro político na Ucrânia em favor do grupo apoiado por Moscou. Todos esses aspectos de Trump atropelaram um dos pilares da política externa republicana. Mitt Romney, o candidato do partido em 2012, declarou que a Rússia de Putin era o “principal inimigo geopolítico” dos Estados Unidos.

De acordo com a média das pesquisas feita pelo site Real Clear Politics, Hillary tem neste momento 48,1% das intenções do voto popular e Trump, 44,3%. Isso, apesar de dois terços dos espectadores do debate da semana passada terem considerado que ela se saiu melhor que Trump. No colégio eleitoral, Hillary contaria com 322 votos, contra 216 de Trump. Mas essa é uma estimativa incerta, pois inclui os estados em que a disputa é considerada indefinida, com diferenças abaixo da margem de erro das pesquisas e com tradição de pendular entre um e outro partido. Excluindo esses Estados, Hillary tem 205 votos firmes no colégio eleitoral e Trump, 165. Mas o cenário de uma eventual vitória de Trump no voto popular e de Hillary no colégio eleitoral é um pesadelo até para os democratas.

No próximos dias, saberemos se as denúncias de evasão de impostos e de violação das sanções contra o Irã afetam a posição de Trump. Ou se, para seus eleitores, não interfere no desejo de mudança a qualquer preço.

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