Trump: presidente retirou tropas da fronteira com a Turquia e aliados republicanos reagiram com preocupação e indignação. (Jonathan Ernst/Reuters)
AFP
Publicado em 7 de outubro de 2019 às 18h06.
A abrupta mudança na política do governo de Donald Trump em relação à Síria aprofundou nesta segunda-feira (7) o isolamento de sua presidência, num momento em que o magnata republicano precisa de todos os aliados possíveis para se defender de um processo de impeachment.
Na noite de domingo, a Casa Branca anunciou a retirada de tropas de posições-chave ao longo da fronteira norte da Síria, o que de fato significa abandonar os curdos daquela região, os principais aliados de Washington na região, na longa batalha contra o grupo extremista islâmico Estado Islâmico (EI).
Em uma série de mensagens postadas no Twitter, Trump defendeu a decisão nesta segunda-feira, como parte de seu desejo de encerrar o envio de militares americanos a conflitos no Oriente Médio, que ele chamou de "ridículas guerras sem fim".
A saída dos Estados Unidos da região de fronteira com a Turquia abre caminho para Ancara, que considera os guerrilheiros curdos um grupo terrorista, para iniciar uma operação transfronteiriça há muito planejada contra eles no norte da Síria.
Por sua vez, a medida enfraquece a posição dos EUA no contexto da guerra civil na Síria, um jogo de xadrez geopolítico que também envolve Irã, Rússia, potências europeias e Israel.
Em certo sentido, o anúncio de Trump não deveria surpreender ninguém.
Ao se manifestar contrário às ocupações dispendiosas do Iraque e Afeganistão e, apesar de sua retórica beligerante, abstendo-se de ataques militares contra o Irã, Trump acredita que está respondendo ao cansaço da opinião pública sobre esses conflitos, que parecem não ter solução.
"Esperava-se que os Estados Unidos ficariam na Síria por 30 dias, e isso foi há muitos anos. Ficamos e nos afundamos cada vez mais na batalha sem um objetivo à vista", escreveu Trump.
Mas mesmo com o raciocínio de que Trump está seguindo o sentimento popular, essa mudança repentina de posição provocou um consenso bipartidário incomum em Washington, incluindo aliados republicanos próximos do presidente, que reagiram com preocupação e indignação.
Diante do processo de impeachment, a sobrevivência política de Trump depende da maioria republicana no Senado.
Nesse contexto, ganharam destaque as reações de dois dos principais aliados republicanos de Trump no Congresso, Lindsey Graham e Mitch McConnell.
Graham, presidente do poderoso Comitê Judiciário do Senado e um dos apoiadores mais francos de Trump no Capitólio, descreveu a medida como um "desastre emergente" que "garante o ressurgimento" do EI e disse que seria uma "mancha de honra" para os Estados Unidos abandonar os curdos".
Se esse plano "for adiante, será apresentada uma resolução do Senado opondo-se e solicitando a revogação desta decisão. Espero que receba um forte apoio bipartidário", escreveu no Twitter o congressista.
Em um comunicado, McConnell, líder da maioria do Senado, qualificou como precipitada a retirada, alegando que este movimento será benéfico para a Rússia, o Irã e o regime de Bashar Al Assad.
Inclusive a ex-embaixadora de Trump na ONU, Nikki Haley, se uniu aos críticos, abordando principalmente as consequências sobre os aliados curdos. "Deixá-los morrer é um grave erro", disse.
A Casa Branca reagiu no meio do dia ao descontentamento generalizado.
Através do Twitter, Trump ameaçou "destruir" a economia turca se Ancara fizer algo que "exceda os limites", enquanto um alto funcionário do Departamento de Estado disse que as tropas retiradas do norte da Síria representam um "número muito pequeno".
O Pentágono e o Departamento de Estado também fizeram os esforços próprios para acalmar as águas.
Através de um comunicado, o Departamento de Defesa disse que os Estados Unidos não apoia uma eventual invasão militar turca no norte da Síria e advertiu que um ataque assim poderia desestabilizar a região.
Um alto funcionário do Departamento de Estado declarou, por sua vez, que as tropas que se retiraram do norte da Síria representam um "número muito pequeno".
Esta controvérsia se une a uma série caótica de decisões de política externa que incomodaram os políticos em Washington e os aliados americanos.
Desde o anúncio, depois cancelado, de uma reunião com os líderes dos talibãs até suas posições contraditórias em relação ao Irã, Trump acostumou o mundo a esse tipo de comportamento errático.
Mas o problema na Síria atinge um ponto muito sensível.
Em Washington, prevalecem as preocupações de que essa retirada seja vista como um triunfo para o Irã e a Rússia, mas também para a Turquia, um aliado americano que é cada vez mais problemático.
Os aliados europeus dos Estados Unidos também estão se preparando para o pior cenário. Maja Kocijancic, porta-voz da União Europeia, alertou para um possível fluxo "maciço" de refugiados.
Trump, no entanto, aposta no que considera importante: aderir à ideologia que o levou à Casa Branca e que pode ser resumida nos slogan "os Estados Unidos primeiro", com a qual ele tentou romper com uma crença bem enraizada em Washington de que os Estados Unidos precisam ser o líder mundial.
Para o ex-enviado americano para a coalizão internacional contra o EI Brett McGurk, "Trump não é um comandante em chefe".
"Toma decisões impulsivas sem conhecimento, nem deliberação".
"Fanfarroneia e depois deixa nossos aliados expostos quando nossos adversários o deixam em evidência ou depois de enfrentar um telefonema difícil".