Trump em discurso na sexta-feira: ataque ao Irã coloca processo de impeachment em segundo plano (Eva Marie Uzcategui/File Photo/Reuters)
Da Redação
Publicado em 6 de janeiro de 2020 às 05h34.
Última atualização em 6 de janeiro de 2020 às 06h54.
São Paulo — Até onde a escalada de ameaças entre Estados Unidos e Irã chegará? Esta é, claro, a grande pergunta da semana no xadrez geopolítico internacional. Esta segunda-feira marca o fim dos três dias de luto oficial do Irã após o assassinato do general Qassim Suleimani, na sexta-feira, por um drone americano.
Hoje também venceria o prazo estipulado pelo regime iraniano para ultrapassar a marca de 20% no enriquecimento de urânio — mais um passo para a fabricação de armas nucleares, que demandam 90% de enriquecimento.
Da leva de desdobramentos possíveis, a firmeza com que os persas caminharão para o desenvolvimento de uma bomba atômica é ponto comum entre analistas internacionais. O Irã anunciou, ontem, que vai suspender as restrições ao seus programa de enriquecimento de urânio. Signatário do tratado de não proliferação de armas nucleares, o país sempre afirmou, para a desconfiança de Washington, que seu programa de enriquecimento tem fins pacíficos.
O programa de enriquecimento de urânio do país marcou o início da escalada de tensões com Donald Trump. O presidente americano abandonou, em 2018, um acordo firmado por seu antecessor, Barack Obama, que relaxava as sanções sobre o país em troca de limites ao enriquecimento de urânio.
Trump disse, à época, que o Irã era o principal patrocinador do terrorismo no mundo — argumento que serviu de base, quase dois anos depois, para o assassinato de Suleimani.
A semana começa também com dúvidas sobre como o Irã vai reagir ao assassinato de seu líder militar. Analistas se dividem entre ataques direcionados a alvos no Iraque, onde o general persa foi assassinado, ataques por grupos terroristas em alvos espalhados pelo mundo, ou a uma ação no estreito de Ormuz, fundamental para o mercado mundial de combustíveis e para o comércio internacional. Seria o suficiente para voltar a desequilibrar o preço do petróleo (que subiu 5% desde sexta), mas também afetaria ainda mais a frágil economia iraniana.
O conselheiro militar do líder supremo iraniano, aiatolá Ali Khamenei, disse que o Irã vai adotar medidas diretas contra "instalações militares" dos Estados Unidos (EUA), da mesma forma como os americanos agiram diretamente contra o seu país.
Em entrevista concedida à CNN nesse domingo (5), o major-general Hossein Dehghan comentou o assassinato do comandante da Guarda Revolucionária.
Dehghan disse à CNN que os iranianos nunca estiveram em busca da guerra e não vão buscá-la. Entretanto, afirmou que os EUA iniciaram a guerra e, portanto, devem aceitar reações apropriadas às suas ações.
Em cerimônia fúnebre em Teerã, um ex-funcionário de alto escalão da Guarda Revolucionária Islâmica disse que os alvos da retaliação do Irã podem incluir cidades em Israel, aliado dos EUA.
Resta também a questão sobre como Trump vai reagir às diferentes frentes de pressão a que está submetido. Ontem o presidente americano disse ao Iraque que não vai tirar suas tropas do país, apesar de decisão do parlamento local.
Disse ainda que tem 52 alvos iranianos na mira, em caso de o país reagir à morte de seu general. Internamente, a oposição democrata estuda formas de limitar a autonomia militar de Trump. Alguns deputados classificaram as ameaças contra os persas de “crime de guerra”, mas o presidente as manteve.
Fato é que o processo de impeachment de que Trump é alvo deve ficar em segundo plano nos próximos dias. “A cartada contra o Irã colocou os democratas num dilema. Até que ponto é possível criticar o presidente frente às ameaças ao país? Ficou ainda mais difícil para Trump perder as eleições do fim do ano”, diz Sérgio Praça, cientista político da FGV e colunista de EXAME. A morte de Suleimani colocou o presidente americano num posto novo — o de líder militar — mas também o devolve a um posto em que conhece bem — o de polemista chefe.