TRUMP: Carta circulando entre economistas defende o candidato republicano Donald Trump / Eric Thayer/ Reuters (Eric Thayer/Reuters)
Da Redação
Publicado em 18 de agosto de 2016 às 17h09.
Última atualização em 22 de junho de 2017 às 18h12.
Em Estranho Caso de Dr. Jekyll e Mr. Hyde, o escritor escocês Robert Louis Stevenson constrói um personagem com dupla personalidade: um médico respeitado na cidade que se metamorfoseia em um homem malvado. O marqueteiro Paul Manafort, que já trabalhou para ditadores como o congolês Mobutu Sese Seko e o filipino Ferdinand Marcos, assim como para o ex-presidente pró-Rússia da Ucrânia Viktor Yanukovich, tentou fazer o inverso: converter o Mr. Hyde Donald Trump em um Dr. Jekyll dando-lhe uma imagem “presidencial” e tornando-o palatável para o Partido Republicano. Não deu certo. Trump se cansou do teatro — ele nem estava se esforçando tanto — e contratou, na noite desta terça-feira 17, dois novos dirigentes para sua campanha que gostam de seu lado Mr. Hyde.
Para o cargo de diretor executivo da campanha, Trump convidou Stephen Bannon, um ex-banqueiro que fundou e dirige desde 2007 o portal de notícias e opinião Breitbart News, agressivamente de direita. A especialista em pesquisas de opinião Kellyanne Conway, que já trabalha para o governador de Indiana, Mike Pence, vice na chapa de Trump, assumiu a coordenação da campanha. Bannon e Conway são amigos, conhecem Trump há muito tempo e vêm com a missão declarada de investir em seu estilo agressivo e em suas qualidades populistas.
“Apertem os cintos”, avisou um funcionário da campanha a um repórter do jornal The Washington Post, sugerindo que vem chumbo grosso — embora seja difícil imaginar o que mais Trump poderia dizer para chocar as pessoas. Ele já disse que uma âncora da TV Fox que o criticou por seu machismo o fez porque estava “menstruada” no dia, já desqualificou os pais paquistaneses de um capitão morto lutando pelos Estados Unidos no Iraque, já inventou que Barack Obama e Hillary Clinton são “cofundadores” do Estado Islâmico… Aliás, vários analistas têm advertido que esse é o drama de Trump: como continuar chamando a atenção, depois de já ter empurrado tanto os limites.
O bilionário chegou a empatar com Hillary durante a convenção republicana, mas há um mês vem despencando nas pesquisas. A média das sondagens, calculada pelo site Real Clear Politics, indica 47,2% para Hillary e 41,2% para Trump. A mudança na equipe é, em parte, uma reação a essa queda e à percepção geral de que, se nada acontecer, os republicanos vão perder. Mas é também resultado da irritação de Trump com a tentativa de Manafort de “controlá-lo” — no que, francamente, o experiente marqueteiro vinha fracassando rotundamente.
Manafort continua formalmente no cargo de chairman da campanha, mas o movimento é visto como um esvaziamento de sua função, ao estilo Trump de demitir. Ao trazer o próprio Manafort em março, Trump fez a mesma coisa, manteve o então coordenador de sua campanha, Corey Lewandowski, até sair em junho, já sem voz. A linha de trabalho de Lewandowski era justamente “deixe Trump ser Trump”, mas, no calor das primárias, o candidato sentiu necessidade de conquistar o establishment do Partido Republicano, ante o risco de ser o mais votado entre os filiados mas não ser nomeado pelos delegados na convenção. Manafort veio com essa missão, de moderá-lo.
Don’t want to be Hillary
Agora Trump se livra dessa camisa de força com a convicção de que não vai vencer Hillary ficando mais parecido com ela, mas apostando em sua diferenciação. Uma das coisas que o incomodavam era que estava cercado de pessoas que não o conheciam direito, tentando transformá-lo no que ele não é. “Conheço Steve e Kellyanne há muitos anos”, disse Trump em uma nota divulgada na quarta-feira 17. “Eles são pessoas extremamente capazes, altamente qualificadas, que adoram vencer e sabem vencer. Acredito que estamos acrescentando a experiência e a expertise necessárias para derrotar Hillary Clinton em novembro e continuar a compartilhar minha mensagem e visão para ‘tornar a América grande de novo’”, completou, repetindo o slogan de sua campanha.
De acordo com Michael Steele, um ex-dirigente republicano, Conway tem uma forte sintonia com Trump: “Ela sabe falar a língua dele”. Um dos temas das conversas entre Trump e Conway, no passado, eram os índices de audiência na TV. Desde 2004 o bilionário tem o programa O Aprendiz na rede NBC. Conway trabalhou na campanha presidencial de 2012 de Newt Gingrich, ex-presidente da Câmara dos Deputados, e que apoia Trump. No ano passado, ela presidiu um grupo de captação de doações para a campanha do senador texano Ted Cruz, principal adversário de Trump nas primárias e um dos líderes republicanos que se recusaram a apoiar sua candidatura depois da vitória nas primárias e da nomeação na convenção, no mês passado.
Descrito em um perfil publicado em outubro pela agência Bloomberg como “o operador político mais perigoso da América”, Bannon, ex-oficial da Marinha, é conhecido por sua agressividade e seu jeito extravagante — uma espécie de alter ego de Trump. Ele trabalhou no Goldman Sachs antes de abrir o próprio banco de investimento, especializado em negócios no setor da mídia. Depois de vender seu banco, passou a trabalhar como produtor de filmes em Hollywood. Bannon fez um documentário sobre o ex-presidente Ronald Reagan e outro sobre a ex-governadora do Alaska Sarah Palin, candidata a vice-presidente na chapa de John McCain em 2008.
De acordo com assessores do candidato republicano ouvidos pelo Washington Post, há meses Bannon, em encontros e conversas no telefone, tem dito a Trump para não tentar suavizar seu discurso para agradar aos doadores e aos dirigentes republicanos, mas, em vez disso, assumir seu perfil de outsider e de nacionalista. Trump considera que Bannon tem razão: os eleitores querem um candidato que represente a ruptura, mais do que um discurso elaborado, disseram as fontes.
Por sua vez, Manafort pode ser a voz “moderada” para os parâmetros de Trump, mas não está nada livre de controvérsias. Na segunda-feira 15, o jornal The New York Times revelou que Manafort é investigado na Ucrânia por ter recebido 12,7 milhões de dólares por meio de caixa dois, como pagamento por sua assessoria ao partido de Yanukovich de 2007 a 2012. Manafort assessorou a campanha vitoriosa de Yanukovich à Presidência em 2010 e trabalhou até maio deste ano na Ucrânia.
Yanukovich foi deposto pelo Parlamento em 2014, em meio a uma onda de manifestações que paralisaram Kiev, a capital. De acordo com o Times, o Ministério Público ucraniano está investigando um esquema de empresas offshore de prateleira, por meio do qual pessoas ligadas a Yanukovich teriam desviado dinheiro público para bancar um estilo de vida luxuoso, que incluiu a construção de um palácio com zoológico privado, campo de golfe e quadra de tênis. Entre as transações investigadas está a venda de ativos de um canal de TV a cabo por 18 milhões de dólares para uma parceria articulada por Manafort e pelo oligarca russo Oleg Deripaska, aliado próximo de Putin.
Enquanto Manafort perde espaço, Lewandowski — aquele que quer que Trump seja Trump — está de novo em ascensão. Segundo fontes da equipe de campanha, foi ele quem sugeriu ao candidato que convidasse Conway e Bannon. Agora comentarista de política na rede CNN, Lewandowski explicou assim a escolha de Trump: “É um candidato que quer vencer, e a qualquer preço. E acho que isso deixa algumas pessoas na esquerda com muito medo porque eles [Bannon e Conway] estão dispostos a dizer e a fazer coisas que outros na grande mídia não fariam. A campanha quer provar ao pessoal de Hillary que eles vão levar essa luta diretamente contra ela”.
“A qualquer preço”, aqui, pode significar qualquer coisa, inclusive uma derrota inesquecível. É o que temem muitos republicanos.