Donald Trump: algumas relíquias da época sobreviveram até o presente (Jonathan Ernst/Reuters)
AFP
Publicado em 26 de janeiro de 2017 às 10h42.
Um presidente protecionista no reino do livre mercado: a nova direção que Donald Trump dá à economia dos Estados Unidos pode parecer incongruente, mas as restrições ao comércio têm uma longa história na Casa Branca.
Muito antes de Trump ameaçar a China e o México com barreiras comerciais, outros presidentes americanos recorreram ao protecionismo, especialmente integrantes do Partido Republicano, que hoje apoia fortemente a liberalização do comércio.
O venerado Ronald Reagan aumentou em 45% as tarifas sobre as motocicletas japonesas em 1983, num momento em que Washington acusava o Japão de inundar seu país com bens baratos.
Quatro anos depois, Reagan, que era o paladino do livre mercado em oposição à economia planejada da União Soviética, taxou algumas importações de televisões e computadores japoneses com 100% de impostos, depois de impor quotas de importação aos carros e ao aço do Japão.
Em 1971, o republicano Richard Nixon colocou fim ao padrão ouro - a convertibilidade americana neste metal - e impôs 10% de sobretaxas às importações para encorajar seus sócios comerciais a revalorizarem suas moedas.
Esquecidos após o triunfo da ideologia do livre comércio nos últimos 25 anos, estes golpes de protecionismo estão nas raízes do Partido Republicano.
"Desde sua fundação e durante décadas, o Partido Republicano foi o partido dos impostos altos baseado na ideia de que os Estados Unidos precisavam desenvolver sua capacidade industrial", explica o historiador Eric Rauchway, da Universidade da Califórnia.
Fundado em 1854, o 'Grand Old Party' era naquele momento próximo aos capitães da indústria do nordeste dos Estados Unidos, que buscavam se proteger contra as importações da Grã-Bretanha, a principal potência da época.
Com o controle da Casa Branca até pouco antes da Segunda Guerra Mundial, o partido criou um "muro de impostos" para proteger a nascente indústria americana, afirma Michael Lind, autor da história econômica americana "Land of Promise".
Esta política não careceu de opositores.
Apoiadas pelo Partido Democrata, as grandes plantações do sul - uma indústria baseada na escravidão - lutavam pelo livre comércio, que lhes permitiria vender algodão à Grã-Bretanha e importar equipamento industrial mais barato que o fabricado domesticamente.
No entanto, sob a liderança republicana, o protecionismo americano se arraigou na primeira metade do século XX, e se intensificou nos anos anteriores e durante a Grande Depressão.
A lei Smoot-Hawley de 1930 impôs tarifas sobre mais de 20.000 produtos importados, piorando os males do momento.
Algumas relíquias da época sobreviveram até o presente. A lei "Buy American" de 1933 obriga o governo federal a favorecer as compras de bens "Made in USA".
Com as bases da indústria europeia e japonesa devastadas devido à Segunda Guerra Mundial, os Estados Unidos se voltaram radicalmente rumo a um novo paradigma.
"A elite de negócios republicana e os industriais se voltaram ao livre comércio porque já não tinham concorrência. Naquele momento, os Estados Unidos tinham o monopólio das manufaturas", diz Lind.
As correntes protecionistas reapareceram na década de 1970, quando a indústria do Japão e da Alemanha retomou impulso. Voltaram a ter força nos anos 80, quando os Estados Unidos sofreram uma profunda recessão entre 1980 e 1982.
"A ideia de que ante uma crise econômica deveríamos retornar a algum tipo de protecionismo sempre teve capacidade de sedução", considera Rauchway.
E, à medida que os Estados Unidos se tornaram mais fortes, o protecionismo mudou de aparência, menos preocupado em incubar a indústria local que em manter fora os produtos mais baratos.
Ao criticar a China e se retirar do Tratado de Associação Transpacífica (TPP), Trump parece ter adotado esta linha de pensamento.
"É o protecionismo defensivo que Trump está ressuscitando", concluiu Lind.