Tony Blair: "Já que isso foi iniciado com um referendo, francamente só pode terminar com uma nova votação" (Peter Macdiarmid/Getty Images)
AFP
Publicado em 17 de julho de 2018 às 20h56.
"É um total e completo desastre". O ex-primeiro-ministro Tony Blair não conseguiu se conter quando, em uma entrevista à AFP, foi perguntado sobre a abordagem conferida pelo governo britânico ao Brexit.
Blair, que governou o Reino Unido durante 10 anos, se compadeceu da primeira-ministra, Theresa May, em sua tentativa de obter o consenso de seu partido em torno do plano para deixar a União Europeia, sugerindo que ela tem pela frente "o trabalho menos invejável na política ocidental".
O ex-primeiro-ministro alertou que, com a data programada para o Brexit em março do ano que vem, é hora de se admitir que "não há escapatória" e convocar um outro referendo, com a opção de permanecer na UE.
"Já que isso foi iniciado com um referendo, francamente só pode terminar com uma nova votação", disse Blair.
O ex-primeiro-ministro deixou o poder em 2007 e depois passou anos no exterior, inclusive como enviado internacional para o Oriente Médio.
Atualmente, contudo, ele tem sido visto frequentemente em Londres, voltando a se envolver na política britânica.
"Me oponho fervorosamente ao Brexit e ainda acho que isso pode ser mudado", disse o político de 65 anos à AFP no escritório de sua organização sem fins lucrativos, o Institute for Global Change.
Após dois anos de disputas com seu partido conservador, neste mês May finalmente apresentou seu plano para estabelecer os vínculos econômicos com a UE depois do Brexit, provocando indignação entre as fileiras mais intransigentes ao fazer concessões demasiadas à UE.
- Plano de May está "incompleto" -
O próprio Blair disse que o plano de May era uma "miscelânea", algo "incompleto" que não agrada ninguém, e que é pouco provável que seja aceito por Bruxelas.
Ele ressaltou o dilema inerente ao Brexit: permanecer próximo à UE para proteger o comércio, mas perdendo as oportunidades de fazer isso sozinho, ou cortar completamente as relações e arriscar prejudicar a economia.
Com o parlamento "paralisado", "a única forma de resolver isso é devolvendo para as pessoas", disse, defendendo que os eleitores voltem a se pronunciar sobre o Brexit.
As intervenções de Blair sobre o Brexit nem sempre foram bem recebidas no Reino Unido, onde sua decisão de se juntar aos Estados Unidos na invasão do Iraque em 2003 continua gerando grandes controvérsias.
Mas enquanto David Cameron, primeiro-ministro que convocou o referendo sobre o Brexit em 2016, se retirou da vida pública para escrever suas memórias, Blair se nega a ficar em silêncio.
Alguns sugeriram que Blair teve alguma responsabilidade no Brexit, ao não limitar a migração dos novos Estados-membros da UE da Europa central e oriental quando se uniram ao bloco em 2004, o que gerou uma grande afluência de trabalhadores, causando alarde público.
Blair afastou a ideia, classificada de um "exagero absurdo" e insistiu em que a emigração de países que não fazem parte da UE foi a impulsionadora do voto a favor do Brexit. Reconheceu, entretanto, que se tivesse permanecido no poder por mais tempo, poderia ter tentado "ajustar as coisas".
A própria União Europeia está atualmente dividida sobre como administrar a migração irregular e os pedidos de refúgio, o que Blair descreveu como uma situação "muito perigosa".
"Há uma crise. O populismo da esquerda e a direita correm o risco de romper a política ocidental", disse Blair.
Admitiu que a ideologia centrista "está ausente neste momento", mas desmentiu algumas sugestões que indicam que ele gostaria de ajudar a formar um novo partido de centro no Reino Unido.
Seu próprio Partido Trabalhista se voltou para a esquerda, ao eleger como seu líder Jeremy Corbyn, que é mais eurocético.
Os trabalhistas reconhecem o resultado do referendo e apoiam Brexit, mas pediram uma nova união aduaneira com a UE e não descartam uma segunda votação.