França: em sua primeira versão, o policial havia dito ter agido em legítima defesa (Udi Kivity/Reuters)
AFP
Publicado em 6 de julho de 2018 às 16h50.
Última atualização em 6 de julho de 2018 às 16h51.
O agente que disparou contra um jovem na noite de terça-feira (3) durante uma blitz policial em Nantes (região oeste da França) afirma que o tiro foi "acidental" e não em legítima defensa.
Ele deve ser apresentado a um juiz ainda esta noite. A Promotoria pediu seu indiciamento por "lesão voluntária que resultou em morte não intencional", segundo informou o procurador da República de Nates, Pierre Sennès, em coletiva de imprensa.
A morte de Aboubakar Fofana, de 22 anos, desencadeou três noites de violência em subúrbios pobres de Nantes. Os manifestantes denunciam uma "ação extremamente violenta da polícia".
Prédios e comércios foram deteriorados e dezenas de carros foram incendiados nos protestos.
En custória desde quinta-feira por "violência voluntária cometida por pessoa depositária de autoridade pública provocando a morte, sem intenção de matar", o policial modificou sua primeira versão dos fatos.
"Ele reconheceu ter feito uma declaração que não correspondia à verdade" durante seu primeira depoimento, declarou seu advogado Laurent-Franck Lienard à AFP.
Em sua primeira versão, o policial havia dito ter agido em legítima defesa.
Segundo uma fonte que teve acesso ao dossiê, os cinco colegas do policial autor do tiro, ouvidos na noite do ocorrido, afirmaram que o jovem tinha dado marcha ré em seu carro "em alta velocidade", pondo em risco a vida de duas das quatro crianças brincando na calçada atrás do carro.
Segundo os colegas do agente, um dos policiais só teve tempo de empurar uma das crianças, de pegar a outra em seus braços e de se proteger na frente de um furgão da polícia.
Essas declarações, não confirmadas pelo procurador de Nantes Pierre Sennès, foram desmentidas pelos moradores do bairro entrevistados pela AFP, que dizem ter visto a cena.
Segundo uma mulher que filmou a ação, não havia "um policial atrás do carro. Ele não passou por cima de ninguém".
Desta vez, o policial "declarou que tinha sido um tiro acidental" aos investigadores da Inspeção Geral da Polícia Nacional (IGPN), explicou seu advogado.
"Na realidade, ele tentou pegar o volante para parar a manobra", segundo o procurador. "Foi neste momento que o disparou sua arma acidentalmente, atingindo fatalmente o motorista".
"Não cabe a mim (...) arbitrar esta noite entre essas diferentes versões. Atenho-me à qualificação penal dos fatos", acrescento Sennès.
Aboubakar, que tinha um mandado de prisão por "roubo, receptação e associação a crimonosos", foi atingido no pescoço e morreu no hospital.
O anúncio da morte suscitou cólera e violência nos bairros mais pobres da cidade, onde a relação entre os jovens e a polícia é notoriamente tensa.
Na madrugada de quinta para sexta-feira, oito prédios foram danificados e 52 veículos incendiados. Uma cervejaria foi destruída pelo fogo em um centro comercial e alguns princípios de incêndio atingiram prédios públicos, sendo dois estabelecimentos escolares.
Quatro pessoas foram colocadas sob custódia e uma dúzia na noite anterior.
Incidentes também estouraram em Garges-lès-Gonesse, região parisiense, local de origem da vítima. A polícia foi alvo de lançamento de pedras e de coquetéis motolov, e lixeiras foram queimadas.
Nenhuma violência foi assinalada no bairro Breil, palco do controle policial na terça-feira e onde próximos da vítima pediram calma.
Na quinta à noite, manifestantes marcharam pacificamente em Nantes para pedir por"verdade" e "justiça para Abou".
Em visita a Nantes na quinta-feira, o primeiro ministro francês, Édouard Philippe, exigiu "mais transparência" sobre as circuntâncias da morte do jovem. Ele também condenou os distúrbios "com máxima firmeza".
O ministro do Interior, Gérard Collomb, assegurou em Marselha (sudeste da França) que o governo fará "tudo para apaziguar a situação".