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"Tiramos o país da estagnação", diz Dilma Rousseff

Leia a versão completa da entrevista concedida a EXAME pela pré-candidata do PT à Presidência da República

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Da Redação

Publicado em 10 de outubro de 2010 às 04h11.

Brasília - A editora de EXAME em Brasília, Angela Pimenta, entrevistou a ex-ministra da Casa Civil Dilma Roussef, atual pré-candidata do PT à presidência da República. A petista falou sobre o histórico brasileiro de presença estatal na economia, as possibilidades de investimento em infraestrutura por parte governo e afirmou que a gestão do presidente Lula foi responsável por tirar o país e as pessoas da estagnação econômica. Confira a entrevista na íntegra:

EXAME - Quando a senhora fala da presença do Estado na economia - e existe o Estado indutor e o Estado regulador - o que a senhora exatamente está querendo dizer? No eventual governo da senhora, qual seria o real papel do Estado na economia brasileira?

Dilma Rouseff - Primeiro, acho importante destacar que o Estado - você pode avaliar nos anos pós-República - que começa a se formar na década de 30 e vai até a década de 50, foi um Estado empresário e relacionado com uma economia muito pouco diversificada, com uma fragilidade imensa de vários setores da cadeia produtiva industrial, dificuldades imensas na área de prestação de serviços e bastantes conflitos com a garantia da prestação de serviços básicos. Enfim, você tem um quadro que reflete uma economia bem pouco desenvolvida. Depois nós vamos ter um Estado que é convencionalmente chamado de neoliberal, mas eu acho que ele se caracterizou por outras questões. Ele foi um Estado que desmantelou uma parte do que se tinha e não colocou nada no lugar em termos de eficiência, modernidade.

EXAME - Quando foi isso?

Dilma - Eu acho que começa em 86, 87, por aí...

EXAME - No governo Sarney?

Dilma - Não, acho que não foi no governo Sarney. No governo Sarney ele ainda se mantinha. Acho que começa mais forte talvez no governo Collor, em toda a crise naquele momento. Uma parte disso diz respeito a uma profunda crise do Estado brasileiro, que chega a um limite, a uma determinada forma de se organizar. Ele entra em crise fiscal, porque tem o fato que houve sempre essa sombra da crise externa sobre as finanças públicas brasileiras, como a crise da dívida de 82, que praticamente inviabiliza a manutenção de padrão de gasto público. E esse Estado tem uma característica ruim para o país porque ele coincide com um período de estagnação muito grande, com o crescimento baixíssimo da economia, um problema sério, porque ao mesmo tempo em que a gente dava os primeiros passos para a democracia, uma parte da população brasileira estava inteiramente marginalizada. Temos a formação das grandes favelas. Você tem uma perda muito grande de inclusão e mobilidade social, que ocorria nos períodos anteriores. E inclusive situações de conflito: começam a aparecer vários conflitos sociais por terra, nas cidades, sindicais e de todos os tipos.
 
E é interessante ver que nesse período nós começamos a melhorar politicamente. O Brasil passa a ter liberdade de expressão, liberdade de opinião, liberdade de imprensa, volta para os direitos básicos da criatura humana, como o direito ao habeas corpus. Você vai ganhando musculatura e ao mesmo tempo há uma crise profunda do Estado brasileiro. Isso explica, eu acho, em nível internacional duas propostas, que era a da Thatcher e a do Reagan que ganham corpo e formam o Consenso de Washington. E você tem um desmantelamento do Estado brasileiro em termos de planejamento, de gestão e daquilo que os Estados das economias desenvolvidas tiveram acesso, como meritocracia e profissionalismo. Você tem os Estados Unidos e demais países que entram, já nesse período, já com uma estrutura meritocrática e profissional, que eles nunca abandonaram, até para intensificar seus negócios. Acho que o mais grave disso é que se fez da necessidade, virtude. Havia necessidade de você reduzir gasto público, fazer o ajuste fiscal, mas naquele período você nem fazia o ajuste fiscal... Você pode olhar que o período do Estado neoliberal teve pico de déficit fiscal altíssimo.
 


 

EXAME - A senhora está falando de quando?

Dilma - Do governo FHC. Incluo sim. Nós saímos de uma relação dívida/PIB baixa, em que chegamos a 56%. Houve uma série de processos que naquele momento têm uma imensa fragilidade externa. E a margem de manobra do Brasil é desse tamaninho... Uma dependência absurda do Fundo Monetário Internacional, naquela política mais tradicional que nós não vimos ser aplicada nessa crise para nenhum país desenvolvido. Então, aumenta os juros lá em cima e corta todos os gastos sociais e impede o reajuste do salário mínimo. Impede qualquer política de investimento público e o Estado faz parte do problema em todas as crises. Em todas as crises: você pega a da Ásia, pega Rússia, pega Argentina, pega a do México, que foi a primeira dessa etapa. E você vai ver que há um processo grave em que o Estado quebra junto. O primeiro a ser afetado é o Estado, até porque vai num crescendo com a indexação da dívida pública ao dólar. Bateu a crise externa e você não tem margem de manobra nenhuma, e reservas baixíssimas. E uma dificuldade enorme para assegurar um espaço de manobra internacional.

E então chegamos nós. Nós chegamos nesse contexto. E não vamos esquecer que nós chegamos ao governo quando tinha 14 bilhões de dólares devendo ao FMI e uma inflação de 12% tendendo a maior e o início da explosão do déficit público. Ele tinha voltado a acelerar, porque no primeiro governo Fernando Henrique eles deixam o déficit solto. No segundo período, eles tentam dar um controle. O que nós fomos obrigados a fazer? Em 2003, nós fizemos um ajuste fiscal brutal. A nossa margem de manobra era zero. Nós entramos numa situação extremamente difícil e vocês encontraram ali uma pessoa, o Antonio Palocci, que apesar de médico soube construir as condições nas quais nós pudemos entrar num novo período, no governo do presidente Lula. Nós saímos desse período de crise das contas públicas, de absoluta fragilidade externa e do período em que se perdia o controle sobre a inflação e ela explodia. Eu acho que o mérito do primeiro governo Lula é ter sabido estruturar uma nova etapa nessa questão do Estado. Porque estruturar uma nova etapa na questão do Estado? O que nos distingue dos períodos anteriores é que nós abrimos uma nova era de prosperidade para o Brasil. Acho que o Brasil de crescimento estabilizado, ou seja, nós não crescemos no stop and go, nós passamos a crescer de forma sustentada. Agora, com um esforço enorme: primeiro estabilizamos a economia. Mantivemos alguns pilares. Exemplo: mantivemos a inflação sob controle. Mantivemos as contas públicas - nunca deixamos de fazer o superávit primário. Reduzimos a relação dívida líquida/PIB. Reduzimos também toda a parcela indexada da nossa dívida ao dólar. E absolutamente diferente de qualquer política macroeconômica do passado, construímos um colchão de reservas, que, aliás, foi muito criticado. Vocês lembram bem como foi criticado a gente ter montado os 243 bilhões de dólares que hoje nós temos de reservas, mas que deu margem de manobra para o país diante dessa crise. Bom, isso eu acho que foram os pré-requisitos fundamentais para a gente ser o que a gente é hoje. E para termos chegado aos 8,75% de juros. Porque nós reduzimos os juros com estabilidade.

EXAME - Os juros vão subir?

Dilma - Não sei. Não faço prognósticos sobre juros porque eu acho que não é adequado. Acho que nenhum candidato deve fazer isso e eu como ministra jamais fiz. Então o Estado que nós viemos é de uma outra economia. Primeiro, o setor privado, que eu chamo de darwiniano, porque ele sofreu tanta crise, ele superou tanta dificuldade, todos os planos que a gente lembra. E chegou a um ponto em que os nossos empresários sobreviventes são empresários que ganharam eficiência e um alto nível de produtividade. E nós saímos desse processo mantendo na sua diversificação possível uma economia privada competitiva que já tinha experimentado todas as adversidades numa abertura, que foi necessária, e numa globalização. Eu acho que o nosso setor privado provou que ele tinha resistência e musculatura, porque sobreviveu às crises. Aí nós chegamos ao governo. Nós temos um Estado absolutamente inadequado para as exigências dessa nova era de prosperidade. Um exemplo: planejamento. Eu lembro que em 2004, quando eu passei a lei de modificação do setor elétrico no Congresso, era considerado um absurdo o Estado voltar a ter horizonte de planejamento. Como se as grandes empresas do mundo não planejassem. A Exxon planeja, a Shell, todas as grandes petrolíferas. Todas as grandes empresas do mundo têm uma coisa que se chama planejamento estratégico.

Eu estou falando de um setor chave. O que eu acho que aí o ex-ministro Delfim Netto tem razão: o Brasil sempre teve dois problemas. O energético, como foi a crise do petróleo e a falta de energia. Uma das razões fundamentais para uma crise de energia é não ter horizonte de planejamento. No setor elétrico você planeja em dez anos, constrói em cinco e monitora em dois. Se você não fizer isso, é surpreendido por falhas incontornáveis. Porque qualquer sistema pode ter falhas episódicas. Ele é um produto humano, não é perfeito. Mas ele não pode ter falha sistêmica, estrutural. Não ter, por oito meses, os megawatts suficientes para abastecer o mercado do porte do brasileiro é falha sistêmica. Por quê? Porque a decisão que te garante que você vai ter investimento no Brasil em energia, ela é tomada, no mínimo, cinco anos antes. Se considerar todas as exigências legais, é mais, são seis anos. Você coloca um ano para licenciamento, projeto base e para projeto executivo, e cinco para construir. Então, o Estado indutor é um Estado que recupera ferramentas que são exigidas pela complexidade da economia brasileira.

EXAME - Mas é Estado indutor e produtor? Essa é uma grande questão.

Dilma - A palavra “indutor” não permite supor que haja uma participação direta. Ele só induz. Quer um bom exemplo de indução? Você acredita que no regime capitalista é possível não ter crédito? Nós saímos dos 380 bilhões - vou arredondar, ok? - dos 400 bilhões de reais de crédito e fomos para 1,4 trilhão de reais. Não é a mera espontaneidade e o livre jogo das forças do mercado que fizeram isso. É impossível investir em infraestrutura em qualquer país do mundo sem financiamento de longo prazo. Em 2003 e 2004, sabe qual o máximo que se financiava no Brasil? Sete anos, para alguns escolhidos exemplares, ou seja, para gente que tinha níveis de garantia. Essa estrutura de crédito é incompatível com o avanço econômico. Quando o pessoal fala que o Programa de Aceleração do Crescimento é o Orçamento Geral da União. Onde no mundo um programa de aceleração do crescimento ou um programa de infraestrutura é o Orçamento Geral da União? Em nenhum lugar. Em todas as economias, todos os programas de infraestrutura se sustentaram em cima do crédito. Aí entra outra vez o indutor. O que é o indutor? É aquele que fornece crédito. Por quê? Porque é aí que tem que ser o Estado no Brasil. Sinto muito, mas se você for depender do financiamento de longo prazo dos bancos privados, internacionais e nacionais, você tem pouco, você não tem a quantidade necessária. Então, de certa forma, nós vamos ter que esperar isso daqui a pouco. Porque isso vai ser uma exigência do nosso desenvolvimento.

Como é que a gente pode conceber que um desenvolvimento de infraestrutura não seja um processo em que o tomador é o setor privado? É impossível. Porque o Estado não faz um milímetro, um quilômetro de estrada. Tirante o Exército, que às vezes nos socorreu, é empreiteiro que vai fazer. O Estado não faz ferrovia. Não faz hidrelétrica. Ninguém tem dinheiro do bolso para botar. Nem a dona Petrobrás que é uma das maiores empresas de energia hoje do mundo. A estrutura de crédito tem que ser adequada para que os empresários possam tomar. Nós precisamos que as garantias não sejam as absurdas que foram no Brasil. Por quê? Houve uns anos no passado em que em empréstimos sem critério, nós passamos a uma exigência de garantia patrimonial. Quando o mundo discutia o project finance, que é não ter garantia patrimonial. Então, o Estado indutor é aquele que toma as medidas necessárias não só para o ambiente de negócios ser adequado, mas para viabilizar os investimentos do segmento privado da economia. Sem o que não sai uma obra no país. A grande incompreensão que às vezes há de alguns segmentos é supor que nós podemos - e que para o setor privado é bom - um Estado omisso. Não é bom na prosperidade e não é bom na crise. Ninguém entra numa nova era de prosperidade sem os elementos institucionais que levam a gente ao desenvolvimento. Colocar o investimento na ordem do dia não é retórica. É assegurar que houvesse primeiro o crédito, o mínimo de planejamento e projeto. O Brasil não fazia projeto, por quê? Porque alguém faria projeto se não tinha o dinheiro para executar? O que leva um ministério a montar sua prateleira de projetos, se ele sabe que o seu investimento em saneamento está restrito a 264 milhões de reais? O que ele faz? Nada. Ele não vai botar um tostão. O Estado indutor é o Estado que assegura que as condições para aquele processo de crescimento ocorra, ele apresente. Mas não é para ele fazer. Ele por isso tem de dialogar com o setor privado.

EXAME - Nós estamos muito interessados em saber o que seria mudado ou aprimorado numa próxima gestão. Por exemplo, nas concessões de estradas, um terreno em que a gente ouve muita crítica do empresariado. E os aeroportos também. A senhora poderia linkar essas duas coisas olhando para o futuro?

Dilma - Então nós chegamos num terceiro Estado, que é o Estado da era da prosperidade no Brasil, que tem de ser um Estado moderno, meritocrático. Ele tem de ser um Estado profissionalizado. Você tem que voltar a fazer concurso, você tem que voltar a ter funcionário de qualidade. Eu não posso admitir que o funcionário que fiscalize ganhe quatro vezes mais do que o funcionário que execute. Nós temos que romper com essa lógica que foi a lógica do ajuste fiscal. Porque era só o que nós fazíamos no passado: ajusta, ajusta, ajusta. O Estado estava em crise e externamente nós estávamos em crise. Levaram vinte anos desmontando esse Estado até que ele tinha, eu acho, deseconomias, tinha inchaços, a estrutura não era adequada para os tempos atuais, até porque os instrumentos de planejamento mudaram. Os instrumentos de gestão melhoraram e nós vamos ter que incorporar tudo isso. Nós, no governo Lula, mudamos o pneu com o carro andando. Nós fizemos o ajuste e todo o nosso objetivo era reconstruir as condições para essa nova era de prosperidade. Eu acho que nós já fizemos o alicerce.

Daqui para frente nós vamos ter que recompor as condições de planejamento logístico do país. A questão das rodovias não é e não pode ser se a rodovia está com buraco ou não. Acho que no que se refere ao horizonte de manutenção, ele deve ser de cinco anos. E o empreiteiro que faz a manutenção da rodovia garante um nível de serviço. Aí tem outra visão, porque a manutenção no Brasil foi feita nos últimos anos sempre no curto prazo, porque também não tinha dinheiro. Não era possível fazer um contrato de cinco anos, porque não tinha horizonte. A conseqüência de se ter uma crise no Estado é essa. 
 


EXAME - Isso no caso das rodovias estatais?

Dilma - Não tem rodovia privada que não seja rodovia planejada pelo Estado. Não existe. Concessão é o planejamento do Estado, o Estado pegando a rodovia e falando: setor privado, venha fazer a rodovia.

EXAME - Das vinte melhores estradas do Brasil, 19 são tocadas em concessão e quase todas estão no estado de São Paulo. É um regime que parece que funciona. A questão é: esse modelo vai ser replicado para o Brasil como um todo?

Dilma - Eu posso falar especificamente sobre rodovia. Ao falar em rodovias, tenho que falar em modais. O governo federal tem que olhar a interligação da rodovia com a ferrovia, hidrovia e o porto e tenho também de interligar com o aeroporto. Nós tínhamos uma estrutura de planejamento que se chamava Geipot. Ela acabou. Em alguns lugares sobraram algumas coisas, principalmente no Instituto de Engenharia do Exército. No caso específico de rodovias, daqui para a frente vamos ter de cuidar de uma coisa que se chama “custo Brasil.” Você tem três tipos de rodovia: tem uma rodovia que é lucrativa. Você tem uma outra rodovia que não é lucrativa. E você tem um terceiro tipo de rodovia que tem de pavimentar mesmo que ela ainda não tenha uma demanda completa. Mas você sabe que o potencial da região é tão grande que é importante que você faça. O que aconteceu no Brasil? Quando o Estado quebra, você várias formas de aumentar a arrecadação. Você tem o imposto direto e tem uma outra que chama tarifa e concessão onerosa. É interessante que o Brasil não olha isso como sendo uma tributação e é uma forma velada de tributação porque eu pego aquela estrada e ela é desvirtuada. Por exemplo: uma estrada lucrativa. Eu faço uma concessão onerosa, boto uma tarifa lá em cima, arrecado dinheiro e aplico numa outra que não é lucrativa. O efeito é que as rodovias lucrativas passam a pagar tarifas absurdas e é por onde se passa o maior tráfego do Brasil. Eu estou fazendo duas coisas: primeiro, eu estou cobrando uma tarifa de uma determinada população, juntando dinheiro e jogando para o outro lado. É uma forma de arrecadação de recursos de subsídio cruzado, com todas as distorções. E, além disso, eu onero a produção. Isso é absolutamente justificado para um Estado em crise, quebrado. Por que nós paramos de fazer isso? Porque nós achamos que é justo conceder e tarifar, mas não fazer arrecadação por concessão onerosa. Você pode olhar que todas as nossas rodovias foram concedidas sem a concessão onerosa. Não arrecado nenhum tostão e não volto para a outra estrada.

EXAME - A reclamação que se tem do setor privado é que foi feito pouco... 

Dilma - Nós tentamos fazer a BR-163. Sabe qual foi o modelo de negócios que apresentaram? Uma tarifa de 800 reais. Eu não acho essa tarifa compatível para o Brasil. Por isso, nós voltamos a fazer obra pública, por isso nós fazemos concessão. É dinheiro do Orçamento Geral da União que vai para a estrada. Porque hoje o Estado pode fazer isso. Ele não está quebrado. Ele tem dinheiro. É só olhar a alteração nos valores que aumentaram no Ministério dos Transportes. A mesma coisa acontece no Brasil com ferrovia, que não é feita no Brasil há muitos anos. Uma das coisas mais graves nas estradas é que por elas passam veículos que tem uma capacidade de deterioração da estrada violenta. Trafega minério pela estrada e você vai ver o que acontece com ela. O típico tráfego é ferrovia. Qual é o nosso planejamento de ferrovia? É a Norte-Sul, a Transnordestina, a Oeste-Leste, a de integração do Centro-Oeste, que é Uruaçu e Lucas do Rio Verde. Esse ano nós vamos acabar em Anápolis. E vamos deixar licitado o de Anápolis até Estrela do Oeste, em São Paulo, então você vai ter Norte-Sul com quase 1 000 km. E nós estamos propondo no PAC 2 de Panorama a Dourados. E vamos concluir o trecho que sai de Salgueiro e sobe para o Sará. Isso aqui é a Oeste-Leste. Ela está sendo licitada agora e vai levar de uns quatro a cinco anos para ser feita. E esse trecho que liga o norte ao sul do país, chegando a São Paulo, nós vamos deixar prontinho nos próximos quatro anos. Isso significa mudar a logística do país.

Quando falarem em logística, eu pergunto: e os outros modais? Como é que eu integro isso com ferrovia, hidrovia e aeroporto? Uma das mais importantes hidrovias está em são Paulo, a Tietê-Paraná. Esta é uma das minhas ambições - resolver isso e colocar dinheiro em parceria com o estado de São Paulo. Para várias coisas dessas, a União faz sozinha. Em outras, é muito importante a parceria, até porque os estados tiveram os mesmos problemas que a União teve em desmantelamento. Mas muitos estados têm estruturas de planejamento que você pode aproveitar projetos. São Paulo é um caso. O que eu estou tentando falar é o seguinte: no Brasil nós temos que tentar implantar de forma clara. O produtor A e o produtor B vão ter direito de passar a carga de chegar ao porto e botar no navio e despachar a carga. A concorrência é condição para se ter um sistema logístico decente. Um dos problemas é o direito de acesso das ferrovias. O que é uma nova era de prosperidade? É uma nova era em que todos podem crescer. Todos vão ter direito de crescer. O grande empresário, mas o médio e o pequeno também. Criar uma institucionalidade para isso, uma logística, implica, por exemplo, o porto, primeiro, dar conta de uma tarefa que antes não era possível no Brasil. Porque antes não tinha dinheiro para você contratar a dragagem e a garantia da derrocagem e dar um prazo para que o serviço fique pronto em X anos. Como não tinha dinheiro, as pessoas faziam meia-sola.

Qual a novidade do governo Lula? Nós fizemos a estabilidade macroeconômica para poder garantir que o porto tenha isso. Agora, mudamos também o marco regulatório. Criamos o porto público que é o direito de qualquer um usar e licitamos também terminais específicos para empresas privadas. Você combina as duas coisas. O porto público segura todo mundo. O terminal privado vai pegar o grande exportador que precisa dele para acelerar a sua exportação. O que eu estou dizendo em logística vale para muitas outras coisas. Uma nova era de prosperidade - eu vou insistir muito nessa palavra - é nutrir uma abundância institucional na forma do Estado olhar o setor privado. E eu acho que nós fizemos isso. O Minha Casa, Minha Vida é obra conjunta. Se a gente não tivesse chamado o pessoal da construção civil, as grandes empresas, o pessoal da CBIC, sentado com todos eles e escutado como é que eles queixavam amargamente de que eram 33 meses de um ciclo de negócios, entre o cara falar eu vou fazer e entregar a chave para o proprietário. Eles se queixavam do passeio do dinheiro que saía daqui, vai lá para o Estado e vai lá para a prefeitura e dá a volta - isso para a habitação de interesse social. Agora é Caixa-empresa-mutuário. E aí, não tem intermediário. Além disso, de zero a três salários mínimos, onde estão 90% do déficit, não fecha a equação. Aqui tem que ser subsídio, que foi uma palavra proibida. Eu me lembro perfeitamente.

EXAME - A senhora falou várias vezes: agora o Estado tem dinheiro. Mas o Estado vai ter dinheiro para fazer tantas coisas?

Dilma - Não. Não dá para ficar financiando todo o investimento de longo prazo. Eu acho que tem o mercado de capitais e os bancos privados nacionais e os bancos privados internacionais. Ou o Brasil faz uso de todas as formas de financiamento, ou utiliza os todos os esquemas de financiamento possível, ou não daremos conta das necessidades que teremos. Nós não temos trinta empresas grandes construtoras que podem arcar com um projeto de porte. Então ela toma um projeto aqui, outro ali e assim por diante. Você tem projeto de grande escala na área de energia, na área de transporte, hidrelétrica, petróleo, estaleiro. Aí eu te pergunto o seguinte: tem um grande problema que é a garantia patrimonial. Você não pode pegar e jogar tudo no balanço das empresas. Esse não é um problema apenas brasileiro. Todo o surto de crescimento asiático se deu porque eles criaram os recebíveis - o project finance - que é uma forma de você contornar isso. Nos temos que gerar um project finance à brasileira.

EXAME - Seria através do BNDES?

Dilma - Eu acho que sim, mas vou repetir. Eu acho que os bancos privados têm que entrar.

EXAME - Os estrangeiros também?

Dilma - Se eles quiserem entrar, são muito bem-vindos. O problema hoje é o seguinte: não pode querer participar só do melhor. Tem que participar de tudo.


 

EXAME - Mas existem mecanismos para fazer isso, não é?

Dilma - Na área de financiamento também não é bem assim. Você também não pode exigir que o banco saia por aí financiando uma coisa que não vai dar retorno. Isso não é realista. A capacidade de gerenciamento nossa, doméstica, aumentou. Nós não precisamos mais vender a alma para conseguir o financiamento. Eu me lembro que quando eu cheguei ao governo eu tinha que fazer o Gasene. Chamei um banco e o segmento que tradicionalmente financiava o Brasil. E eles me disseram que estavam muito expostos à Petrobrás, o que naquela época eram 6 bilhões de reais. Ai, a vida nos levou aos chineses, que financiaram o Gasene em quase 1 000 km. Eles falaram que não ia dar certo, que os chineses fazem de má qualidade. Pelo contrário, eles fizeram de muito boa qualidade, no prazo e com operários brasileiros. Eu me lembro que a diversidade de interesses de quem quer investir no Brasil é muito grande.

Em relação ao capital estrangeiro, é preciso criar condições para que eles venham. Se você não for amigável, eles não vêm. Nós não precisamos criar condições além do que o ambiente de negócios aqui já oferece. Por quê? Porque temos várias vantagens: temos o que se chama grandes projetos greenfield. Nos outros países do mundo, os projetos greenfield têm taxas menores de remuneração. Somos atrativos e somos um país estável. Nunca desrespeitamos contratos. Outro dia me perguntaram: se vocês são contra a privatização, porque vocês não retomaram as empresas privatizadas? Por um motivo muito simples: mesmo se fôssemos a favor de reestatizá-las, nós respeitamos contrato. Respeitar contrato num país como o nosso é um patamar de exigência absoluto. O governo passado fez tal contrato, eu respeito. Aí é a visão que o investidor vai ter de você enquanto Estado, enquanto país. Tanto o privado nacional quanto o internacional.

EXAME - A senhora reestatizaria o sistema Telebrás, ou a Vale?

Dilma - [Não, em gesto feito com a cabeça]. Olha o que eu acho gravíssimo se privatizasse: acabar com o Banco do Brasil,a Caixa Econômica e transformar o BNDES em agente de privatização do patrimônio público e não em banco de desenvolvimento e investimento. Pegar a Petrobras e dividi-la e privatizá-la. Ou privatizar nacos da Petrobras. Eu não acho a telefonia grande coisa hoje. Não acho que tenha problema nenhum.

EXAME - Embraer, Vale, nenhum desses?

Dilma - Acho que nós precisamos de um marco regulatório. Privatizar o minério e não botar marco regulatório faz com que os negócios fiquem um pouco soltos. Eu acho que há necessidade. Um dia me contaram que toda a arrecadação de participações especiais de Campos dos Goytacazes, no Rio de Janeiro, é igual ao do estado de Minas Gerais no que se refere ao minério. Aí está errado. É muito pouco, porque o petróleo é uma variante de minério. Não tem cabimento que os tratamentos sejam tão díspares. Esse é um pleito que você vê sempre em Minas, na sociedade mineira e por partes de governos como o de Minas, do Pará, Bahia, Espírito Santo, Amapá. Os grandes estados minerários do Brasil têm esse pleito.

EXAME - O novo marco seria no formato em que o ex-ministro Edison Lobão vinha trabalhando?

Dilma - Aí eu não posso responder, mas imagino que seria, porque eu sempre tenho uma boa interlocução com eles. Nos últimos tempos, eu não participei dessa discussão. Em linhas gerais tenho certeza de que concordo com o Lobão porque eu conversei com ele. Mas não tenho conhecimento profundo do que foi escrito para saber. Posso achar que está muito, mas posso achar que está pouco. Ai eu sou mineira. Pode ser um pouquinho mais ou um pouquinho menos. Agora, uma forma perigosa em relação à Petrobras e que tem efeito macroeconômico. Proíba a Petrobras de investir em refino. Fala que a Petrobras só tem de investir em exploração, produção e prospecção, e assim mesmo pouco. Sabe o que acontece? Como nós somos abastecidos por refinarias quando a utilização da capacidade das refinarias chega a 92%, começa a ficar perigoso. Qualquer problema numa refinaria, sabe o que significa? Significa importar petróleo. E isso desequilibra a balança de pagamentos. É impossível olhar empresas desse tamanho sem olhar o país também.
Então, o Brasil ficou quase 25 anos sem investir em refino se eu não me engano. O Brasil proibiu a Petrobras de entrar em petroquímica. Então, a não ser que a gente conte uma história de fadas para nós, tem certos mercados internacionais que não só são imperfeitos, cheios de distorções, inclusive guerras, briga de cachorro grande, ou seja, a empresa tem de ter porte para entrar e você tem de ter musculatura para entrar na competição. E isso ocorre com a petroquímica. Você não dá um passo no mercado internacional com a petroquímica deste tamanhozinho. E aí eu te pergunto: nós vamos ter petróleo em quantidades “arábica-saudiaanas.” Nós vamos ter bastante petróleo. Então, a troco de quê você exporta o óleo bruto? Nós não somos um país sem know-how... Você sabe a diferença de preço? Multiplica por 1 000. O preço internacional de produtos petroquímicos em relação ao petróleo bruto.

EXAME - Agora, quando a Petrobras fica essa coisa gigantesca - ela se define como uma empresa de energia e não uma empresa de petróleo. Ela entrou no etanol, entrou na petroquímica, e teve a questão da Braskem.

Dilma - Todas as empresas internacionais são verticalizadas.

EXAME - Quando se tem no Brasil uma empresa do porte da Petrobras - não é ruim ser uma empresa grande, não é isso. Mas quando se olha a listas das maiores empresas, em relação ao resto do ambiente empresarial, ela é enorme. A Petrobras fica tão monstruosa que você começa a ouvir coisas assim: não dá para competir com a Petrobras. Ela vai ficar sozinha. Então desestimula a competição em etanol, por exemplo.

Dilma - Isso não acontece. O problema do etanol é que hoje ele é 25% internacional e você tem aqui um horizonte significativo de 75% privada nacional. Então a parcela que a Petrobras pode ter nesse mercado não é muito grande. Mas ela tem de estar presente. Porque ela é um fator de equilíbrio. Você não pode pegar todo o seu mercado de energia sem deixar uma presença pública e uma presença privada nacional e internacional. Aí não tem problema. Agora, não há possibilidade de fazer o que nós vamos fazer - não é pelo tamanho da Petrobras. Eu acho que a Petrobras tem de diferente é que a Petrobras não é uma empresa qualquer. Ela gerou a tecnologia que possibilitou que nós descobríssemos petróleo em águas profundas. Nós hoje somos reconhecidos por isso. É essa a diferença da gente para a Statoil. Ela não tinha tecnologia de águas profundas. Nós não só temos a tecnologia, como somos considerados dos melhores internacionalmente. Não existe motivo pelo qual a Petrobras não seja a principal executora do pré-sal. Agora, se você me perguntar: a Petrobras tem que ser controlada? Eu digo: tem sim, porque ela é uma empresa e a ANP tem de controlar, mas nós também no caso do pré-sal criamos uma outra empresa para controlar, que chama Petrosal. Talvez seja outro nome porque esse aí já existe. Nós também olhamos a experiência internacional e aprendemos com a Petroro.

O que está em questão no pré-sal? Está em questão quem é que fica com a renda. O petróleo hoje - talvez o ouro um pouco e a terra um outro pouco - é o único ativo que te dá uma relação custo normal e o preço desproporcional. Ou seja, você tem uma renda pelo petróleo, que depois de você pagar e remunerar muito bem o capital, cobrir todos os custos, você ainda tem uma renda. Essa renda, ninguém que tem petróleo do tipo nosso, que é boa qualidade, sabendo onde, baixo risco, deixa essa renda com as empresas, aí incluindo a Petrobras. A grande parte dessa renda tem de ir para a União, para o povo brasileiro. Por isso é que você vai ter que ter uma empresa controlando. Então, esse nível de controle é o primeiro passo. E depois a ANP controla a Petrosal e controla a Petrobras. Por isso, você tem que reforçar a agência reguladora. É por isso que a gente fala que é um Estado regulador e indutor. Eu sou muito a favor de profissionalizar daqui para frente, porque todo mundo passou as peripécias da falta de dinheiro. Agora é que melhorou um pouco. Quando estava melhorando, veio a crise e nós tivemos que fazer muita desoneração. O corte foi grande. Nós fizemos uma contenção de despesas. Ela não é fictícia. Mas nós já retomamos o nível de atividade e o aumento do PIB vai retomar o nível de arrecadação para todo mundo, para o município e estados. E eu acredito que nós entramos numa fase de desenvolvimento sustentável num patamar de 5%. Acho que nós podemos manter isso para o Brasil.

 


EXAME - Mesmo sem reformas, ministra? Se a senhora for eleita, qual é a sua prioridade número 1 nesse terreno das reformas?

Dilma - Duas: política e tributária. Acho que não vai haver nenhum governante brasileiro que queira aperfeiçoar as instituições brasileiras que não proponha a reforma política. Está cada vez maior a consciência disso. Eu diria que eu sinto isso entre alguns congressistas também. Mas a mais difícil de passar eu não acho que seja a reforma política. É a tributária. Tem uma questão federativa... Não vai passar a reforma tributária se não houver algumas compensações. Nós vamos ter que montar um sistema de transição com compensação para os estados. E na questão da eficiência, hoje nós temos a experiência de que a redução tributária é algo essencial no país. Veja o nível de redução que em plena crise que a gente segurou. Por que a gente segurou? Porque a gente percebia que incentiva o setor privado. Você tira um peso de cima dele. Então, a reforma política é pela questão da estabilidade e melhoria institucional do país. A questão do financiamento de campanha aberto, a questão de ter fidelidade partidária, de ter partidos mais fortes. A melhoria da relação e da governabilidade do país de uma forma mais impessoal. Agora, em termos dos nossos saltos, eu acredito que a reforma tributária é a reforma das reformas.

EXAME - Mas a senhora acha que é uma reforma com R maiúsculo ou seria o caso de encaminhar para pequenas mudanças que desonerem a economia?

Dilma - O bom seria que a gente pudesse fazer uma reforma com R maiúsculo e um T.

EXAME - Seria nos moldes propostos pelo ex-secretário Bernard Appy?

Dilma - Seria uma parte daquele jeito, mas antes é de bom tom que se converse e se negocie com os governadores eleitos, que se abra todo um processo de negociação no início do governo. O momento mais tranqüilo seria no início de governo. Tem de acabar com os tributos em cascata. Hoje nós também temos distorções muito grandes: um estado pode desonerar o ICMS de uma porção de produtos importados e o produto transita por lá e o outro estado produtor sai prejudicado. Isso está quebrando a nossa indústria. A ausência de um sistema tributário mais transparente simples provoca é muito grande. Você veja também a questão da desoneração da folha. É uma distorção no nosso país a gente desprezar quem emprega mais. Agora, se você mexer nisso sem as devidas compensações, você produz efeitos danosos. Mas eu acho que isso tem que ser a pauta.

EXAME - A senhora faria uma reforma trabalhista?

Dilma - Acho que não é por aí, aquele negócio de flexibilizar a legislação do trabalho - até que tem gente que faz essa proposta bem intencionadamente. Mas eu acho que ela leva à diminuição de direitos trabalhistas e à redução de salário. Eu acho que o Brasil não é excessivo hoje em matéria de greve. O Brasil não é excessivo em matéria de direitos. O setor operário brasileiro teve um comportamento irrepreensível diante dessa crise. E quando eles falaram, estão desempregando e não é necessário, eles estavam cobertos de razão. Porque o pessoal resolveu botar o pézinho no freio mais do que devia. Tanto é que saiu correndo depois, empregando outra vez. Eu acho que no campo trabalhista a discussão é outra. Para não dar a impressão errada, eu acho que tudo isso é uma questão que tem que ser discutida. Não sai da cabeça do chefe do executivo e vai sendo implementado. E durante várias vezes ao longo do governo do presidente Lula nós dissemos que isso era muito importante.

E não é possível que a gente resolva os problemas de arrecadação tributando mais. Não é possível pegar áreas que perpassam a economia brasileira, a sociedade e a comunidade brasileira de ponta a ponta e aumente o tributo. Exemplo: energia elétrica. Porque aí é o problema do novo custo Brasil. O custo Brasil já deixou de ser aquela questão de como é que eles olhavam. Muitas vezes a gente olhava o custo Brasil e até pra olhar se estavam cobrando muito de taxa interna de retorno, tinha gente para quem o risco Brasil caía para 200 e eles continuavam precificando o risco em 1 000. Eu peguei uma vez uma taxa interna de remuneração de uma rodovia de 25,26% em termos reais e sabe onde estava a distorção? Um dos fatores era o parâmetro do risco Brasil, no custo médio do capital. Agora o risco Brasil vai ser o problema do investimento. Vai ser quanto nós vamos cobrar de tarifa, como nós vamos ver o financiamento de longo prazo e vai ser isso que eu acabei de dizer.

EXAME - E a senhora pensa em fazer a reforma previdenciária?

Dilma - Na previdência demos uma demonstração de que essa é uma questão superada, porque é como o presidente Lula sempre fala: a Previdência de uma certa forma está equilibrada. Ela está com um déficitizinho. Se você tirar toda a parte da política social que é o fato da gente ter dado a aposentadoria rural, a gente ter feito uma série de benefícios e que você bota na sua conta. Aí é na conta do Tesouro. A conta da Previdência está sendo equilibrada. Ela sofreu uma mudança radical quando vocês nem eram nascidos. Hoje você não vê fila na previdência. Não só o José Pimentel, mas também o Nelson Machado, o Marinho, todos os ministros da Previdência. Acho que eles deram uma grande contribuição que foi a capacidade da gente ajustar a fila, que foi melhorar o atendimento, fazer um diagnóstico claro do desequilíbrio e começar a reduzir o déficit previdenciário, porque também se reduz o déficit previdenciário quando a economia começa a se movimentar e a contratar mais trabalhadores. Outra questão que eu acho fundamental foi o Simples. E uma das coisas que eu vou ter o maior empenho é na questão do pequeno e micro empresário de serviços comercial e industrial.

Por quê? Eu acho que a agricultura familiar brasileira melhorou muito depois que nós começamos a fazer uma política específica para ela. Apesar de responder por uma parte expressiva da produção de alimentos - ela não tinha assistência técnica e o crédito era precário e não tinha uma tentativa de modernizá-la. Acho que o Programa Mais Alimentos serviu para uma coisa: a produção de tratorezinhos, que a última vez que eu vi estava em 23 000 e já deve ter aumentado. Nós seguramos a produção de tratores na crise e 80% foram para a política do Mais Alimentos. Eu acredito na mesma coisa que foi feita, um tratamento especial com um órgão do governo só cuidando da pequena, média e da micro propriedade brasileira que é a que mais emprega. Nós temos um empreendedorismo recente que é uma coisa interessante no Brasil. Essa capacidade das pessoas abrirem negócios.  


 

EXAME - Mas eles morrem muito rápido...

Dilma - Mas é aí que eu acho que tem de entrar o governo. Tem que fazer uma avaliação de porque morre. Se morrer de morte morrida, está ok, mas de morte matada, não. É papel do governo impedir que morra de morte matada, por causa da burocracia, do ambiente inadequado para eles, de todo um peso em cima deles. Hoje tem o Simples, que também melhorou muito. E para nós aqui [mulheres] tem um estudo do SEBRAE que fala isso: houve uma interação da mulher com o empreendedorismo. Antes, em torno de 25% de mulheres empreendedoras e hoje nós já chegamos em torno de 50%. São 53% de mulheres contra 47% de homens. Isso é algo muito importante para o Brasil. É o que mais emprega e é responsável pelo dinamismo em várias regiões do país. Olha o nordeste, a história da dona Eliana. Nós a descobrimos fazendo a integração da bacia do São Francisco. Ela fazia comida em quentinhas, os pratos feitos. E depois ela abriu um restaurante e comprou uma caminhonete e desandou a distribuir. E ela abriu a bolsa e mostrou para o presidente Lula o comprovante de pagamento de 5 000 reais do imposto de renda. Você tinha que ver o orgulho dela em pagar o imposto de renda! Uma mulher dessas é um caso de sucesso. E quantas mulheres dessas tentaram fazer e não deu certo? Ou não tinham a caminhonete ou não tiveram assistência técnica.

Você tem de fazer da mesma forma que a Embrapa faz com o pequeno e médio agricultor, é preciso fazer uma Embrapa para o pequeno empresário, para ele poder deslanchar e ter respaldo para ele crescer. Isso eu acho que muda o Brasil porque é o cara sendo proprietário do seu negócio. A mulher e o homem sendo proprietários. Isso cria um país mais democrático e muda também o ambiente de negócios no Brasil. E acho também que a gente tem de incentivar a exportação desse pessoal também. Temos que focar nas experiências italianas que são muito boas, que derivam do artesanato. O que é Caxias do Sul, aquela região do Brasil lá no Rio Grande do Sul? Tem uma cultura do artesão.

EXAME - A senhora citou a questão fundiária e uma das preocupações é o MST. Qual a sua opinião sobre o MST?

Dilma - Eu acho que o governo do presidente Lula fez o maior número de desapropriações. E conseguimos levar à frente a questão do acesso à terra. Vou citar alguns valores importantes: do total de terras destinado à reforma agrária, 55% nós destinamos entre 2003 e 2009 - de todo o período em que se fez reforma agrária no Brasil. Nós incorporamos 46,7 milhões de hectares e o assentamento de 570 000 famílias. Isso durante esse período nosso.

EXAME - Isso precisa continuar ou não?

Dilma - Eu acho que ainda pode continuar fazendo reassentamentos. A grande política de reforma agrária correta que nós fizemos foi combinar isso com a agricultura familiar. Não é só pegar a terra e dar pro cara, porque daqui a pouco ele abandona a terra...

EXAME - Viram favelas rurais, né?

Dilma - Uma coisa importante que o MDA fez foi política agressiva e correta de agricultura familiar, com crédito, assistência técnica, criação de cooperativa onde for o caso, porque não se cria cooperativa de cima para baixo, além da questão dos tratores. A ideia de reforma agrária é uma ideia de incorporação produtiva da família beneficiada. Essa nossa experiência beneficiou, por exemplo, toda a população de assentados que foram transformados em agricultores familiares porque foram beneficiados pelo “Luz para Todos.” Esse é um programa que eu tenho orgulho de ter feito. Quando nós chegamos, pelo censo de 2 000 - que hoje a gente sabe que estava errado, porque a gente descobriu mais gente. A gente tinha feito um cálculo que dava mais de 10 milhões de famílias no Brasil sem acesso à luz elétrica. Depois descobriram mais 1 milhão e agora as distribuidoras estão falando em mais 495 000 famílias sem luz. A reforma agrária hoje perdeu muito o ímpeto se você for olhar...

EXAME - Mas tem o Abril Vermelho...

Dilma - Essa é uma outra história. Mas a proporção é bem menor por causa do Bolsa Família, que é um cordão de proteção social. Por causa do PAA, que é o Programa de Aquisição de Alimentos. Como é que o agricultor familiar sobrevive naquela região e naquela comunidade, o Ministério do Desenvolvimento Social compra a produção dele e bota na merenda escolar. Com isso se criou renda, mercado, você deu condição de produção. E se você dá luz elétrica, ele planta mandioca e faz farinha... E se ele tem um barquinho ali perto, ele cria peixe, resfria e vende na feira. E ele tem condição de resfriar leite. O que eu quero dizer é que nós não fizemos uma política de reforma agrária só em si. É o efeito que sobre essa política tiveram todas as políticas sociais e sócio-produtivas do governo. Isso muda a qualidade do pessoal. Muitas vezes a pessoa era assentada em condições precaríssimas e ela abandonava a terra e voltava a pleitear. O que eu acho é que o caminho está aberto para que haja paz no campo. Nós o abrimos e foi um grande mérito do governo do presidente Lula. Do ponto de vista social, aumentou o grau de paz no Brasil e tivemos pouquíssimas greves. Eu estava vendo na avaliação do Dieese, que 79,9% das categorias privadas tiveram reajuste acima da inflação, está lá escrito.

EXAME - O Brasil é considerado o maior celeiro do mundo... Qual a opinião da senhora sobre o agronegócio, uma atividade que exige escala e que é execradíssima pela esquerda brasileira, que os chama de latifundiários?

Dilma - Eu acho o agronegócio brasileiro exemplar. E propriedade produtiva não é latifúndio. Acho que o agronegócio brasileiro tem uma característica: todos eles usam a última tecnologia. É isso que torna a agricultura brasileira tão produtiva. E você pode olhar que tem o dedinho da Embrapa. Se nós temos um centro de excelência ele se chama Embrapa. Isso acontece em quase todas as áreas de agricultura: no algodão, na soja, no milho, no trigo. Nós temos hoje um padrão de desenvolvimento do agronegócio que é muito importante. E mais: fiquei estarrecida com o que eu vi em Uberaba. Um dos diretores da ABCZ, ele tem em Uberaba uma parceria com a Embrapa. E eu vi um clone, uma vaca e um bezerro que eram clonados. Nesse local estão fazendo pesquisa em biotecnologia buscando soluções em diminuição de doenças. O pesquisador chefe estava me explicando que eles também levam em conta o problema da esclerose, do envelhecimento, porque o problema do clone é que muitas vezes ele envelhece mais rápido.

Hoje no Brasil temos mais na área da agricultura e menos na pecuária. Porque no Brasil a pecuária tem uma tradição de ser extensiva. Aí não é bom. Nós temos condição de ter pecuária de alta produtividade não extensiva e quanto menos extensiva, melhor. Agora, do ponto de vista do agronegócio, eu acho que é um diferencial do Brasil. E é uma atividade tão importante quanto ter achado o pré-sal.
Acho que isso também tem que se refletir na área do etanol. E nós temos que disputar nessa área não só o protagonismo que nós temos no caso da cana, mas também uma outra questão que é a segunda geração, celulósica, tanto a hidrólise ácida quanto a enzimática. E a terceira geração, que estão falando que é a gaseificação. Temos de olhar uma “etanolquímica.” Essa é uma área que em termos de investimento e inovação, eu terei um grande compromisso. E acho que nós entramos numa nova era de prosperidade e que para expandir a qualidade do salto, temos que expandir a qualidade da educação. Esse tanto que nós mudamos. Creio que multiplicamos por três os recursos orçamentários da educação. Nós vamos ter de aumentar outro tanto de 11 a 14 vezes.
 


EXAME - Nós já estamos com o apagão da mão-de-obra qualificada...

Dilma - E só não temos mais por dois motivos. Porque nós acabamos com aquela brincadeira da lei 4 689/98, sobre as escolas profissionalizantes. Não estou dizendo que a lei proibia. A lei praticamente proibia. Ela dizia que a União não pode investir em escola técnica, a não ser que o estado ou o município assuma o custeio. Vamos combinar: nenhum estado pobre desse país, nenhum município consegue. Nós mudamos isso e é uma das melhores coisas que nós fizemos. E essa repetição é que nem mantra para nós. De 1909 a 2003, fizeram 140 escolas técnicas. De 2003 até o final de 2010 o nosso objetivo é fazer 214 escolas técnicas. Mas já tem mais de 140 feitas. Se não me engano, passamos esse número em agosto. Isso é fundamental porque é óbvio que as empresas estão capacitando os trabalhadores. Porque não dá tempo. A demanda por mão-de-obra hoje teria que ser respondida por uma política tradicional de dez anos atrás. Não foi.

Como é que as empresas estão fazendo? Eu vi coisas incríveis. Uma das coisas mais fantásticas que eu vi. Até outro dia o Elio Gaspari falou isso num artigo dele. Eu vi o estaleiro Atlântico Sul. Esse estaleiro surge porque em 2002 o presidente disse: “nós vamos produzir plataformas no Brasil. Eu me comprometo a fazer isso.” Eu me tornei ministra das Minas e Energia e ele me chamou: você é presidente do conselho de administração da Petrobras. Vai lá e eu quero a produção de plataforma, sonda, navio. Você tinha 1 700 metalúrgicos trabalhando em estaleiros. Nós tínhamos sido a segunda melhor indústria naval. Nós perdíamos apenas para o Japão. E sucatearam a nossa indústria naval. Então vamos fazer estaleiros e amadureceu agora. Você tem o estaleiro Atlântico Sul, porque nós construímos a demanda da Petrobras. Não foi fácil. Porque a Petrobras estava com aquilo na cabeça que é muito mais negócio para eu comprar isso lá fora. Acabou a brincadeira. Vai comprar aqui dentro, desde que seja preço, prazo e qualidade.

EXAME - É competitivo?

Dilma - É competitivo. Obviamente, considerando o nosso custo de capital vis a vis o deles. Agora, o custo de capital me garante emprego e a recomposição de uma indústria que daqui para frente vai ser mais competitiva, porque você vai ter de competir internacionalmente. Nós vamos precisar de uma indústria muito grande aqui dentro. O pré-sal fará isso. Nós temos o controle da demanda. E isso nessa indústria é a variável determinante. Nós calculamos que vamos produzir 300 navios. E na primeira vez que fomos visitar o estaleiro Atlântico Sul. Eles já tinham montado uma parte do estaleiro e tinha uma outra parte, que era um grande balcão. Lá dentro tinha uma porção de mulheres e homens capacitados. Nós fomos conversar com eles. A grande maioria era de uma cidadezinha ao lado, que se eu não me engano se chama Ipojuca. E o que eles tinham feito na vida? Tinham cortado cana. E agora estavam sendo treinados para serem soldadores, eletricistas, alguns estavam fazendo curso para dirigir caminhão, para fazer terraplanagem. Enfim, todas aquelas atividades relativas ao estaleiro.

Aí eu perguntei: por que vocês estão fazendo isso. E os empresários responderam: primeiro porque não tem mão-de-obra. E segundo porque ao lado vem a Petrobras, fazendo a refinaria de Abreu e Lima. E nós queremos fidelizar o nosso operário. Eu vi isso também com a Odebrecht formando operários lá em Rondônia. Isso também está sendo feito lá na Transnordestina. Existe um programa chamado Promimp. Em 2004, nós sacamos que ia faltar mão-de-obra. Tanto é que a gente fez o Programa de Mobilização da Indústria do Petróleo e Gás. A Petrobras não está batendo biela, não está tremendo por falta de mão-de-obra porque o Promimp foi feito para formar gente para trabalhar em todos os setores que a impactavam. Foi feito por aquela menina, a Graça Foster, que hoje é diretora de Gás e Energia da Petrobras.

EXAME - Nós chegamos e encontramos aqui o ex-ministro Antonio Palocci, uma figura muito respeitada e querida no meio empresarial. Qual o papel que ele teria no seu governo?

Dilma - Eu posso falar do papel dele na minha campanha. Ele é um dos coordenadores. Não posso falar mais do que isso. Primeiro, é meio esquisito conversar isso nesse momento de pré-campanha. Tem que ter cuidado nisso. Eu não posso falar nada que induza alguém a pensar que eu vou fazer um governo concreto. Peço a sua compreensão. A segunda razão é que se eu começar a falar de um, eu vou falar de todos. Não posso fazer isso. Agora, eu não escolhi o Palocci sem ter um fundamento. Eu considero o Palocci um dos grandes quadros políticos do PT e do governo.

EXAME - Eu queria fazer a última pergunta, para amarrar tudo o que a gente conversou:  caso a senhora vença as primeiras eleições, ao fim do primeiro mandato, de quatro anos, como estaria o Brasil?

Dilma - Eu vou repetir o mantra: a gente teria dado mais um passo na consolidação da nova era de prosperidade, que rompe com o passado de estagnação do nosso país. E institui talvez uma das coisas mais importantes: o Brasil cresce mais, e as pessoas também crescem. E, portanto, a mobilidade social voltou ao Brasil. Eu acho que o efeito maior de uma nova era de prosperidade é fazer com que as pessoas “subam na vida.” Mobilidade social é isso. Fazer com que as pessoas que estão na classe D e E passem para a C. E fazer com que a classe C se enriqueça. E fazer com que o Brasil seja um grande país de consumidores, produtores, trabalhadores, empresários, profissionais liberais, pesquisadores. E fundamentalmente por isso, você pode dizer que ele será um país com cidadãos. Porque é inconcebível no capitalismo cidadão sem ser consumidor. O acesso aos bens define também a sua condição. Você não pode olhar o cidadão só porque ele vota. Você tem que olhar também a qualidade de vida que ele tem.

Eu queria falar uma coisa: o Brasil se distingue dos outros países por uma questão. E isso ficou muito claro para mim em Copenhague. Para nós, a questão do meio-ambiente não é um jogo em que se outro fizer, nós faremos. Nós faremos de qualquer jeito. Nós vamos manter a matriz energética do país renovável, vamos fazer a agricultura sobre palha, vamos fazer a fixação do nitrogênio na terra, vamos também procurar acabar com as áreas de degradação na pecuária. Tudo isso aumenta a produtividade do Brasil. Não há uma contradição no Brasil entre meio-ambiente e a elevação da produtividade. No próximo período, nós vamos implantar a redução entre 36% e 39% das emissões brasileiras. Isso passa, de um lado, por reduzir o desmatamento da Amazônia. E passa por reduzir o desmatamento no cerrado. E passa pela execução de políticas pró-ativas, tanto na área da agricultura como da energia. Por isso também, eu acho, nós entramos numa nova era de prosperidade. É uma era em que nós seremos um dos países que podemos mostrar com todas as ênfases necessárias que nós conseguimos crescer e preservar o meio-ambiente reduzindo a emissão de gases do efeito estufa.
 

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