Taiwan vive sob constante ameaça de invasão da China, que considera a ilha governada democraticamente como parte de seu território (Annabelle Chih/Getty Images)
Agência de notícias
Publicado em 7 de março de 2023 às 08h44.
O ministro da Defesa de Taiwan alertou nesta segunda-feira, 6, para um crescimento expressivo dos gastos militares da China em 2023, denunciando que Pequim poderia fazer uso da força para tomar o controle da ilha.
No domingo, 5, os chineses anunciaram um aumento de 7,2% nas despesas militares - o maior dos últimos quatro anos -, totalizando 1,55 trilhão de yuans (R$ 1,16 trilhão). "Parece que o outro lado está se preparando para o uso da força, se necessário, no futuro", disse o ministro da Defesa de Taiwan, Chiu Kuo-cheng, aos deputados.
Taiwan vive sob constante ameaça de invasão da China, que considera a ilha governada democraticamente como parte de seu território. O governo chinês aumentou a pressão durante o ano passado, realizando grandes exercícios militares em torno de Taiwan em agosto, depois que a então presidente da Câmara dos EUA, Nancy Pelosi, visitou a ilha.
O ministro da Defesa de Taiwan também alertou nesta segunda que visitas de funcionários de alto escalão de governos estrangeiros poderiam ser um catalisador para uma invasão chinesa. "Eu acho que eles estão esperando por uma boa razão para enviar tropas, como visitas do alto escalão de outros países a Taiwan ou atividades muito frequentes entre nossos militares e os de outros países", disse Chiu Kuo-cheng.
Em meio ao clima de tensão, a presidente da ilha, Tsai Ing-wen, fará uma visita ao presidente da Câmara dos Estados Unidos, Kevin McCarthy, em abril na Califórnia. O encontro tem como objetivo acalmar a relação de ambos os países com Pequim. Tsai visitará também irá a Nova York, como parte de uma ampla viagem pelo continente americano.
Antes de se tornar presidente da Câmara, o republicano McCarthy havia dito que pretendia visitar Taiwan caso assumisse o posto, mas recuou da ideia diante da crescente tensão entre EUA e China que ganhou novos contornos após o suposto balão de espionagem chinês sobrevoar o território americano em fevereiro. Na época, o incidente levou ao adiamento da visita do secretário de Estado dos EUA, Antony Blinken, a Pequim.
Em 2022, a visita da então presidente da Câmara dos EUA, Nancy Pelosi, à capital taiwanesa Taipei desagradou Pequim e desencadeou os maiores exercícios militares da China no Estreito de Taiwan em décadas, incluindo lançamento de mísseis sobre o território.
No segundo dia do Congresso Nacional do Povo, o evento político anual mais importante da China, comandantes do Exército da Libertação do Povo (PLA) afirmaram que o país deve fortalecer seus investimentos em combate urbano e melhorar sua capacidade estratégica e de logística para enfrentar dificuldades para tomar Taiwan - a ilha autogerida considerada território separatista por Pequim.
"As Forças Armadas chinesas devem melhorar rapidamente sua capacidade estratégica para realizar a reunificação nacional", disse o tenente-general do PLA, Ma Yiming, em um painel do Congresso que discutia questões de segurança. Ma, que também é deputado do Partido Comunista da China, foi até 2021 vice-chefe do Departamento de Estado-Maior Conjunto, o principal órgão de tomada de decisões chinês para as Forças Armadas. "A China deve fortalecer a pesquisa sobre questões específicas, como operações urbanas e apoio [logístico]", disse Ma na leitura oficial do painel de discussão.
O posicionamento beligerante ocorre um dia depois de o governo chinês anunciar na abertura do Congresso Nacional do Povo que aumentará os gastos militares em mais de 7,2% este ano e alertar para a elevação de ameaças em várias frentes, entre elas Taiwan, o Mar da China Meridional e a intensificação da rivalidade com os EUA.
"Devemos concentrar nossos esforços nos preparativos para a guerra, construir novos sistemas de treinamento e realizar inovações profundas em táticas de combate para garantir que possamos assumir missões urbanas em caso de emergência, como no caso de Taiwan", afirmou Zhang Youxia, vice-presidente do Comitê Militar Central, órgão do Congresso do Partido Comunista responsável por definir as diretrizes das Forças Armadas.
Os comentários de Zhang refletiram os do primeiro-ministro Li Keqiang em seu relatório de trabalho apresentado nesta segunda. "As Forças Armadas devem intensificar o treinamento militar e a preparação em todos os setores", disse Li, que também pediu o reforço da capacitação e coordenação no cumprimento de "grandes tarefas", embora não tenha detalhado quais seriam essas tarefas.
Pequim vê Taiwan como parte da China e nunca descartou o uso da força para retomar o controle como parte do "grande rejuvenescimento da nação chinesa" até 2049, ano do centenário do governo comunista da China A maioria dos países, entre eles os EUA, não reconhece a ilha autônoma como um Estado independente.
Um estudo apresentado no começo do ano no PLA Daily, uma espécie de Diário Oficial do Exército da Libertação do Povo e das Forças Armadas da China, citava o aumento de investimentos, desde 2015, em preparativos para a "guerra urbana" em Taiwan. "Criação de cidades fictícias altamente realistas construídas nas bases de treinamento da China incluíram estruturas semelhantes ao prédio do Gabinete Presidencial em Taipei e também o estudo do uso de drones na guerra urbana", afirmava o artigo. "Como uma parte importante do futuro campo de batalha, as cidades fornecem um novo campo para o uso em larga escala de forças de combate não tripuladas devido ao seu complexo ambiente social e condições de combate restritivas", diz o artigo.
Na última década, o PLA "aumentou seu estudo, treinamento e preparação para futuras guerras urbanas", nas quais tem "experiência limitada", disse no ano passado um relatório do Instituto para o Estudo da Guerra, com sede nos EUA, no ano passado. A reunificação com Taiwan "poderia envolver combates intensos nas cidades taiwanesas, uma campanha pode arriscada que representa um desafio particular, dado que mais de 90% da população de Taiwan vive nas cidades", alertou o relatório.
Para analistas, a guerra urbana da Rússia na Ucrânia serviu como "lição fundamental para a China". "Os esforços contínuos do PLA para pesquisar e se preparar para o combate urbano podem ser vistos como parte de uma tendência global impulsionada pela experiência da Rússia em sua invasão da Ucrânia, onde as batalhas urbanas foram destrutivas e difíceis de vencer", disse à Associated Press James Char, especialista militar chinês da Universidade de Tecnologia de Nanyang, em Cingapura.
A China destinará 1,5 trilhão de yuans (US$ 225 bilhões) para sua Defesa em 2023. É o segundo orçamento militar mundial atrás do dos Estados Unidos, três vezes maior.
Outros países da região aumentaram seus orçamentos militares até 2023, como a Coreia do Sul (+4,4%) ou a Índia (+13%). O Japão acaba de revisar sua doutrina de defesa e pretende dobrar seu orçamento militar para 2% do PIB até 2027.