Cuba e EUA: relação entre os países depende muito mais dos EUA do que do sucessor de Raúl Castro, diz Mavis Anderson (Carlos Barria/Reuters)
AFP
Publicado em 18 de abril de 2018 às 10h19.
A passagem de poder do presidente cubano, Raúl Castro, para um novo líder abre uma enorme interrogação sobre o eventual impacto dessa mudança nas difíceis relações bilaterais com os Estados Unidos.
Em um quadro caracterizado pelo drástico esfriamento das relações entre Washington e Havana, analistas concordam que essa situação dificilmente mudará, enquanto Donald Trump ocupar a Presidência.
Castro, de 87 anos, transmitirá o poder para um novo presidente no dia 19, depois de ter dado o passo histórico de negociar com Barack Obama uma reaproximação entre Havana e Washington após meio século de ruptura e de desconfiança.
Esse processo ficou literalmente estagnado com a chegada de Trump à Casa Branca em janeiro de 2017, e agora resta saber se a presença de um novo líder no Palácio da Revolução mudará esse cenário.
Entre as figuras que podem suceder a Castro se destaca o engenheiro eletrônico Miguel Díaz-Canel, de 57 anos e primeiro vice-presidente, mas sua ascensão à Presidência ainda não está confirmada.
No entanto, uma eventual melhora nas relações com Washington não dependerá somente da vontade, ou da autoridade política de Havana, mas obedecerá fundamentalmente à dinâmica da política interna americana.
A menos que o novo presidente cubano "chegue ao poder e mude tudo radicalmente, francamente não vejo que haverá muitas mudanças", disse à AFP Elizabeth Newhouse, diretora do programa sobre Cuba no Centro de Política Internacional (CIP).
Para a especialista, "Trump não obterá nenhum benefício político com uma mudança na relação, e seus eleitores na Flórida parecem querer que as relações continuem estagnadas, exatamente no mesmo lugar em que estamos agora".
Mavis Anderson, especialista em Cuba para o Grupo de Trabalho da América Latina (LAWG) em Washington, acredita que, independentemente de quem for designado para suceder a Raúl Castro, "a bola está no campo dos Estados Unidos. E é uma pena, porque esse campo está destruído".
Anderson disse à AFP que não acredita que Díaz-Canel, ou qualquer outro dirigente cubano, "possam mudar significativamente a relação bilateral por enquanto".
Newhouse e Anderson concordaram que o governo de Trump colocou a política externa nas mãos de representantes da "linha dura" do conservadorismo americano.
Isso inclui o secretário de Estado (ainda a ser confirmado) Mike Pompeo, e o conselheiro de Segurança Nacional, John Bolton, que nunca se preocuparam com moderar declarações agressivas contra Cuba.
Ao mesmo tempo, o governo deixou que a política específica para Cuba seja delineada por dois legisladores ultraconservadores de origem cubano: o senador Marco Rubio e o legislador Mario Díaz Balart.
Não há nada que Díaz-Canel, ou outro dirigente, possam fazer para satisfazer Rubio e Díaz Balart, disse Anderson.
Uma mudança nas relações bilaterais "provavelmente vai exigir um novo presidente" na Casa Branca, apontou Newhouse.
Um primeiro passo evidente, apontam as analistas, seria deixar atrás o confuso episódio pelos "ataques sônicos" e voltar a tornar operante a embaixada dos Estados Unidos em Cuba, onde a equipe da missão foi reduzida à sua mínima expressão.
Newhouse apontou que o encarregado de negócios na embaixada dos Estados Unidos em Cuba, o diplomata Philip Goldberg, "tem interesse em uma melhora das relações, mas está com as mãos atadas".
Anderson afirma, por sua vez, que "o primeiro passo é eliminar imediatamente a designação dessa embaixada como destino para diplomatas sem acompanhamento familiar. É necessário repôr o pessoal dessa embaixada".
Para o advogado cubano-americano Pedro Freyre, especialista na legislação bilateral, a eliminação de barreiras ao intercâmbio comercial adotada durante o governo de Barack Obama continua vigente.
"O processo de aproximação está estagnado, mas poderá ressuscitar, se houver uma mudança na administração americana", disse Freyre.
Todos os analistas concordam que, para além do nome designado para substituir Castro e do humor das relações com os Estados Unidos, o novo presidente cubano terá prioridades internas.
Para Anderson, o novo presidente cubano certamente "se concentrará na economia, e não nas relações bilaterais, que é uma área que promete muito pouco".
Segundo Newhouse, o sucessor de Castro inicialmente "terá que consolidar sua legitimidade" à frente do governo.
Freyre disse à AFP, porém, que espera "uma reivindicação dos chamados princípios revolucionários" e a garantia da continuidade do modelo. Por isso, disse se sentir "cautelosamente otimista" sobre uma melhora das relações bilaterais.