Kirchner: a política externa da presidente era pautada pela economia interna (Getty Images)
Da Redação
Publicado em 24 de outubro de 2015 às 08h28.
Buenos Aires -- Entre os vários inimigos que Cristina Kirchner deixará ao fim de oito anos no poder, está Cristóvão Colombo. Após 94 anos junto à Casa Rosada, sua imagem, desmembrada e trocada pela de uma heroína boliviana, aguarda remontagem escondida por tapumes. O navegador foi uma das últimas vítimas de uma política externa moldada por ideologia e carências econômicas, prestes a acabar, vença quem vencer a eleição de amanhã (25).
O fim da diplomacia antiocidental e bolivariana seria óbvia entre os candidatos da oposição com chances, o conservador Mauricio Macri e o ex-kirchnerista Sergio Massa. A garantia de uma reviravolta, entretanto, existe porque o governista Daniel Scioli também marcou distância com a linha kirchnerista nessa parte de seu programa.
Com a chance de vencer no primeiro turno - para isso precisaria alcançar 40% dos votos e abrir 10 pontos do segundo colocado -, Scioli afastou-se dos bolivarianos, embora tenha recebido o presidente boliviano, Evo Morales, para uma partida de futsal em sua campanha.
"Houve um movimento na América Latina que deve ser superado. Não vamos alinhar a política exterior de acordo com os governos", disse ao Estado Mariano Caucino, assessor de política externa de Scioli que vê como necessidade uma reaproximação com os EUA e a Europa, de quem Cristina se distanciou para aproximar-se de China, Rússia e Irã. Caucino aponta a Venezuela como um país importante, mas não central. Elogia o fato de o kirchnerismo ter participado de mais encontros regionais, mas espera que esses contatos sirvam para fechar negócios. "Vem uma etapa menos ideológica, seja qual for o vencedor. Somos um país ocidental, que deve negociar com a China, mas precisa defender direitos humanos e governos legítimos", sustenta.
Macri afirmou este mês que exigirá a libertação do opositor venezuelano Leopoldo López e ameaçou denunciar o presidente Nicolás Maduro por desrespeitar a cláusula democrática do Mercosul. Massa disse que cada embaixada deve ser um escritório comercial.
Os três assinaram no Conselho Argentino de Relações Internacionais (Cari) um compromisso de se manter abertos a um mundo multipolar. Um dos dirigentes da instituição, Martin Piñeiro, aponta matizes entre eles, embora concorde que a ideologia pesará menos. Ele vê Macri, cujo discurso ressalta a competitividade, como o mais propenso à abertura com EUA e Europa. De Massa, por sua equipe econômica, na qual está o ex-ministro Roberto Lavagna, espera a manutenção de algum protecionismo. Quanto a Scioli, dependerá de sua autonomia. "A política não é o que a gente quer, mas o que pode. Ele entrará no governo muito condicionado por seu partido", acredita Piñeiro. Ele vê no discurso de proteção da indústria, estímulo ao mercado interno e a pequenas empresas um sinal de que o governista vai conversar, mas tem a visão mais fechada dos três.
Piñeiro aponta três legados de Cristina na área. O primeiro é uma política externa pautada pela economia interna, quando o ideal seria um equilíbrio. O segundo é uma atitude inflexível de proteger empregos na indústria, rejeitando acordos que poderiam criar mais vagas em outros setores. A terceira é um viés antiocidental, que levou à aproximação com China, Rússia, Irã e os bolivarianos. "Um exemplo é a retirada da estátua de Colombo, desnecessária, coisa que nenhum dos três candidatos faria. Foi um gesto político para a esquerda nacionalista e a Bolívia", avalia Piñeiro.
A estátua de Juana Azurduy, uma indígena boliviana que lutou pela independência da América espanhola no século 18, foi inaugurada em julho. Diante de Evo, Cristina justificou a troca dizendo que não gostava de ver da janela de seu gabinete um conquistador que iniciou o processo de extermínio de milhares de índios. Mesmo sem a estátua, a rua em que estava ainda se chama Paseo Colón.
Depois de uma disputa entre o kirchnerismo e o governo da cidade, administrada há oito anos por Macri, decidiu-se que o monumento ficaria diante do Rio da Prata, numa praça na frente do Aeroparque, aeroporto doméstico de Buenos Aires. O comerciante Mario Fernández, de 43 anos, trabalha numa banquinha ao lado do tapume em que o tronco de Colombo, ainda com o trapo amarelo que protegeu sua cabeça no transporte, espera reencontrar seus restos e voltar ao peso ideal, 38 toneladas. "Cristina tirou Colombo de perto da Casa Rosada porque ele exterminava índios, mas ela faz a mesma coisa no Chaco", criticou Fernández, referindo-se a uma província próxima ao Paraguai. O jornalista Pablo Blesa, de 42 anos, que tomava uma cerveja ao lado do local, defendeu a iniciativa. "Fez bem em colocar no lugar uma heroína da Pátria Grande", sustentou.
Segurança da empresa que protege os blocos que um dia foram Colombo, José Sánchez, de 50 anos, disse que não podia permitir a entrada no local, ou perderia o emprego. Seu profissionalismo não o impediu de opinar sobre destino do presente da comunidade italiana inaugurado em 1921. "Se tiram a Estátua da Liberdade de Nova York e põem no Arizona, o que os americanos pensariam?"