A líder interina da Bolívia, Jeanine Áñez, chegou nesta quarta-feira à Casa do Governo (Carlos Garcia Rawlins/Reuters)
AFP
Publicado em 17 de novembro de 2019 às 17h43.
O novo governo da Bolívia adotou esforços, neste domingo (17), para dar fim às manifestações que em um mês deixaram 23 vítimas, enquanto grupos de camponeses leais ao ex-mandatário Evo Morales deram à presidente interina Jeanine Áñez 48 horas para renunciar.
O principal foco do conflito tinha se concentrado em Cochabamba (centro), onde na sexta-feira camponeses cultivadores de coca entraram em confronto com o Exército e a Polícia, deixando nove mortos, segundo a Comissão Interamericana de Direitos Humanos (CIDH), que elevou a 23 o número de vítimas em um mês de confrontos.
O governo reconheceu oficialmente cinco mortos, e o ministro do Governo, Arturo Murillo, sugeriu que os próprios camponeses atiram uns nos outros para produzir vítimas, pois pelo menos um morto "aparece com um tiro na nuca".
Contudo, Thomas Becker, advogado americano da Clínica Internacional de Direitos Humanos de Harvard, disse que foi ao necrotério da cidade de Sacaba, onde os nove cocaleiros morreram: "Todos morreram por impacto de bala".
"Todos com quem falei disseram que [nas manifestações] não havia nenhuma pessoa civil com uma arma", disse Becker por telefone à AFP, apontando que entrevistou 50 pessoas na cidade.
O ex-presidente Morales, asilado no México desde terça-feira, após renunciar no domingo por perder apoio dos militares, disse no Twitter que "esses crimes de lesa humanidade (...) não devem ficar impunes".
Jean Arnault, enviado do secretário-geral da ONU, António Guterres, começou a entrar em contato com autoridades do governo de Áñez e organizações sociais, em uma tentativa de restaurar a paz no país, em convulsão política desde a questionada reeleição de Morales em 20 de outubro.
No Twitter, a Comissão Interamericana de Direitos Humanos (CIDH) chamou de "grave" o Decreto 4078 do governo de Áñez, aprovado na quinta-feira e divulgado extraoficialmente no sábado, que exime as Forças Armadas de suas responsabilidades penais na conservação da ordem pública.
"O grave decreto da #Bolívia ignora os parâmetros internacionais de Direitos Humanos e estimula a repressão violenta", advertiu o organismo.
O ministro da Presidência, Jerjes Justiniano, garantiu à imprensa que o decreto "não é uma licença para matar, só define a tarefa das Forças Armadas com uma base constitucional de garantir a estabilidade do país".
Apesar da polêmica, o ministro Murillo indicou que por meio das gestões do governo, "os conflitos reduziram 50% de sua intensidade".
Na cidade de Cochabamba ainda há "alguns confrontos", mas sua intensidade "está diminuindo", disse o comandante da polícia nacional, coronel Rodolfo Montero.
Dezenas de pessoas se reuniram na noite de sábado em um bairro de El Alto, cidade vizinha a La Paz, com lenços brancos pedindo paz.
Perto dali, vizinhos continuavam a boquear o acesso a única central de distribui combustível a La Paz, provocando uma escassez crescente que começou a afetar o transporte de veículos na cidade.
Devido aos bloqueios de vias em várias regiões, o desabastecimento de gêneros alimentícios começa a ser notado nos mercados populares, o que gera preocupação.
O governo enviou um avião com 35 toneladas de carne para La Paz e prometeu outras 25 toneladas de frango nos próximos dias, disse Justiniano.
Mas a pressão contra as novas autoridades se mantém.
Seis sindicatos de cultivadores de coca de Chapare, reduto de Morales, exigiram na noite de sábado "a renúncia da autoproclamada presidente de facto Jeanine Áñez Chávez em um prazo de 48 horas".
Entre outros nove pontos, os cocaleiros, que se se mantinham estacionados em Sacaba neste sábado, pediram ao Legislativo a aprovação de uma lei "que garanta eleições nacionais em um prazo de 90 dias".
Uma associação de moradores de El Alto aprovou também "um cerco à cidade de La Paz" a partir de segunda para forçar "a renúncia imediada" de Áñez, qualificando sua nomeação como ilegal.
Apesar desses pronunciamentos, legisladores do Movimento Ao Socialismo (MAS, de Morales), que têm a maioria no Congresso bicameral, convocaram uma reunião com as bancadas minoritárias na segunda-feira.
O propósito da reunião é "debater sobre a conjuntura política" na perspectiva de "pacificar este país", disse a deputada do MAS, Betty Yañíquez. "O MAS quer trabalhar em harmonia", afirmou à imprensa.