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Sitiada pelo vírus, Madri vira cidade dos mortos

Ontem, foram 8,2 mil novos casos de coronavírus e 832 mortes - o dia mais trágico até agora

Caixão sendo carregado em Madri: no total, são mais de 70 mil contaminados e 6 mil mortos no país (Juan Medina/Reuters)

Caixão sendo carregado em Madri: no total, são mais de 70 mil contaminados e 6 mil mortos no país (Juan Medina/Reuters)

EC

Estadão Conteúdo

Publicado em 29 de março de 2020 às 10h11.

A Espanha vive um cenário desolador e inimaginável pouco tempo atrás. Ontem, foram 8,2 mil novos casos de coronavírus e 832 mortes - o dia mais trágico até agora. No total, são mais de 70 mil contaminados e 6 mil mortos, que colocam os espanhóis, ao lado dos italianos, no epicentro da pandemia global. A covid-19 cobrou o preço mais alto da capital Madri, que concentra 40% dos casos do país.

Famosa por seus bares, tapas e terraços ao ar livre, Madri virou uma cidade fantasma, militarizada após duas semanas de confinamento absoluto decretado pelo governo do primeiro-ministro Pedro Sánchez. Caminhar sem uma boa razão pode render multa de até 3 mil euros (R$ 17 mil).

O isolamento vai até o fim do mês, mas provavelmente será estendido por mais duas semanas. As imagens de Madri dão o tom da crise. Em uma ação, a Guarda Civil ocupou uma fábrica de máscaras e apreendeu 150 mil para levá-las a hospitais. Em outra caminhões do Exército circulavam em bairros próximos ao centro com um alto-falante exigindo que as pessoas ficassem em casa.

O drama da capital se concentrar no sistema de saúde, que não pode absorver o número avassalador de casos graves decorrentes do coronavírus. Especialistas garantem que o pior ainda está por vir.

O médico Javier Padilla disse ao Estado que o trabalho dos profissionais de saúde pública está no limite da capacidade, com infraestrutura sobrecarregada e recursos cada vez mais limitados em razão dos cortes nos orçamento e das privatizações no setor. Segundo ele, existem hoje 1,3 mil trabalhadores a menos do que havia em 2009, período em que a população de Madri aumentou em meio milhão de habitantes.

“Teríamos de retornar ao número de profissionais por habitante que tínhamos antes da crise”, afirmou Padilla. “Na Espanha, entre 2008 e 2012, tivemos um corte de 20% nos gastos com saúde. A região de Madri foi a que mais privatizou, o que causou uma perda da capacidade de controle do serviço de saúde.”

A médica e deputada da Comunidade Autônoma de Madri, Carmen San José, do Podemos, partido de esquerda, cita números ainda mais alarmantes. “Os cinco maiores hospitais públicos de Madri perderam 1.172 leitos, entre 2008 e 2018”, disse. Carmen critica a política de saúde pública do Partido Popular (PP), conservador que governa Madri há 25 anos. “O PP minou a estrutura de saúde da capital, retirando financiamento e promovendo um modelo misto que privatizou desde ambulâncias e limpeza, até hospitais.”

Mas o governo de Sánchez, um socialista, também não está imune às críticas. A oposição acusa o premiê de ter decretado estado de emergência tarde demais, no dia 14. Na semana anterior, no sábado, 60 mil pessoas lotaram o estádio Wanda Metropolitano para ver a partida entre Atlético de Madrid e Sevilha.

No dia seguinte, quando o vírus já circulava, 120 mil pessoas saíram às ruas de Madri para marcar o Dia Internacional da Mulher. Além disso, os conservadores argumentam que os cortes feitos pelo PP foram replicados pelo governo socialista, em nível nacional, nos últimos anos.

A pandemia na Espanha, porém, não mexe apenas com a classe política. O surto vem afetando a saúde mental de médicos e enfermeiros, que lidam diariamente com hospitais superlotados em situação precária e com poucos recursos.

“Os cortes no setor pioraram a qualidade dos contratos de médicos jovens. Em razão da falta de profissionais, todos estão dobrando ou triplicando a jornada de trabalho, piorando o estresse inerente à pandemia”, explica Carmen, que relata ataques de ansiedade e pânico de muitos profissionais.

Na semana passada, uma das associações médicas mais importantes da Espanha denunciou a falta de material de segurança, principalmente de máscaras e de equipamentos de proteção individual. A escassez vem aumentando a contaminação de profissionais da saúde, como foi o caso de Andrea Miján, de 34 anos, médica de uma clínica particular de Madri.

“Nos consultórios, já não há máscaras, nem sabão. Tive de trazer sabão de casa e exigir álcool em gel. Quando pedi as máscaras, me responderam que estavam trancadas”, disse Miján, que está há duas semanas confinada. Ela acredita que foi infectada no atendimento de um homem de 70 anos. Em casa, ela passou o vírus para a mãe, que sofre crises de ansiedade em razão do confinamento.

As informações são do jornal O Estado de S. Paulo.

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