Cartazes foram espalhados em toda a capital e a TV estatal transmite seus spots (Louai Beshara/AFP)
Da Redação
Publicado em 24 de fevereiro de 2012 às 12h33.
Damasco - Os sírios estão convocados no domingo, em um clima de violência sem precedentes, para se pronunciar por meio de um referendo sobre uma nova Constituição, que suprime a primazia do partido Baath, mas mantém os extensos poderes do chefe de Estado.
Este projeto de Constituição faz parte das reformas prometidas pelo regime para tentar acalmar a contestação, mas a oposição, que vê o mesmo "espírito" do antigo texto no novo, exige, antes de tudo, a saída do presidente Bashar al-Assad e o boicote da votação.
Washington caracterizou o referendo de "piada", enquanto a repressão violenta continua a fazer mortos, pelo menos 7.600 desde o início da revolta há 11 meses, segundo os militantes.
Ao suprimir o artigo 8 da Constituição de 1973, que estipula que o partido Baath "é o dirigente do Estado e da sociedade", o texto abre o caminho para o pluralismo político.
O jornal oficial al-Baath assegurou na quarta-feira que esta abertura apenas acompanha a "evolução política e social", sem corresponder a uma perda para o partido.
Além disso, o chefe de Estado manterá seus 'supremos poderes', pois continuará a escolher o primeiro-ministro e o governo, independente da maioria parlamentar, e, em alguns casos, pode até transgredir e rejeitar leis.
O artigo 88 indica que o presidente pode ser eleito apenas por dois mandatos de sete anos, mas o artigo 155 especifica que esta regra só valerá a partir da próxima eleição presidencial, prevista para acontecer em 2014, o que permite, teoricamente, que Bashar al-Assad continue no poder por mais 16 anos.
O texto também mantém as disposições do artigo 3, segundo o qual "o presidente deve ser muçulmano" e a jurisprudência islâmica é "uma das principais fontes da legislação", o que impede as formações laicas ou de outras religiões de aproximarem do poder.
Mais de 14 milhões de eleitores de mais de 18 anos vão poder votar em 13.835 colégios eleitorais. Os sunitas representam cerca de 75% da população, o resto está repartido entre diferentes comunidades, entre elas 12% de alauitas, religião de Assad.
Cartazes foram espalhados em toda a capital e a TV estatal transmite seus spots. "Esta é a primeira vez que as mensagens se limitam a convidar os cidadãos a ir às urnas, sem induzi-los a votar em favor da Constituição", disse à AFP o ministro da Informação, Adnan Mahmoud.
Contudo, os Comitês de Coordenação Locais, que organizam a contestação, fizeram um apelo por um boicote e pela greve no domingo em todo o país, "pois o regime quer esconder com isso seus crimes".
Os partidários do presidente parecem convencidos.
Sana Nasser, vestida com uma jaqueta militar, distribui exemplares da Constituição em uma grande praça de Damasco. "O presidente se reuniu com todos para perguntar sobre o sofrimento e queixas do povo. Tendo em conta tudo isso, ele deu as instruções para elaborar uma nova Constituição", assegura.
Mas Salma, 31 anos, diplomada em ciências sociais e desempregada, afirma que não vai votar. "Desde que nasci nunca houve eleições democráticas neste país e hoje, isso não mudará nada. Não temos o direito de exprimirmos nossa opinião, são muitos os presos políticos".
"Seria necessário eleger uma Assembleia Constituinte pluralista para redigir a Constituição, pelo menos assim eu teria a impressão de estar opinando", acrescentou. O texto proposto foi escrito por uma comissão de 29 membros escolhidos por Assad.
Para Thomas Pierret, especialista da Síria e professor da Universidade de Edimbourg, "o texto constitucional sempre teve uma importância relativa an organização do sistema político sírio, dominado pelo serviço de inteligência, e não existe nenhuma razão para que isso mude no regime atual".