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Singapura busca empresas brasileiras para investir em inovação

Em entrevista, conselheiro da agência de inovação de Singapura fala sobre como o país pode se tornar uma base importante para o Brasil investir em pesquisa

Singapura: destaque na Associação de Nações do Sudeste Asiático (Asean), país tem um dos maiores hubs logísticos do mundo (Leungchopan/Getty Images)

Singapura: destaque na Associação de Nações do Sudeste Asiático (Asean), país tem um dos maiores hubs logísticos do mundo (Leungchopan/Getty Images)

FS

Filipe Serrano

Publicado em 21 de dezembro de 2019 às 06h03.

Última atualização em 21 de dezembro de 2019 às 09h47.

SÃO PAULO - Conhecida por ser um importante centro comercial e industrial do Sudeste Asiático, Singapura é exemplo de um país que conseguiu se desenvolver investindo pesado em ciência e tecnologia. Boa parte do avanço se deve ao trabalho da Agência de Ciência, Tecnologia e Pesquisa, conhecida como A*Star, que reúne 4 800 cientistas e trabalha de perto com as empresas para financiar pesquisas.

À frente do instituto está o engenheiro mecânico Raj Thampuran, que foi diretor da agência entre 2012 e 2019, e agora é um dos seus principais conselheiros. Numa visita recente ao Brasil, o Dr. Raj, como é conhecido, falou a EXAME sobre a importância da ciência para a economia.

Segundo ele, as empresas brasileiras também podem usar a infraestrutura de pesquisa do país para desenvolver produtos para o mercado asiático.

Singapura é um país pequeno, com 5 milhões de habitantes. Por que investir numa agência de inovação avançada?

Antes do ano 2000, a A*Star era chamada de Conselho Nacional de Ciência e Tecnologia (NSTB, na sigla em inglês). E o NSTB foi formado em 1991. A razão por trás de formar a organização, do ponto de vista do governo, era porque queríamos estabelecer um instrumento do setor público para promover o desenvolvimento das nossas indústrias, e em particular a indústria manufatureira.

Precisávamos elevar os padrões da indústria ao fazer com que ela tivesse mais valor agregado. Sabíamos que não poderíamos sustentar uma economia com uma população de baixa qualificação e jovem. Nossa aspiração era nos tornarmos uma economia baseada em conhecimento.

E para fazer isso, o investimento em pesquisa e em inovação são componentes críticos. Então o NSTB, mais tarde batizado de A*Star, foi estabelecido para esse propósito.

Alguma agência de inovação de outros países serviu como modelo para a A*Star?

Sim. Nós seguimos o modelo de organizações europeias e britânicas, cujos institutos de pesquisa tem uma missão econômica. Uma missão de transferir tecnologia e até talentos para a indústria. O Instituto Fraunhofer, da Alemanha, é um exemplo. O VTT, da Finlândia, é outro. Os britânicos têm institutos de pesquisa também. E no Japão, a agência JST.

Olhamos para essas agências como modelos, e construímos institutos de pesquisa de forma que eles pudessem desenvolver capacidades para a nossa indústria. Não são apenas investimentos e apoio a pesquisas científicas. Mas criar plataformas para transferir as tecnologias para companhias em Singapura.

Como a agência A*Star está estruturada?

A economia de Singapura é dominada por multinacionais estrangeiras, em vez de multinacionais domésticas. Elas são as âncoras da nossa economia, particularmente no setor industrial. Então construímos institutos de pesquisa em áreas em que eram os nossos pilares industriais.

Temos institutos em eletrônica, em engenharia, em química, em telecomunicações. E em 2000 nós construímos o instituto de Ciências da Vida (que abrange os campos relacionados à biologia, medicina, agricultura, nutrição, biotecnologia), para desenvolver uma indústria biomédica.

A*Star hoje tem 20 institutos, com mais 5 000 funcionários. Cerca de 4.800 são cientistas e engenheiros. Metade deles têm doutorado. E, desses, metade vêm de 61 diferente países. Simplesmente porque a busca por ciência e tecnologia é realmente uma questão de talento.

Nós temos uma política deliberada de ser abertos a talentos de todos lugares do mundo. E nutrir um ambiente que atrai a diversidade internacional.

Dr Raj Thampuran, presidente da A*Star,Foto: Germano Lüders25/09/2019

Raj Thampuran, de Singapura: “As empresas vão aonde estão os talentos” (Germano Lüders/Exame)

Com quantas empresas a A*Star trabalha?

Trabalhamos em mais de 2000 projetos por ano, com a indústria. Fazemos parcerias com mais de 200 empresas por ano. E elas podem ser multinacionais, podem ser grandes empresas locais, empresas pequenas e médias. É um espectro muito amplo de tipos de empresas e a natureza dos projetos em que colaboramos com essas empresas.

O investimento em pesquisa fez diferença para a economia de Singapura nas últimas décadas?

A inovação e a capacidade de inovar é vital para qualquer economia que queria se desenvolver na área do conhecimento. Simplesmente porque esta é a vantagem competitiva das companhias. E a habilidade de as empresas em encontrar talentos e ter acesso à infraestrutura de pesquisa acelera a capacidade delas de inovar. Na história de Singapura, esse investimento foi vital. Nós não temos recursos naturais ou outros tipos de atributos.

Outro resultado importante é a construção de talento. As empresas vão onde estão os talentos. E porque temos um o ambiente pesquisa bem financiado, somos capazes de atrair talento de todo o mundo.

E essa é obviamente outra vantagem, porque muito do nosso talento da A*Star flui para a indústria. Todo ano, de 20% a 25% dos nossos pesquisadores deixam a agência para trabalhar nas empresas.

 Por que essa troca de cientistas é importante?

Essa é a forma mais efetiva de transferir tecnologia. Os pesquisadores vão trabalhar nas empresas e, então, nós recrutamos novas pessoas. Há uma constante circulação de pesquisadores dentro da economia. É algo que faz crescer a capacidade cientifica e tecnológica das indústrias.

Como consequência, o perfil das nossas indústrias mudou drasticamente. Apesar de os setores tradicionais, como eletrônicos, engenharia e químicos, ainda serem importantes, o tipo de indústria que tem se desenvolvido em Singapura mudou desde os anos 1990.

Mudou em que sentido?

Na área de eletrônicos, a nossa indústria era predominantemente focada na produção de disco rígidos nos anos 1990. Mas hoje o foco são os semicondutores. Particularmente os semicondutores que produzem processadores multifuncionais, usados na biomedicina, nos automóveis e no setor aeroespacial.

É isso que quero dizer com a mudança de perfil. São empresas com muito mais valor agregado, e baseadas no conhecimento. Isso gera empregos. E empregos bem qualificados.

E qual é a estratégia hoje? Quais áreas devem se desenvolver mais daqui para frente?

A estratégia principal é feita no nível nacional, que segue um plano econômico. A primeira coisa que definimos é em que direção queremos levar a economia, que tipo de indústrias queremos desenvolver, que tipo de atividades desejamos.

Depois analisamos que tipo de investimento em ciência e tecnologia e que tipo de infraestrutura de pesquisa vamos precisar. É uma combinação de planejamento econômico e, claro, com inovação.

No centro do nosso planejamento de ciência e tecnologia está a transformação e a disrupção que todos estamos vendo, em todo lugar. Em áreas como alimentos e nutrição, no desenvolvimento de novos alimentos. Tendências como customização em massa e personalização, seja na medicina, seja em produtos eletrônicos de consumo.

Fazemos investimentos em novos materiais que sejam mais fortes, mais leves, ou têm uma maior condutividade elétrica. E áreas que também incluem tecnologias digitais, como disciplinas ligadas a ciência de dados e inteligência artificial

As áreas de maior potencial para o futuro, na verdade, não são nenhum segredo para ninguém. Todos os países investem nesses setores. A questão é o quão bem nós conseguimos organizar esses setores. Que tipo de talentos temos. É aí que a diferenciação e a inovação ocorre.

 Como garantir que Singapura terá as condições para desenvolver esses setores?

Se o país tem as condições corretas e um comprometimento forte para sustentar suas convicções, é possível realizar. E neste sentido temos sido muito felizes. Nosso governo, desde o nascimento desse movimento, assumiu um forte compromisso com a pesquisa e o desenvolvimento.

O setor público investe mais de 1% do PIB em pesquisa. E este investimento estimular outros 2% ou 3% de investimentos do setor privado.

Quanto desse investimento é destinado para a A*Star?

Por volta de metade do total dos investimentos vai para a A*Star. Nosso orçamento é definido a cada cinco anos. Essa é uma política deliberada do governo para garantir que a pesquisa tenha um financiamento estável. Isso é importante porque, se o orçamento fosse elaborado numa base anual, então é claro que estaríamos sujeitos a variações econômicas.

Para o atual período em que estamos, que se encerra em 2021, o governo alocou 19 bilhões de dólares. É um aumento de 18% desde o último quinquênio. E isso representa 1% do PIB.

Há alguma estimativa de quanto o investimento na A*Star contribui para o PIB?

Não existe uma métrica econômica com uma estimativa direta. Como em todos os países desenvolvidos, é preciso ter um grande crença no bem comum que a ciência e da tecnologia produzem. Há bastante evidência de que se um país não tiver uma boa base em ciência e tecnologia, a economia não cresce. Se não há novas atividades de pesquisa, as empresas não são atraídas e esses novos empregos não serão criados.

Nós vemos um impacto no tipo de atividades que as empresas estão se engajando na nossa economia. Cerca de 110 empresas contribuem com 80% do investimento privado em pesquisa privado em Singapura.

Dessas 110 empresas, a A*Star trabalha com 93. Ou seja, 80% das empresas que contribuem com 80% do investimento privado em pesquisa são parceiras da A*Star.

A A*Star busca colaborar também com outros países, como o Brasil?

Sim. Esta é uma das razões pela qual vim ao Brasil. Nós temos mais de 60 empresas de Singapura operando aqui no Brasil e há muitas empresas brasileiras em Singapura também. Há laços entre os dois países, em muitos níveis diferentes. E uma das coisas que estamos explorando é se conseguimos construir e desenvolver laços também na frente da ciência e da inovação.

Empresas brasileiras querem inovar e desenvolver produtos, contextualizados para o mercado asiático, poderiam usar Singapura como uma base. A partir de lá, podem fazer pesquisas voltadas para o mercado asiático, por causa da proximidade de Singapura com esses mercados. Há bastante oportunidade.

Já temos alguns cientistas do Brasil em Singapura. Mas certamente vamos encorajar e buscar muito mais. Acho que é um lugar interessante para estar nesse momento da história. Porque a Ásia está crescendo. E a Ásia é muito multicultural, multiétnica. É um momento interessante para estar nessa parte do mundo.

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