Goldemberg: "O Brasil não precisa da energia nuclear. Devemos apostar mais em hidrelétricas, biomassa e eólicas". (Orlando Britto)
Vanessa Barbosa
Publicado em 21 de março de 2011 às 09h59.
São Paulo - Embalada pela entrada do tema das mudanças climáticas na agenda global, na última década, a indústria nuclear caiu nas graças de muitos países por ser considerada de baixa emissão. Nesse novo processo de expansão, chamado de renascimento nuclear, o setor conseguiu recuperar a imagem de produção energética segura e controlada, que havia sido severamente abalada após as catástrofes de Three Mile Island, em 1957 e Chernobyl, a pior da história, quase trinta anos depois.
Mas a onda de sorte da energia nuclear pode estar com os dias contados. Diante da iminência de uma catástrofe atômica no Japão, muitos países estão suspendendo seus programas nucleares e revisando protocolos de segurança. Para um dos maiores especialistas em energia, o físico nuclear e professor da USP José Goldemberg, não há dúvidas de que a imagem de segurança da energia nuclear foi novamente abalada. Uma segurança, segundo ele, que nunca passou de mera fantasia.
Em entrevista à EXAME.com, o físico eleito pela revista Times um dos Heróis do Meio Ambiente, em 2007, e vencedor do Prêmio Planeta Azul, considerado o 'Nobel' da área, comparou o acidente japonês ao popular conto de Lewis Carrol. "Como em Alice no País das Maravilhas, o espelho da ilusão de segurança das usinas nucleares foi estilhaçado", disse. Goldemberg chamou de 'equivocado' o programa nuclear brasileiro e falou da necessidade de se adotar novas alternativas energéticas.
EXAME.com - A crise no Japão levanta preocupações com a segurança das usinas nucleares em todo o mundo. Como o senhor avalia essa situação?
José Goldemberg - É natural que, diante de uma catástrofe como essa, os países recuem em seus programas nucleares. Isso já aconteceu antes. Nas décadas de 70 e 80, a energia nuclear viveu uma grande expansão e ficou competitiva em decorrência da crise do petróleo, que afetou os preço do combustível e do gás, e da necessidade de segurança energética. Na França, por exemplo, que queria se ver livre da importação de gás da Rússia para suas centrais térmicas, a adoção da energia nuclear foi determinante.
Nesse período, inauguravam-se cerca de 30 usinas por ano em todo o mundo. Assim foi até 1979, quando ocorreu o desastre nuclear de Three Mile Island, nos EUA, que abalou a confiança no setor. A situação piorou em 86, com a explosão do reator de Chernobyl. Daí em diante, o setor nuclear praticamente paralisou, inaugurando apenas três usinas por ano.
EXAME.com - Mas aí veio o renascimento nuclear...
José Goldemberg - Sim. Com o desenvolvimento de sistemas de segurança mais apurados, os reatores nucleares ficaram mais caros até 1995. A salvação para o setor veio nos anos seguintes, com as discussões sobre emissão de gases efeito estufa e mudanças climáticas.
Na ocasião, os países já haviam retomado a confiança nessa forma de geração e o setor viu nessa nova pauta ambiental uma oportunidade para aumentar a participação da energia nuclear na matriz energética mundial. Os Estados Unidos lideraram essa nova expansão com importantes susbsídios para estimular a criação de usinas. Outros países fizeram igual e a indústria se reanimou. Até a semana passada, antes da tragédia no Japão, a ideia do renascimento nuclear vinha ganhando força.
EXAME.com - Então o acidente na Ásia afetou o ciclo de crescimento da energia nuclear? As usinas deixaram de ser seguras ou a culpa é dos desastres naturias?
José Goldemberg - Com ou sem desastres naturais, usinas nucleares sempre foram perigosas. Nenhuma tecnologia é 100% segura. O acidente no Japão lembra o conto de Alice no País das Maravilhas. O espelho se estilhaçou, a segurança era ilusória. Quem trabalha com energia nuclear sabe como ela é perigosa, por sua própria natureza.
Um reator precisa ser refrigerado, tem que ter água circulando dentro dele. Se por uma falha, isso deixa de acontecer, ele derrete e temos então uma catástrofe, como aconteceu em Tree Mile Island, que teve o mesmo grau de gravidade do acidente no Japão. Não foi um desastre natural que atingiu a usina americana, foi uma válvula que encrencou, falha de segurança.
EXAME.com - Segundo o governo, o programa nuclear brasileiro, que prevê, além de Angra 3, mais quatro ou oito usinas até 2030, não será abalado. O que o senhor acha disso?
José Goldemberg - No Brasil, a energia nuclear é dispensável. Não precisamos disso. Apesar de atraente, esse tipo de geração deve ser a última das opções, restrita a países que não têm outra opção, como a França. Quando Angra 3 ficar pronta, a energia gerada será menor que o potencial de produção de energia do bagaço de cana, que só em São Paulo é de 2 milhões de kilowatts. Trata-se da energia de dois reatores nucleares. Devemos apostar mais na biomassa e nas hidrelétricas, ainda há muito potencial para ser aproveitado.
EXAME.com - O momento é propício para as energias alternativas?
José Goldemberg - Sem dúvida, a tragédia nuclear no Japão vai dar um impulso nos investimentos em energia renovável em todo o mundo. A Alemanha, que anunciou o desligamento de suas usinas nucleares, já investe pesado em energia eólica e isso só tende a aumentar.
Por aqui, temos que dar mais atenção à energia eólica no Norte do país, os ventos bons estão lá no Piauí, no Ceará, no Norte do Maranhão..E não adianta dizer que faltam boas linhas de transmissão ligando o Norte ao Sul. Todas as dificuldades técnicas para longas distâncias já foram resolvidas há trinta anos, com a hidrelétrica de Itaipu, que é muito longe. O que falta é interesse político.