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Saúde mental na guerra: demanda por terapias alternativas aumenta entre soldados ucranianos

Centros de reabilitação ao redor da Ucrânia apostam em técnicas como estimulação elétrica, tempo com animais, ioga e terapia aquática para auxiliar no tratamento de traumas provocados pelo combate

Guerra: centros na Ucrânia tratam o trauma mental com psicoterapia tradicional e tratamentos alternativos. (Dmytro Smolienko / Ukrinform/Future Publishing/Getty Images)

Guerra: centros na Ucrânia tratam o trauma mental com psicoterapia tradicional e tratamentos alternativos. (Dmytro Smolienko / Ukrinform/Future Publishing/Getty Images)

Agência o Globo
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Agência de notícias

Publicado em 16 de agosto de 2023 às 09h58.

A noite traz pouco sono e sonhos aterrorizantes. O dia traz ataques de pânico e flashbacks. Todos estão exaustos e alguns pensam em suicídio. Eles temem seus próprios pensamentos e o que podem levá-los a fazer.

Vladyslav Ruziev, um sargento ucraniano de 28 anos, tem pesadelos recorrentes sobre a experiência de ser preso com sua unidade no inverno passado (verão no Brasil), sem poder fazer nada contra a constante artilharia russa, o frio intenso e os companheiros que ele viu perderem braços e pernas.

— Às vezes, o chão estava tão cheio de feridos que os veículos de evacuação passavam por cima de seus corpos por engano, em meio ao caos — disse ele, lembrando-se das cenas que presenciou na frente de batalha no início deste ano.

Em um ano e meio de guerra, muitas das tropas ucranianas tiveram férias que totalizaram apenas duas semanas. E quando eles conseguem um breve descanso longe do front, o que muitos deles mais precisam é de tratamento para traumas psicológicos.

A demanda está crescendo e supera em muito a capacidade da Ucrânia de atendê-la, conforme constatou o New York Times em visitas a instituições que prestam esse atendimento e em entrevistas com soldados, terapeutas e médicos.

Andriy Remezov conhece muito bem esse sofrimento — depois de lutar contra as forças russas por no leste em 2014, ele voltou para casa e entrou em parafuso.

— Fiquei viciado em drogas e álcool, e até pensei em suicídio, mas meus companheiros me salvaram — disse Remezov, 34 anos.

Ele fez tratamento, virou psicólogo e se casou. Voltou a se alistar no exército no ano passado. Em uma viagem de dois dias a Kiev, capital da Ucrânia, tomando café em sua cozinha com a esposa, Marharyta Klyshkan, ele explicou que toda vez que deixa a linha de frente, ele passa algum tempo em silêncio revisando mentalmente o que sofreu "para que eu possa colocar em uma prateleira em minha mente". Caso contrário, disse ele, "todas essas informações podem me desestabilizar".

O sistema de saúde mental da Ucrânia pode lidar com apenas uma fração da demanda, disse ele, e a maioria dos soldados comete o erro de tentar superar tudo por conta própria, como ele fez uma vez.

Alguns centros na Ucrânia tratam o trauma mental com psicoterapia tradicional e tratamentos alternativos: estimulação elétrica, tempo com animais, ioga, terapia aquática e outros.

No Lisova Polyana, um hospital próximo a Kiev, os terapeutas usam a "terapia biossugestiva", uma mistura de conversa, música e toques na cabeça, no peito, nos ombros e nos braços. Até mesmo os barbeiros que cortam o cabelo podem ser terapêuticos — um encontro seguro com um estranho, que dá uma sensação de rotina e cuidado.

O hospital trata soldados com danos psicológicos e ferimentos físicos, inclusive lesões cerebrais, como concussões.

— Isso se tornou uma epidemia agora porque a artilharia russa é como a chuva — disse Ksenia Voznitsyna, a diretora. — Também trabalhamos com aqueles que foram torturados enquanto estavam no cativeiro russo.

Os homens, endurecidos, podem ter dificuldade para baixar a guarda. Para alguns, o toque é ameaçador. Em uma sessão de grupo, guerreiros hipervigilantes se esforçaram para cumprir as instruções de manter os olhos fechados. Um deles tremia incontrolavelmente.

Por enquanto, o objetivo é apenas deixá-los bem o suficiente para voltarem ao front. A recuperação de longo prazo deve esperar.

Em uma rodada anterior longe da linha de frente, Maksym, 35 anos, atacou seu colega de quarto durante a noite, pensando que era um inimigo russo. Depois disso, ele insistiu em ter um quarto só para ele.

O zumbido das abelhas sobre a cabeça o colocou em alerta, esperando drones. Um campo de tiro trouxe um flashback da batalha.

— Perdemos a maioria dos homens de minha unidade — disse ele. — Às vezes eu choro. Quando estou dormindo, consigo visualizar tudo de novo. Lembro-me dos rostos de todos os nossos companheiros mortos.

Maksym viu pouca utilidade nas terapias que fez pela segunda vez em um centro de reabilitação nos arredores de Kharkiv, no nordeste do país. Mas, como muitos soldados, ele estava preso entre os horrores da linha de frente e a sensação de que aquele era o único lugar ao qual ele pertencia.

— Na frente de batalha, conheço minha tarefa e meus deveres — disse ele. — Mas aqui, eu não sei. Talvez um dia, quando a guerra aqui terminar, eu vá para outra zona de combate em outro lugar.

Entre as sessões de terapia, ele se sentava do lado de fora, separado dos outros, fumando e olhando para o horizonte com uma mão na nuca. Ele não conseguia deixar de revisitar mentalmente cada um de seus movimentos de combate, atormentado pela culpa. Mesmo assim, ele disse que voltaria para o front porque não poderia decepcionar seus colegas soldados. Dias depois, ele se juntou a eles.

Em uma tarde ensolarada em Kiev, dezenas de soldados em trajes de combate se reuniram no Centro de Reabilitação Spirit para fazer algo que a maioria nunca havia feito antes: montar em um cavalo.

Um instrutor conduziu os homens a cavalo ao redor de um celeiro, fez com que eles fizessem exercícios para os braços e lhes disse para se inclinarem para frente e abraçarem seus cavalos. Um soldado, com os braços em volta do pescoço de sua montaria, abriu um largo sorriso.

— Eles estão aprendendo a montar cavalos, mas isso também lhes dá foco, para estarem no aqui e agora, para estarem presentes — disse Ganna Burago, fundadora do programa de terapia equina.

Depois disso, ela reuniu os soldados em um círculo e perguntou como eles se sentiram com a experiência. Um soldado disse que a experiência o deixou feliz, uma emoção que ele nunca esperava sentir novamente.

Essa foi a última sessão desse tipo. O programa foi encerrado por falta de fundos.

Oleksiy Kotlyarov, 36 anos, um cirurgião militar, há anos vê ferimentos horríveis diariamente em um posto médico perto do front, com falta de pessoal, sob bombardeios incessantes e com o mínimo de descanso. Sofrendo de depressão, ataques de pânico e crises de choro, ele foi diagnosticado com transtorno de estresse pós-traumático (TEPT).

No campo de batalho, com um trabalho vital a fazer, ele se acostumou com o medo, disse ele, mas na capital, onde há multidões e sinais de vida comum, ele se sentiu fora de controle.

Kotlyarov falou em nome de muitos soldados quando disse:

— Não sou a mesma pessoa que era antes desta guerra. Tenho pouca empatia e me tornei tolerante à violência.

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