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Sanders desistiu, mas suas ideias ficam (graça à covid-19)

A fragilidade da rede de proteção social para a população mais pobre certamente será um dos temas mais debatidos dos próximos meses

BERNIE SANDERS. A falta de um sistema de saúde universal é um dos temas quentes no debate público americano | Brittany Greeson/Getty Images /  (Brittany Greeson/Getty Images)

BERNIE SANDERS. A falta de um sistema de saúde universal é um dos temas quentes no debate público americano | Brittany Greeson/Getty Images / (Brittany Greeson/Getty Images)

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Da Redação

Publicado em 8 de abril de 2020 às 13h21.

Última atualização em 8 de abril de 2020 às 13h47.

Bernie Sanders, o autodeclarado socialista democrático que concorria até esta quarta-feira à candidatura presidencial do Partido Democrata, gosta de dizer que sua campanha na realidade é um movimento. Sanders prometia uma revolução política nos Estados Unidos, e sua mensagem — inalterada em mais de 40 anos de vida pública — conquistou uma fatia importante dos eleitores americanos, especialmente os mais jovens.

Mas as ideias de Sanders sobre desigualdade, sobre a fragilidade econômica dos trabalhadores, sobre o sistema de saúde e sobre a influência desmedida das grandes corporações americanas na agenda do governo nunca encontraram terreno tão fértil no eleitorado — especialmente em meio às emergências de saúde pública e econômica causadas pela pandemia do novo coronavírus.

Da proposta de garantir uma renda básica para os desempregados por causa da crise ao salvamento de setores inteiros da economia — como o de restaurantes e hotéis —¬, ecos das ideias de Sanders se faziam ouvir por todo o espectro político.

A maioria dos pequenos negócios não tem dinheiro guardado para sobreviver nem sequer por um mês sem receitas, de acordo com uma estimativa realizada pelo Instituto JP Morgan Chase, ligado ao banco americano de mesmo nome. Quase 16 milhões de pessoas trabalham em restaurantes nos Estados Unidos, e este é um dos negócios mais afetados pelas restrições de circulação de pessoas em vigor.

 

Outro item central da campanha de Sanders, o acesso universal à saúde, já vinha dominando as discussões entre os democratas, e o novo coronavírus colocou o tema definitivamente em primeiro plano. É verdade que até mesmo os países que oferecem algo nos moldes das propostas de Sanders, como a Itália e a Espanha, têm de lidar com a sobrecarga do sistema hospitalar causada pela pandemia.

Mas nos Estados Unidos o problema tem uma dimensão econômica única. A imensa maioria dos americanos depende de planos de saúde privados atrelados ao emprego. Se forem demitidos — um número que em duas semanas passou de 6 milhões —, terão de pagar do próprio bolso por tratamentos médicos.

No clima de extrema divisão política dos Estados Unidos de hoje, uma proposta revolucionária, como a de Sanders, para o setor de saúde americano tem pouquíssima chance de ser aprovada no Congresso. Mas, como aponta David Green¬berg, professor de história e jornalismo na Universidade Rutgers, parte dos apoiadores do vovozinho socialista (Sanders tem 78 anos) queria “expandir a ideia do que é possível”. “Mesmo que os objetivos declarados não sejam atingidos, já houve uma influência decisiva no debate público que acontece no país”, diz Greenberg.

As posições de Sanders são muito próximas às de um social-democrata europeu. Ele propõe que os funcionários estejam representados no conselho de administração das grandes empresas, mas não fala em cercear a livre-iniciativa, por exemplo. Sanders quer que bilionários paguem mais impostos, mas não pode ser acusado de defender expropriações, como ocorreu em outros países.

A fragilidade da rede de proteção social para a população mais pobre — exacerbada pela crise atual — certamente será um dos temas mais debatidos dos próximos meses. Sanders cresceu numa família de classe média baixa. Seu pai, imigrante judeu que veio de uma região que hoje é parte da Polônia, era vendedor de tintas, e sua mãe, dona de casa. Não faltava nada para a família, mas as discussões entre seus pais por causa de dinheiro marcaram o jovem Sanders. Em comícios e debates, entrevistas e postagens nas redes sociais, ele repete: “Somos o país mais rico do mundo, mas…” O bordão é seguido por um rosário de queixas.

A crise do coronavírus escancarou muitos dos “mas” da maior economia do mundo.

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