Exame antidoping: no relatório bombástico que publicou na segunda-feira, a WADA acusa Rodtchenkov de ser o pivô de um esquema de doping organizado (Fabrice Coffrini/AFP)
Da Redação
Publicado em 11 de novembro de 2015 às 16h57.
Acusada de "doping organizado", a Rússia deu nesta quarta-feira os primeiros sinais de que pretende promover mudanças para evitar a suspensão de todas as competições de atletismo, ao aceitar nomear um "especialista estrangeiro" à frente do laboratório de Moscou, cujo diretor pediu demissão.
"Estamos totalmente abertos e até mesmo dispostos, se for necessário, a nomear um especialista estrangeiro à frente deste laboratório depois das consultas com a Agência Mundial Antidoping (WADA)", informou o ministro dos esportes, Vitali Mutko, à agência Presse R-Sport.
Mutko vai participar nesta quarta-feira em Sochi, sede dos Jogos Olímpicos de Inverno de 2014, de uma reunião muito esperada entre dirigentes esportivos do país e o presidente Vladimir Putin.
O diretor do laboratório de Moscou, Grigori Rodtchenkov, pediu demissão na noite de terça-feira. Ele é o primeiro a pagar pelo escândalo sem precedentes, que mescla doping e corrupção, envolvendo de atletas até os maiores escalões do governo.
No relatório bombástico que publicou na segunda-feira, a WADA acusa Rodtchenkov de ser o pivô de um esquema de doping organizado e generalizado, com suspeitas inclusive de destruição de amostras.
Neste contexto, a reunião presidida promete ser de suma importância. O encontro já era previsto de longa data, para planejar a preparação dos atletas russos para os Jogos do Rio-2016.
O tema não poderia vir mais a propósito, porque a Rússia corre risco de ficar fora das provas de atletismo na Cidade Maravilhosa, a pedido da comissão independente da WADA que redigiu o relatório.
A decisão está nas mãos da Federação Internacional de Atletismo (IAAF), que se reunirá na sexta-feira para discutir o assunto.
"Sujar a imagem" da Rússia
Sempre na linha de frente, Mutko usa como argumento de defesa a teoria do complô, alegando que o objetivo da punição seria "se livrar de um concorrente importante" e "sujar a imagem" da Rússia.
Já o Comitê Olímpico russo pediu para "respeitar o direito dos atletas honestos".
Uma forma de lembrar que, se a Rússia for suspensa, não pisarão na pista do Engenhão estrelas como Yelena Isinbayeva, lenda viva do salto com vara, que corre risco de perder a oportunidade de encerrar a carreira com o tricampeonato no Rio, mesmo se nunca foi flagrada num exame antidoping.
Em meio às acusações, o país recebeu um alento inesperado nesta terça-feira da parte do Comitê Olímpico Internacional (COI), que afirmou "não ter motivos para colocar em dúvida os controles antidoping realizados durante os Jogos de Sochi-2014".
Mesmo assim, até na própria Rússia, começam a ser ouvidas vozes descordantes. Mikhail Butov, secretário-geral da federação local de atletismo (ARAF), reconheceu nesta quarta-feira em entrevista à BBC que seu país "tem problemas com doping".
"Temos consciência do problema que temos, não é uma novidade para todo mundo", afirmou Butov, que repetiu, contudo, o argumento do Comitê Olímpico da Rússia, em defesa dos "atletas limpos".
"Isolar uma federação não é a solução. A suspensão puniria os nossos atletas limpos, e não aqueles que causam problemas", opinou.
Doping e corrupção
Por outro lado, Andrey Baranov, agente de atletas que contribuiu à investigação da WADA, saiu, surpreendentemente, em defesa do seu país.
"É injusto focar apenas na Rússia. Deveria ter o mesmo tipo de investigação sobre Quênia e Etiópia", declarou Baranov, em entrevista ao jornal britânico The Guardian.
O próprio Dick Pound, presidente da comissão da WADA que redigiu o relatório, deixou claro na segunda-feira que "o doping organizado também atinge outros países e outros esportes".
"O Quênia tem um grande problema. Se não trabalharem com seriedade (contra o doping), acho que alguém fará isso por eles", ameaçou Pound.
Em agosto, o país africano, que terminou em primeiro lugar do quadro de medalhas do último Mundial de Atletismo, em Pequim, foi alvo de denúncias de um documentário do canal alemão ARD, o mesmo que deu início ao escândalo e à investigação da WADA.
O escândalo também atingiu a própria IAAF, cujo ex-presidente, Lamine Diack, renunciou nesta quarta-feira ao cargo de membro honorário do COI, do qual tinha sido afastado de forma provisória na véspera.
Diack, de 82 anos, que esteve à frente da entidade de 1999 até agosto deste ano, quando foi substituído pelo britânico Sebastian Coe, foi indiciado na semana passada pela justiça francesa por "corrupção passiva e lavagem de dinheiro", com suspeitas de ter recebido propinas para acobertar casos de doping.