Homens armados montam guarda na cidade portuária de Feodosiya, na região da Crimeia, na Ucrânia (Thomas Peter/Reuters)
Da Redação
Publicado em 29 de março de 2014 às 14h19.
Moscou - A Rússia deu a entender neste sábado que há a possibilidade de uma saída negociada com os ocidentais para a crise na Ucrânia, através de uma federalização da ex-república soviética, e excluiu qualquer outra intervenção militar após a recente anexação da Crimeia.
O Kremlin confirmou o telefonema de Vladimir Putin a Barack Obama, anunciado sexta-feira à noite pela Casa Branca. O presidente russo instou seu colega americano a analisar "medidas que podem ser tomadas pela comunidade internacional em vista de uma estabilização" da situação na Ucrânia.
As duas potências manifestaram a intenção de agir. O secretário de Estado americano John Kerry irá se reunir com o chanceler russo Sergei Lavrov em Paris, no domingo, para discutir a crise na Ucrânia, anunciou neste sábado o Departamento de Estado.
"A reunião acontecerá em Paris, amanhã à noite", disse a jornalistas a porta-voz do Departamento de Estado, Jen Psaki, que havia anunciado pouco antes que Kerry, em uma mudança de programa de último minuto, estava a caminho de Paris para uma possível reunião sobre a crise ucraniana com Lavrov.
Washington já havia anunciado a realização deste encontro para discutir uma proposta dos Estados Unidos para acabar com a crise.
Vladimir Putin, no entanto, manifestou preocupação com a "onda extremista" na Ucrânia e a situação na Transnístria, região de língua russa da Moldávia, ex-república soviética entre a Romênia e a Ucrânia, onde as tropas russas estão estacionadas.
Ele denunciou um "estado de sítio" e apelou para negociações internacionais.
Esta abertura ocorre depois de semanas de tensão, após a destituição do presidente ucraniano Viktor Yanukovytch por militantes pró-europeus e a anexação da Crimeia pela Rússia, o que provocou uma confrontação sem precedentes desde a Guerra Fria entre Moscou e o Ocidente e a aplicação de sanções americanas e europeias a altos funcionários russos.
Sexta-feira, Barack Obama criticou duramente Vladimir Putin, acusando-o de "ressentimento sobre o que ele vê como a perda da União Soviética" e instando-o a retirar suas tropas presentes na fronteira ucraniana.
Federalização "não é uma palavra tabu"
Kiev teme que a Rússia avance e intervenha na parte oriental da Ucrânia, predominantemente de língua russa e agitada por manifestações separatistas nas últimas semanas.
O secretário-geral da ONU, Ban Ki-moon, declarou na sexta-feira que recebeu garantias de Vladimir Putin de que ele "não tinha a intenção de realizar quaisquer operações militares" na Ucrânia.
Neste sábado, Sergei Lavrov negou veementemente qualquer plano para fazê-lo e sugeriu uma "iniciativa conjunta" proposta aos ucranianos.
"Nós não temos nenhuma intenção ou interesse em cruzar a fronteira da Ucrânia", disse o chefe da diplomacia russa à televisão estatal russa.
O ministro pediu, no entanto, que, a fim de resolver a crise, "o trabalho seja coletivo" e que "os excessos" da parte dos manifestantes que depuseram o presidente Viktor Yanukovytch cessem.
"Nossos pontos de vista estão se aproximando", insistiu.
Sergei Lavrov falou ainda sobre uma "federalização" da ex-república soviética, "uma exigência do sul e do leste" da Ucrânia.
A ideia de "descentralização" já foi mencionada por alguns diplomatas ocidentais, e a França expressou seu apoio a esta iniciativa para acalmar as tensões nessas regiões que se identificam cultural e economicamente com a Rússia.
Neste sentido, o governo alemão anunciou neste sábado que analisa o envio de policiais à Ucrânia para formar as forças de ordem do país a pedido de Kiev.
O ministro alemão do Interior, Thomas de Maizière, "falou ao telefone com seu colega ucraniano para se informar sobre a situação no país e propôs ajuda", indicou o ministério.
Neste contexto, a comunidade tártara da Crimeia votará neste sábado sobre sua autonomia em sua pátria histórica.
Os tártaros de toda a península se reuniram na cidade de Bajchisarai em caráter de urgência, para decidir sobre o destino desta comunidade muçulmana de 300.000 pessoas.
Klitschko renuncia à presidência
Mas tal cenário pode encontrar a resistência de Kiev, após a humilhação sofrida na Crimeia e no momento em que a briga pela presidência, em 25 de maio, está se acelerando.
Os candidatos têm até domingo à noite para registrar sua candidatura junto a comissão eleitoral, e os principais partidos se reúnem neste sábado para apoiar o seu candidato.
O favorito nas pesquisas, o bilionário Petro Poroshenko, apresentou sua candidatura sexta à noite e prometeu "um novo exército, moderno e eficiente, que irá defender a soberania e a integridade do Estado".
Ele recebeu um importante apoio neste sábado: o do ex-campeão de boxe Vitali Klitschko, que renunciou à presidência para dedicar-se à prefeitura de Kiev.
Único oligarca ucraniano a apoiar abertamente o movimento de contestação pró-europeu que levou à destituição do presidente Viktor Yanukovytch, Poroshenko aparece como uma personalidade do compromisso. Foi Ministro das Relações Exteriores entre 2009 e 2010, sob a presidência de Viktor Yushchenko, e ministro da Economia de março a novembro de 2012, sob o presidente pró-europeu Viktor Yuchtchenko.
A campanha eleitoral se anuncia difícil após a formalização do pedido de candidatura da ex-primeira-ministra Yulia Tymoshenko, que aos 53 anos parece determinada a se vingar depois de ter sido derrotada por Yanukovytch, seu inimigo jurado desde a Revolução Laranja de 2004.
"Enquanto a Crimeia estiver ocupada pelo Kremlin, Vladimir Putin continuará a ser para mim o inimigo número um da Ucrânia", insistiu ela que acaba de sair após dois anos da prisão.
O Partido das Regiões deve, por sua vez, apoiar o ex-governador pró-russo de Kharkiv, Mikhailo Dobkine, que tem o apoio do homem mais rico da Ucrânia, Renat Akhmetov.