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Rubens Barbosa: discurso duro de Trump força negociação

Fortalecer as Nações Unidas é uma questão dar mais peso a outros países em processos decisórios

RUBENS BARBOSA: “endurecer o discurso para tentar forçar uma negociação faz parte do jogo”, diz ex-embaixador brasileiro em Washington  /  (Julio Bittencourt/Revista da Indústria/Divulgação)

RUBENS BARBOSA: “endurecer o discurso para tentar forçar uma negociação faz parte do jogo”, diz ex-embaixador brasileiro em Washington / (Julio Bittencourt/Revista da Indústria/Divulgação)

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Camila Almeida

Publicado em 19 de setembro de 2017 às 19h08.

Última atualização em 19 de setembro de 2017 às 19h08.

Nesta terça-feira, o presidente dos Estados Unidos, Donald Trump, fez sua estreia na Assembleia Geral da ONU, em Nova York, com um discurso belicista ao afirmar que seu país está pronto para destruir a Coreia do Norte — caso seja necessário. O tom da fala do presidente levantou preocupações sobre um acirramento ainda maior entre os dois países. Porém, para Rubens Barbosa, que foi embaixador do Brasil em Washington entre 1999 e 2004 e atual presidente do Conselho Superior de Comércio Exterior da FIESP, a intenção americana é forçar a Coreia do Norte a sentar na mesa de negociação. Em entrevista a EXAME, Barbosa falou também sobre as reformas necessárias para garantir mais força política à ONU e sobre o atual status da diplomacia brasileira.

O que um discurso tão agressivo como o de Trump no debate da ONU pode significar?

Trump é imprevisível; ele podia falar qualquer coisa lá. Mas o tom do discurso dele faz parte da pressão para que a Coreia do Norte comece a negociar. Acho muito difícil que saia uma guerra dali – só se houver um erro de cálculo. Todas as partes vão acabar negociando. A Coreia do Norte já mostrou que tem mísseis e poder nuclear, e os Estados Unidos querem ter controle sobre isso. O discurso na Assembleia apenas reforça o que Trump já vinha falando antes: quando ele dizia que todas as opções estão na mesa, inclusive a via militar, isso significa que ele está pronto para destruir, não para levar a Coreia do Norte para passear. Foi um discurso direto, duro, mas para forçar a negociação.

Mas um discurso com esse tom não pode fazer com que a Coreia do Norte se sinta impelida a agir militarmente?

Foi o que mencionei – pode haver um erro de avaliação. Mas a Coreia do Norte já lançou dois mísseis em cima do Japão e o Japão não fez nada. Uma guerra como essa teria um custo de vidas e de destruição tão grandes que ninguém está querendo cogitar essa opção. Nem os Estados Unidos, que têm mais de 50.000 soldados na Coreia do Sul. Endurecer o discurso para tentar forçar uma negociação faz parte do jogo.

O que a Coreia do Norte quer?

Eles querem reconhecimento como nação e a permanência do presidente Kim Jong-un no poder, bem como do regime comunista. Eles sabem que estão ameaçados, e essas investidas são uma forma de se preservar.

As sanções que foram aplicadas contra a Coreia do Norte devem surtir algum efeito?

As sanções estão em vigor desde 2006, e tiveram muito pouco efeito. Agora que elas foram ampliadas, com restrições à venda de petróleo e com os Estados Unidos proibindo empresas de comercializarem com o país, mais uma série de restrições financeiras, não sei como vai ser.

O próprio Donald Trump tem questionado a eficácia das Nações Unidas enquanto organização. De fato a ONU precisa de uma reforma?

Não por causa da Coreia do Norte. Precisa de uma reforma para aperfeiçoar seus métodos de trabalho. Hoje, as medidas adotadas pela ONU não alcançam os processos decisórios dos países. As medidas são mais administrativas do que políticas. Hoje, Trump não quer saber de discutir a ampliação do Conselho de Segurança; isso não está na mesa quando se fala em reforma. As discussões hoje estão em torno de melhorar a eficiência, de evitar trabalhos duplicados por órgãos diferentes. Os Estados Unidos estão interessados nessa discussão e está propondo essa reforma não porque quer melhorar o processo decisório, mas porque eles gastam 7 bilhões de dólares por ano com a ONU, e a maior parte do orçamento deles é americana. Para eles, é uma questão de redução de custo.

Mas uma das principais críticas em relação à ONU é que ela não está desempenhando um papel relevante em relação a temas como Coreia do Norte, Síria, Venezuela. O que precisa acontecer para que as Nações Unidas ampliem sua força política?

De fato a ONU não consegue atingir esses problemas, inclusive de Afeganistão, Irã, etc., porque não tem força para impor nenhuma sanção. Os problemas são políticos. Para melhorar, seria necessário atualizar o mecanismo decisório, ampliar o peso da comunidade internacional. O processo decisório do Conselho de Segurança hoje, por exemplo, não é representativo do que as nações querem, porque seu formato é ainda um reflexo do pós-Segunda Guerra. Países como Alemanha, Japão, Índia e Brasil nem participam do Conselho. Mas é muito difícil fazer uma ONU mais forte porque os Estados Unidos não dão a importância para essa questão.

Como o Brasil e o presidente Michel Temer estão sendo enxergados hoje pela ONU? A crise política brasileira afastou o país de discussões diplomáticas?

Em relação à ONU, não. O país desempenha um papel muito importante junto às Nações Unidas, com tropas no Haiti, na África, no Líbano… Não há nenhum problema.

E fora da ONU?

Os países veem o Brasil como um país em transição. O cenário ainda é de incerteza política, e as coisas não vão clarear enquanto não houver eleições.

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