Crianças tutsis mutiladas recebem atendimento em um hospital da Cruz Vermelha em Kigali: aniversário também será um teste diplomático para o país (Gerard Julien/AFP)
Da Redação
Publicado em 4 de abril de 2014 às 13h56.
Kigali - Ruanda inicia em 7 de abril as cerimônias por ocasião do 20º aniversário do genocídio de 1994, que, em 100 dias, deixou 800.000 mortos, principalmente entre a minoria tutsi.
O aniversário também será um teste diplomático para o país, que passa por um momento de instabilidade nas relações com os aliados ocidentais.
"É dever da memória, lembrar as vítimas (...) e um processo de cura para os indivíduos", declarou à AFP Diogène Bideri, consultor jurídico da Comissão Nacional de Luta contra o Genocídio.
"Depois do genocídio, não havia esperança para o povo de Ruanda viver, criar uma nação. Vinte anos depois, todos os setores da sociedade passam por uma reconstrução", argumenta.
Ruanda tornou-se um exemplo por sua recuperação econômica, mas alguns analistas acreditam que a reconciliação nacional está longe de ser uma realidade.
Em 7 de abril de 1994, poucas horas após o assassinato na noite anterior do presidente Juvenal Habyarimana, cujo avião foi abatido sobre Kigali, os extremistas do regime hutu - líderes, soldados e milicianos do partido no poder - começaram a matar tutsis e hutus considerados próximos ao primeiro grupo .
Na segunda-feira, quando 20 anos da tragédia serão lembrados no Memorial do Genocídio de Gisozi, em Kigali o presidente Paul Kagame, que assumiu o poder em julho de 1994, iniciará um luto de 100 dias, o mesmo tempo de duração do massacre.
Em 7 de abril também acontecerá uma "passeata da recordação" até o maior estádio da capital de Ruanda, onde Kagame fará um discurso e haverá uma vigília fúnebre.
Relações diplomáticas difíceis
As cerimônias acontecem em um contexto de tensão diplomática para Ruanda, que nos últimos meses tem recebido fortes críticas por seu suposto papel na desestabilização do leste da República Democrática do Congo (RDC) e por suposto envolvimento nos assassinatos ou tentativas de assassinatos de dissidentes ruandeses refugiados na África do Sul.
Kigali se beneficiou por muito tempo do sentimento de culpa da comunidade internacional, que não fez nada para impedir o genocídio.
Mas 20 anos depois, o período de carência parece ter chegado ao fim e alguns de seus aliados mais próximos - Estados Unidos à frente - se distanciaram recentemente e não parecem dispostos a uma reaproximação de Kigali.
Portanto, a composição das delegações internacionais que vão participar dos eventos será examinada muito de perto, de acordo com analistas.
A ONU, incapaz de em 1994 evitar o genocídio, apesar da presença de uma força de 2.500 homens no país, o que deixou uma mancha em sua história, será representada pelo secretário-geral Ban Ki-moon.
"O genocídio de Ruanda foi um terrível fracasso da comunidade internacional", reconheceu no final de fevereiro Ban Ki-mon, que garantiu que a ONU "aprendeu lições importantes".
A delegação dos Estados Unidos será liderada por sua representante na ONU, Samantha Power, e incluirá vários diplomatas de alto nível, como a secretária de Estado para os Assuntos Africanos, Linda Thomas-Greenfield.
A ex-potência colonial Bélgica enviará o vice-primeiro-ministro e ministro das Relações Exteriores, Didier Reynders, e o ministro da Cooperação e Desenvolvimento, Jean-Pascal Labille.
O chefe da diplomacia britânica, William Hague, e o ministro para a África, Mark Simmonds, também viajarão a Kigali.
A França, oficialmente reconciliada com Ruanda após as acusações de cumplicidade no genocídio por seus vínculos com o regime hutu de 1994 e cujas relações com Kigali seguem com altos e baixos, será representada a nível ministerial.
A África do Sul, em plena crise diplomática com Ruanda, será representada apenas pelo seu embaixador em Kigali.