REX TILLERSON E VLADIMIR PUTIN: indicado para o Departamento de Estado tem relações próximas com a Rússia e até já recebeu honrarias do governo russo / Sputnik/Kremlin/Alexei Nikolskyi
Da Redação
Publicado em 13 de dezembro de 2016 às 17h10.
Última atualização em 22 de junho de 2017 às 17h57.
Isabel Seta e Thiago Lavado
Nesta terça-feira foi completada a escalação da Trump Inc., como a imprensa americana vem chamando a cúpula do governo que assume o país em janeiro. O time, tal qual o presidente eleito Donald Trump, tem muito mais experiência corporativa do que política, e inclui Steven Mnuchin, banqueiro, o secretário do Tesouro; Andrew Puzder, presidente da Restaurantes CKE, companhia-mãe de várias redes de fast-food, o secretário do Trabalho; e o mais recente, e importante deles, Rex Tillerson, presidente da petroleira Exxon Mobil, a maior companhia privada do setor no mundo, indicado para ser secretário de Estado.
Tillerson, 62 anos, trabalha há 41 anos na Exxon Mobil e está à frente da companhia desde 2006. É um executivo bem sucedido e conhecido por ter que lidar com os interesses de uma companhia que tem negócios nas regiões mais problemáticas do mundo. A indicação é condizente com a política de administrar o país de acordo com a lógica de uma empresa, que Trump defendeu durante a campanha. Ele afirmou, por exemplo, que só defenderia os países aliados que pagassem pela proteção – numa das afirmações mais capitalistas da história. Também dá mais uma mostra de dar a mínima para a opinião pública, que preferia Mitt Romney, ex-candidato à presidência, ou Rudolph Giuliani, ex-prefeito de Nova York.
Texano de nascença e criação, daqueles com sotaque de caipira carregado, Tillerson tem na história duas instituições a quem dedicou seu tempo e esforços: a Exxon e o grupo de escoteiros Eagle Scouts, do qual participou durante a juventude e chegou à presidência. Nos Eagle Scouts, Tillerson foi conhecido por ter defendido a participação de meninos homossexuais, até então algo proibido pela organização. Apesar disso, é tido como conservador e alinhado com o típico republicano médio. De fato, durante a pré-campanha presidencial, Tillerson apoiou o também texano e republicano Jeb Bush, fazendo uma doação de 2.700 dólares para sua campanha durante as primárias, o máximo permitido por lei.
Um grupo que está em polvorosa com o anúncio é o dos ambientalistas. Segundo denúncias, a Exxon sabia das mudanças climáticas há 40 anos, mas financiou lobbies para afastar as denúncias de aquecimento global. A opinião de Tillerson sobre o assunto ainda é desconhecida, mas é uma preocupação a somar aos outros nomes, como o de Rick Perry, secretário de Energia, que tem ligações com o mercado de petróleo.
Tillerson é mais uma das incógnitas que cercam o novo governo. Para Sidney Ferreira Leite, pró-reitor e professor de Relações Internacionais do Centro Universitário Belas Artes de São Paulo, a indicação gera insegurança e incerteza, porque as ações de Tillerson frente ao Departamento de Estado são imprevisíveis. “Sem experiência diplomática, ele deve ficar dependente de uma assessoria republicana. Os primeiros de Trump anos de Trump devem ser voltados para a agenda interna e depois deve vir a questão interna. Foi o que aconteceu na gestão de Ronald Reagan”, afirma.
Em sua conta no Twitter, Trump afirmou que “a coisa que mais gosto sobre Rex Tillerson é que ele tem uma vasta experiência em lidar de maneira bem sucedida com todos os tipos de governos estrangeiros”. É uma afirmação que tem lá suas verdades: o texano tem relações bastante próximas com a Rússia, inclusive como amigo do presidente Vladimir Putin, além de já ter lidado com líderes em países como a Venezuela, Sudão, Nigéria, Qatar.
Em nenhum deles as conversas foram um passeio no parque. Na Venezuela, Tillerson se recusou a negociar uma indenização com o governo de Hugo Chávez após uma decisão que nacionalizou os ativos de 20 petroleiras estrangeiras. Levou o caso a cortes internacionais e ganhou 1,6 bilhão de dólares. Depois, iniciou um ambicioso plano de exploração em águas da Guiana reclamadas pela Venezuela.
Segundo o jornalista americano Steve Coll, autor do livro Private Empire: ExxonMobil and American Power (2012), parte do crescimento de Tillerson dentro da Exxon se deve ao trabalho que fez na Rússia. O executivo conhece Putin desde os anos 90, quando representava os interesses da Exxon na Rússia durante a administração de Boris Yeltsin. Em 2013, recebeu a Ordem de Amizade, reconhecido como amigo do governo russo.
Os laços entre a Rússia e a Exxon ainda são bastante turvos e a presença de Tillerson no governo joga dúvidas sobre a idoneidade de sua gestão como secretário de Estado. Vários projetos da petroleira na Rússia estão sob análise americana e dependem de sanções governamentais para seguir adiante, outros foram paralisados por medidas restritivas impostas pelos Estados Unidos. Entre eles, um projeto de extração de petróleo na Sibéria, visto por empresários russos como um negócio de 500 bilhões de dólares. Quando a Rússia anexou a Crimeia em 2014, os Estados Unidos impuseram uma sanção econômica ao país. Há a preocupação de que Tillerson, como secretário de Estado, possa retirar os entraves aos negócios da Exxon na região.
Aprovação no Senado
O nome para o cargo de secretário de Estado é escolhido pelo presidente, mas precisa ser ratificado pelo senadores para assumir o posto. Na teoria, não seria um problema: os republicanos dominam o Senado e a Câmara, o que daria a Trump caminho livre para nomear secretários e até passar projetos. Na prática, as coisas são um pouco mais complicadas. Trump, como se sabe, não tem boa relação com vários caciques do partido. A nomeação de Tillerson só veio reforçar essa distância.
O senador John McCain — que segundo Trump não é herói de guerra porque foi preso no Vietnã — já afirmou que as conexões do executivo com Putin são, no mínimo preocupantes. “Putin é um valentão e um assassino, e qualquer um que o descrever como outra coisa está mentindo”, disse em entrevista à Fox News quando o nome de Tillerson era somente uma especulação.
Uma carta assinada em conjunto pelos senadores Rob Portman, um republicano de Ohio, e Dick Durbin, um democrata de Illinois, clama para que Trump “continue a tradição americana de dar suporte às pessoas na Ucrânia diante das agressões russas”. A carta, assinada por 12 republicanos e 15 democratas e que foi divulgada antes da indicação oficial de Tillerson, é um levante dos membros do Senado contra a condescendência que Donald Trump vem apresentando em relação à Rússia.
As duas nações vêm aumentando a tensão entre si de uma maneira que não era vista desde o colapso da União Soviética e vários políticos americanos são contrários à maneira que a Rússia vem exercendo influência na Ucrânia e na Síria. Nos últimos dias, as tensões estão ainda mais lívidas com denúncias de que a Rússia interferiu no resultado das eleições americanas em favor de Trump (possibilidade que Trump considerou “ridícula”). Vários senadores, inclusive líderes republicanos, vêm pedindo investigações mais detalhadas sobre o caso, que aponta para os russos hackeando ambos os partidos e escolhendo quais informações vazar. O nome de Tillerson para o Departamento de Estado só deixa a questão ainda mais problemática.
E o Brasil?
Para o Brasil, a indicação pode até ser uma boa notícia. Ao menos, não somos totalmente desconhecidos para Tillerson. Segundo o professor de Relações Internacionais do Woodrow Wilson Center, Carlos Eduardo Lins da Silva, o indicado tem relações no Brasil e até esteve em uma cerimônia de homenagem ao presidente Lula. “O Brasil não é um mistério para ele. Resta saber se é bom ou ruim estar no radar americano no atual momento político”, afirma.
Tillerson também esteve no Brasil durante o governo de Dilma Rousseff, quando se tratava das mudanças na prospecção do petróleo. Segundo Rubens Barbosa, embaixador do Brasil em Washington entre 1999 e 2004, que esteve com Tillerson nesta visita, o americano tem um perfil negociador e avisou dos problemas da Lei de Conteúdo Nacional, que obrigava participação brasileira nas sondas de prospecção de petróleo. “À época ele afirmou que a medida afastaria o capital estrangeiro e avisou dos perigos da Petrobras tentar fazer tudo sozinha. Dito e feito. Ele conhece o nosso país, mas não somos exatamente prioridade na política internacional americana”, diz.