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Resistência aumenta na Venezuela às vésperas da Constituinte

Os chavistas não controlam os sindicatos desde sua ascensão ao poder, explica o cientista político da Universidade Central da Venezuela a EXAME Hoje

Caracas: a oposição decidiu boicotar a eleição de domingo, mas a pressão cresce nas ruas (Marco Bello/Reuters)

Caracas: a oposição decidiu boicotar a eleição de domingo, mas a pressão cresce nas ruas (Marco Bello/Reuters)

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Da Redação

Publicado em 27 de julho de 2017 às 06h00.

Última atualização em 27 de julho de 2017 às 06h00.

Caracas - O tempo corre rápido na Venezuela. Às vésperas da eleição no domingo da Assembleia Constituinte convocada para atualizar as leis de modo a manter os chavistas no poder, a oposição dobrou suas apostas nas últimas horas.

A “resistência”, composta de jovens mascarados, muitos deles da periferia, armados de coquetéis molotov, bastões e pedras, juntamente com os moradores dos bairros abastados do leste de Caracas, ergueu barricadas bloqueando o trânsito nas principias avenidas da capital, e isso se repetiu em outras cidades do país. As centrais sindicais declararam greve geral.

Os chavistas não controlam os sindicatos, que desde sua ascensão ao poder, em 1999, os consideraram organizações “burguesas”, explica a EXAME Hoje o cientista político Carlos Romero, professor da Universidade Central da Venezuela. Criaram associações paralelas, algumas chamadas de sindicatos, controladas pelo Partido Socialista Unido da Venezuela, um pouco como a CUT em relação ao PT.

Henrique Capriles, o governador do Estado de Miranda, onde se situa a capital, convocou manifestantes do país inteiro para a “tomada de Caracas” nessa sexta-feira, e insinuou que dessa vez tentarão se aproximar do Palácio de Miraflores, sede da presidência. Capriles disputou a última eleição presidencial com Hugo Chávez, em 2012, que venceu mas três meses depois morreu de câncer, sendo substituído pelo vice, Nicolás Maduro.

O outro principal líder oposicionista, Leopoldo López, que está sob prisão domiciliar, gravou na noite desta terça-feira um vídeo no qual convocou a população e as Forças Armadas a lutarem contra a Assembleia Constituinte e pela eleição de um “governo de unidade nacional”.

Segundo López, o comparecimento de 7,6 milhões de eleitores à consulta popular realizada pela oposição no dia 16 de julho, contra a convocação da Constituinte, constitui um “mandato” para que sigam lutando de forma pacífica até que três reivindicações sejam atendidas: abertura de um canal humanitário para a entrada de alimentos e remédios, libertação de todos os presos políticos (estimados em 430) e um cronograma para as eleições de prefeitos, governadores e presidente.

Romero teme que López seja preso novamente, já que fazia parte do acordo de concessão da prisão domiciliar que ele não desse declarações públicas. Num sinal de que sua família teme uma deterioração das condições no país, na mesma terça-feira, sua mulher, Lilian Tintori, e seus filhos Leopoldo e Manuela, viajaram para Miami.

De acordo com a Constituição em vigor, proposta por Chávez e aprovada em referendo em 1999, deveriam ter havido eleições municipais no fim do ano passado e estaduais este ano. Mas os chavistas, que controlam o Conselho Nacional Eleitoral (CNE) e o Tribunal Supremo de Justiça, não querem arriscar submeter-se a eleições, depois da derrota na disputa pela Assembleia Nacional em dezembro de 2015.

O que está em jogo 

Para a eleição das 545 cadeiras da nova Assembleia Constituinte, o governo criou novas regras. Acabou com a proporcionalidade de representantes de cada município em função de suas respectivas populações. Isso favorece os chavistas, porque eles têm mais apoio nas zonas rurais e municípios menores, explica Pablo Antillana, professor de comunicação política e governança da Universidade Central da Venezuela. Além disso, 40% das cadeiras serão preenchidas pelos chamados “setores sociais”, divididos em corporações, por profissões, atividades empresariais, etc. Foi o CNE quem arbitrariamente determinou a qual corporação cada eleitor pertence.

Diante de tudo isso, a oposição decidiu boicotar a eleição de domingo, que considera “fraudulenta”. De acordo com juristas de oposição, a eleição de uma Constituinte não poderia ter sido convocada sem que antes isso fosse aprovado em referendo. Para a oposição, boicotar eleições é um ato extremo, depois da lição aprendida em 2005, quando os oposicionistas não participaram de eleições para a Assembleia Nacional (AN), denunciando o risco de fraude, e por cinco anos o governo aprovou as leis que quis sem ser importunado. Passados dez anos, e depois de se unir, a oposição obteve maioria na AN.

Cumprindo ameaça do presidente Donald Trump caso os chavistas levassem adiante o plano da Constituinte, o governo americano impôs nesta quarta-feira sanções contra 13 altos funcionários venezuelanos. Seus bens nos Estados Unidos foram congelados, e americanos foram proibidos de fazer negócios com eles. Entre as autoridades estão o vice-presidente Elías Jaua, o ministro do Interior, Néstor Reverol, a presidente do CNE, Tibisay Lucena, e os comandantes do Exército, da Guarda Nacional e da Polícia Nacional.

O vice-presidente de Finanças da estatal do petróleo PDVSA, Simón Zerpa Delgado, também é alvo das sanções. Desde que Trump lançou as ameaças, na semana passada, especula-se que os EUA poderiam impor sanções contra o petróleo venezuelano. Além das importaçoes de petróleo, os EUA mantêm uma rede de 7.500 (já foram 16.000) postos de gasolina da estatal venezuelana Citgo.

Entretanto, Romero observa que, além de ser economicamente prejudicial para os EUA, sanções comerciais contra o petróleo venezuelano não teriam tanto impacto sobre o regime, que poderia facilmente deslocar suas exportações para países como a China, que já compra 500.000 barris por dia, Índia (400.000 barris) e o Catar, que produz gás mas não petróleo, e está sob sanções da Arábia Saudita e demais monarquias árabes do Golfo, além do Egito.

Para Romero, seriam bem mais impactantes sanções contra as atividades financeiras da Venezuela, proibindo bancos americanos e estrangeiros que fazem negócios com os EUA de transacionar com empresas venezuelanas.

Isso porque Caracas vem rolando seu déficit vendendo seu petróleo a futuro. A Rússia, por exemplo, ajuda o regime chavista por meio da semi-estatal Rosneft, que investe na Bacia do Orinoco. Tudo isso se tornaria virtualmente impossível se as portas da banca internacional se fechassem para a Venezuela.

Por agora, no entanto, as sanções americanas e demais pressões internacionais servem de combustível para a retórica de Maduro e seus companheiros. Na tarde desta quarta-feira, durante campanha dos candidatos à Assembleia Constituinte, Maduro se vangloriou: “A Venezuela não teme a ninguém”. Só a si mesma.

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