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Relatório sobre torturas causa constrangimento à CIA

Após o 11 de setembro, a CIA submeteu detentos a torturas brutais e ineficazes, diz relatório, o que causou uma onda de críticas e pode resultar em processos


	Sede da CIA: governo republicano de George W. Bush estava a par dos procedimentos, segundo relatório
 (Alex Wong/AFP)

Sede da CIA: governo republicano de George W. Bush estava a par dos procedimentos, segundo relatório (Alex Wong/AFP)

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Da Redação

Publicado em 10 de dezembro de 2014 às 15h02.

Washington - Após o 11 de setembro, a CIA submeteu dezenas de detentos vinculados à Al Qaeda a torturas brutais e ineficazes, revelou na terça-feira um relatório elaborado pelo Senado dos Estados Unidos, que causou uma onda de críticas no mundo todo e que pode resultar em processos judiciais.

Entre as revelações feitas, está a que o governo republicano de George W. Bush estava a par dos procedimentos ilegais implementados pela chamada "guerra ao terror".

Os senadores democratas da Comissão de Inteligência publicaram o extenso relatório de uma investigação detalhada sobre o programa secreto da CIA para capturar e interrogar, fora do âmbito legal, suspeitos de estar vinculados à Al Qaeda.

A CIA impugnou imediatamente as conclusões do relatório, redigido entre 2009 e 2012. Uma versão reduzida do mesmo, de 525 páginas e com 2.725 notas, foi a divulgada na terça-feira.

A comissão acusa a agência de inteligência de ter submetido 39 detidos a técnicas de interrogatório especialmente duras, aprovadas pelo governo da época, e que muitos equiparam a torturas.

O relatório descreve como os detidos permaneciam amarrados durante dias na escuridão, eram submetidos a banhos gelados, privados de sono durante uma semana, espancados e ameaçados psicologicamente.

Um detento foi ameaçado com uma furadeira. Ao menos cinco sofreram o que o relatório descreve com o eufemismo de "reidratações retais".

Khaled Cheikh Mohammed, suposto cérebro dos atentados de 11 de setembro de 2001, foi submetido tantas vezes ao chamado submarino (imersão forçada até o limite do afogamento) que esteve prestes a morrer durante os interrogatórios.

Em reação ao relatório do Senado, o advogado do agora detido na base de Guantánamo estimou que seu cliente não deveria ser condenado à morte durante seu processo perante um tribunal militar especial.

O então presidente George W. Bush foi informado em abril de 2006, ou seja, após quatro anos dos incidentes, que os detidos eram torturados em prisões secretas da CIA, revelou o documento.

O ex-presidente republicano expressou seu desconforto quando descobriu "a imagem de um detido algemado no teto, com uma fralda e obrigado a fazer suas necessidades ali", é possível ler na página 40.

"Nenhuma nação é perfeita", declarou Barack Obama, que no passado utilizou o termo tortura para se referir aos interrogatórios reforçados. "Mas uma das forças dos Estados Unidos é nossa vontade de enfrentar abertamente nosso passado, enfrentar nossas imperfeições e mudar para melhorarmos".

Demandas e condenações

A reabertura deste capítulo negro da "guerra contra o terrorismo" provocou uma onda de condenações no mundo e nos Estados Unidos.

O relator da ONU sobre direitos humanos, Ben Emmerson, pediu que sejam apresentadas demandas judiciais contra os responsáveis.

"Dos níveis mais altos da administração Bush foi orquestrada uma política que permitiu (que fossem cometidos) crimes sistemáticos e violações flagrantes dos direitos humanos" em escala internacional, declarou.

"Os responsáveis por esta conspiração criminosa devem ser levados à justiça", afirmou.

No entanto, o departamento de Justiça americano indicou que o caso seguirá arquivado por falta de provas suficientes.

A organização britânica de defesa dos direitos humanos Cage também exigiu demandas judiciais. Afirmou que "há (no relatório) provas evidentes que justificam as ações judiciais".

O ex-presidente polonês Aleksander Kwasniewski, cujo país abrigou prisões secretas da CIA, declarou que os interrogatórios violentos por parte da CIA em território polonês cessaram após as pressões de Varsóvia em 2003, e que "a princípio a Polônia ignorava que ocorriam torturas".

Nos Estados Unidos o diretor-geral da poderosa União de Defesa das Liberdades Civis (ACLU), Anthony Romero, condenou os "crimes atrozes". "É um relatório escandaloso e é impossível lê-lo sem se indignar pelo fato de nosso governo ter realizado estes crimes atrozes", afirmou.

A União Europeia (UE) elogiou a publicação do relatório.

"O relatório é uma etapa positiva para expor publicamente e de maneira crítica o programa de detenção e interrogatórios da CIA", afirmou Catherine Ray, porta-voz da chefe da diplomacia europeia.

Já a Alemanha declarou que as torturas realizadas pela CIA são uma grave violação dos valores liberais e democráticos e que não podem se repetir.

"O que era considerado bom e foi feito pela luta contra o terrorismo islamita é inaceitável e um grave erro", declarou ao jornal Bild o ministro alemão das Relações Exteriores, Frank-Walter Steinmeier.

O novo presidente afegão Ashraf Ghani também condenou a prática de torturas.

"Todos os princípios básicos dos direitos humanos e das leis americanas foram violados pelo pessoal da CIA", afirmou Ghani.

No Congresso, os republicanos lamentaram a publicação do documento, temendo que a transparência provoque represálias contra os Estados Unidos. As bases militares americanas de todo o mundo estão em estado de alerta máximo, disse um funcionário de alto escalão na terça-feira.

No entanto, há vozes discordantes entre os republicanos. O senador John McCain, que foi prisioneiro de guerra e torturado no Vietnã, saudou a difusão do relatório. "A verdade às vezes é difícil de digerir", disse. "Às vezes é utilizada por nossos inimigos para nos prejudicar. Mas os americanos têm o direito de conhecê-la".

Cento e dezenove pessoas foram capturadas e mantidas em prisões secretas da CIA em diferentes países - nunca identificados - muito provavelmente Tailândia, Afeganistão, Romênia, Polônia e Lituânia, entre outros.

Barack Obama aboliu oficialmente o programa secreto de interrogatórios da CIA ao chegar ao poder, em 2009.

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