Paramilitares também intervinham organizando festas para o próprio lucro, pois obrigavam as comunidades a participar delas (Getty Images)
Da Redação
Publicado em 17 de novembro de 2011 às 21h02.
Bogotá- Os paramilitares das Autodefesas Unidas da Colômbia (AUC) usaram violência sexual em todas as suas formas como arma de conquista e poder durante a tomada do Caribe colombiano, entre 1997 e 2005, segundo um relatório apresentado nesta quinta-feira por ocasião da Semana da Memória, que lembra as atrocidades cometidas pelo grupo.
O documento - que conta com duas seções intituladas "Mulheres e guerra. Vítimas e resistentes no Caribe colombiano" e "Mulheres que fazem história. Terra, corpo e política" - foi apresentado em Bogotá pelo Grupo Memória Histórica da Comissão Nacional de Reparação e Reconciliação (CNRR).
Este relatório é resultado do trabalho de um grupo de pesquisadores liderados pela analista política María Emma Wills, que coletou depoimentos nas regiões caribenhas de Montes de María e Magdalena, onde a violência sexual fez parte do horror dos massacres.
Os textos expõem detalhes de como as AUC construíram em Rincón del Mar e Libertad uma ordem social através da ingerência na vida cotidiana da população com "exercícios de estigma pública, escravidão, trabalhos domésticos forçados e até violência sexual", explicou a analista em entrevista à Agência Efe.
María Emma afirmou que os paramilitares também intervinham organizando festas para o próprio lucro, pois obrigavam as comunidades a participar delas.
Na cidade de San Onofre (Sucre), em 2003, o líder paramilitar Marco Tulio Pérez Guzmán, conhecido como "El Oso", recebeu seu superior Rodrigo Mercado Peluffo, conhecido como "Cadena", com uma luta de boxe em um circo romano. "El Oso" levou ao ringue 16 homossexuais e várias mulheres, obrigando-os a lutar boxe para humilhá-los.
Esse mesmo paramilitar também convocou as jovens do município para participar de um concurso de beleza, no qual foram obrigadas a "desfilar diante dos comandantes" que, como disse Wills, "escolhiam as meninas mais bonitas para obrigá-las a manter relações sexuais com eles".
Por trás dessas práticas, escondia-se uma mensagem que colocava a extrema-direita armada como "figura masculina dominante do lugar", destacou a pesquisadora.
"Existe algo em disputa que não colocamos em evidência na Colômbia, que vai além de território, terra, caminhos para o narcotráfico e armas. O que está em jogo nesta guerra de maneira menos evidente, mas muito persistente, é um certo tipo de masculinidade", argumentou.
Em Montes de María, o relatório detecta que houve "um sistema de violência sexual sistemático para castigar as mulheres que eram consideradas transgressoras dos códigos de conduta que eles quiseram impor nessas comunidades". Um dos métodos consistia em raspar publicamente as mulheres consideradas infiéis, libertinas ou intrometidas.
Segundo o relatório do Grupo de Memória Histórica, das 63 violações sexuais documentadas em Magdalena, 40 foram cometidas por paramilitares, quatro por membros do Exército, uma pela aliança entre as AUC e a polícia, três pelas Forças Armadas Revolucionárias da Colômbia (Farc) e outra pelo Exército de Liberação Nacional (ELN). Em 14 casos, a autoria não foi estabelecida.
Os militares são os principais responsáveis por este tipo de crime, que cometiam em contextos estratégicos de sua conquista territorial e também de maneira oportunista para conseguir satisfação sexual, pois, segundo Wills, o desprezo pelas mulheres marcou essa conduta.
Apesar de terem vivido sob a ameaça dos paramilitares, essas mulheres caribenhas foras responsáveis pelas iniciativas de resistência coletiva.
As Autodefesas Unidas da Colômbia foram dissolvidas em 2006, em virtude de um acordo com o então presidente Álvaro Uribe, mas proliferaram o que o atual governo denomina de grupos criminosos, resultantes dos paramilitares que semearam o terror na Colômbia durante anos.