Refugiados: quase um milhão de pessoas alcançaram neste ano a costa da Europa fugindo da guerra e da pobreza (Alexandros Avramidis / Reuters)
Da Redação
Publicado em 28 de dezembro de 2015 às 13h56.
Adam, de sete meses, não dorme à noite. O barulho e as conversas de 600 solicitantes de asilo alojados junto dele em um abrigo o impedem de conciliar o sono e aumentam a ansiedade de seus pais, que chegaram à Holanda em busca de uma vida melhor longe do Iraque.
"Isso não é vida. Como posso explicar?", se pergunta Ahmad, um jovem de 27 anos e pai de Adam. "É como um pássaro em uma gaiola. Come, bebe, mas não é feliz".
Seu quinto lar em três meses é um cubículo de compensado, sem portas, compartilhado com outras duas famílias iraquianas em um escuro centro de exposições transformado em acampamento.
Ficaram para trás as paisagens que Ahmad e sua esposa, Alia, uma jovem de 26 anos de olhos de cor de avelã, contemplaram durante sua odisseia migratória através da Europa em setembro, acompanhados por uma equipe da AFP.
Três meses depois, sentem-se presos em um lento e desalmado labirinto administrativo, embora a alegria de ver Adam crescer a salvo alimente sua paciência.
"Nossa viagem não terminou", afirma Ahmad, sentado na beira de sua cama desfeita.
O bebê quase fica em pé e já sabe dizer "Mama, Baba". Sua felicidade é um consolo tanto para seus pais quanto para alguns solicitantes de asilo que, assim como Ahmad e Alia, deixaram tudo para trás.
Não se sentir bem-vindo
O jovem iraquiano possuía uma loja de roupas em Bagdá. Agora, como os demais refugiados do acampamento, tem que usar uma pulseira de plástico azul quando sai para ser identificado como residente do acampamento.
"Ainda não sabemos o que o destino tem reservado para nós (...) se conseguiremos finalmente um visto de residência", afirma.
Ahmad entende que a Holanda está abarrotada com um número recorde de solicitantes de asilo, mas não consegue evitar o medo de que as autoridades holandesas decidam algum dia enviá-los de volta ao Iraque.
Também se preocupa com a mudança de atitude em relação aos refugiados após os atentados de novembro, em Paris.
"As pessoas costumavam nos dizer 'olá' nas ruas, nos davam as boas-vindas. Agora não fazem mais isso", explica.
A incômoda situação de sua família pode corresponder à de centenas de milhares de outras pessoas, abrigadas pelas sobrecarregadas autoridades europeias em pavilhões esportivos e em outros edifícios públicos.
Quase um milhão de pessoas alcançaram neste ano a costa da Europa fugindo da guerra e da pobreza.
Depois de sobreviver a um ataque com bomba em Bagdá em 2014, Ahmad e Alia decidiram arriscar a vida e cruzar no último verão no hemisfério norte o mar Egeu rumo à Grécia, antes de atravessar sete países em poucos dias durante o auge da crise migratória.
Dormiram ao relento nos Bálcãs, se esquivaram de prisões e entregaram seu dinheiro a traficantes de migrantes - 10.000 dólares - para poder ter uma oportunidade na Europa.
Seu objetivo era chegar à Holanda, pois têm familiares em Utrecht, uma pitoresca cidade situada longe dos refúgios improvisados por onde transitaram antes de terminar no dia 16 de outubro em um acampamento de Leeuwarden, uma localidade de 100.000 habitantes.
As autoridades holandesas demoraram cinco semanas para registrar o pedido de asilo do casal.
"Senti que a Holanda não nos queria, como se estivesse nos convidando a ir embora", confessa Ahmad.
Com 54.000 pedidos registrados entre janeiro e meados de novembro, as autoridades reconhecem que estão sobrecarregadas.
"Temos pedidos atrasados e isso por vezes cria atritos", explica Alet Bowmeester, porta-voz da Agência Central para a Acolhida de Solicitantes de Asilo.
Romper a rotina
Sem nada a fazer a não ser esperar, o casal busca maneiras de levantar o ânimo.
"Todas as manhãs, minhas amigas e eu nos reunimos em um quarto que usamos como sala de maquiagem. Vamos lá nos vestir, nos maquiar e pentear", explica Alia, em cujo rosto são visíveis as cicatrizes do atentado de 2014.
Uma vez por semana a família come no Mouni, um restaurante de kebabs no coração de Leeuwarden, muito popular entre os refugiados.
"Não é a mesma comida que no Iraque, mas ficamos felizes em comer algo que nos lembre do nosso lugar", afirma Alia.
Depois se reúnem com um grupo de sírios e iraquianos em uma excursão de um dia ao zoológico - patrocinada por uma igreja local - onde a atração principal é uma colônia de focas em um tanque.
Os cuidadores do zoológico transportam os visitantes em um barco de madeira para que vejam os animais se alimentarem, mas mesmo um momento de diversão como este pode reviver o drama.
As crianças se divertem, mas o pânico consegue paralisar muitos visitantes adultos, que relembram a perigosa travessia em direção à costa da Grécia.
Alia também tem seus próprios demônios. Um barulho forte a faz lembrar do atentado à bomba ao qual conseguiu sobreviver.
Sua odisseia nos Bálcãs também foi "um pesadelo", mas sua mente conseguiu esquecer grande parte.
Ao ser perguntada se é feliz na Holanda, responde: "É claro, isso é melhor, muito melhor. Sem mar, sem correr, sem medo, sem ninguém que venha nos prejudicar ou roubar".
Seu único medo, assim como o de seu marido, é não poder permanecer no país. "Penso nisso. Que nos devolvam (ao Iraque). Isso me assusta muito".
Ser positivo
Para continuar sendo positivo, Ahmad se uniu a um grupo de oito sírios e eritreus que aprendem holandês com uma professora voluntária.
"Em cinco anos (...) espero poder me tornar cidadão holandês e conseguir, assim, viajar por todo o mundo", afirma. "Teremos uma casa e um carro. Nossas vidas serão boas".
Dois dias após a visita da AFP à Holanda, Ahmad, Alia e Adam são transferidos a outro acampamento, onde contam com seu próprio quarto.
"Trouxeram-no boa sorte", disse Ahmad através do aplicativo de celular Viber. "O lugar não é muito grande, mas é muito melhor".