O ex-presidente do Equador, Rafael Correa (JUAN CEVALLOS/AFP/AFP)
AFP
Publicado em 4 de fevereiro de 2018 às 17h11.
Última atualização em 4 de fevereiro de 2018 às 17h13.
Os equatorianos decidem neste domingo (4) o futuro político do ex-presidente Rafael Correa no referendo convocado por seu ex-aliado Lenín Moreno para afastá-lo do poder.
A inesperada disputa com o atual presidente tem diminuído a popularidade e a influência do ex-chefe de Estado socialista, que governou o país entre 2007 e 2017.
Esta nova briga eleitoral também coloca à prova a legitimidade de Moreno e a solidez de suas novas alianças na Assembleia Nacional, após a fissura no governo. E, em longo prazo, a governabilidade do país, advertem analistas.
As seções eleitorais abriram as portas às 7h da manhã de hoje em todo país. Cerca de 13 milhões de equatorianos - de uma população total de 16,7 milhões - são esperados nas urnas. Os postos ficam abertos até as 17h locais (20h, horário de Brasília).
"As decisões que tomarmos no dia de hoje vão ser transcendentais para o futuro do país, para que nossos filhos vivam protegidos, para que as pessoas corruptas não voltem a zombar de nós (...) pelo cuidado com a natureza, pela retomada da economia", disse Moreno, após votar em uma universidade no norte de Quito.
Os eleitores deverão responder a sete perguntas: cinco delas via referendo, que implicam mudanças na Constituição; e duas via consulta popular, para derrogar, ou para reformar leis menores.
As pesquisas mostram uma clara vitória do "sim", a favor de Moreno.
Três das perguntas formuladas por Moreno, vice-presidente de Correa entre 2007 e 2013, são um claro convite a entrar na era do pós-correísmo.
O questionamento que planeja suprimir a reeleição indefinida aprovada por Correa em 2015 impediria a eventual candidatura do ex-chefe de Estado às presidenciais de 2021.
Outro propõe reestruturar o órgão criado pelo ex-governante para nomear autoridades de controle. Na prática, isso significaria uma "descorreização" do Estado.
Os correístas advertem que uma vitória do "sim" nesta questão permitiria a Moreno se apropriar temporariamente de todos os poderes estatais, nomeando "a dedo" as novas autoridades, entre elas o procurador e o controlador. Ambos exercerão sua função até as próximas eleições regionais, em 2019.
- 'Já vencemos' -
Correa acusa Moreno de "traição", de ter-se vendido para a oposição e alega que, com esta consulta "inconstitucional", convocada sem aprovação da Corte Constitucional, seu agora rival pretende alcançar o "presidencialismo absoluto".
"Independentemente dos resultados de hoje, já vencemos. A traição e a campanha mais desigual da história contemporânea tirou o melhor de nós!", tuitou Correa, que está na cidade de Guayaquil.
Alegando sofrer uma "perseguição" política, o ex-presidente, um economista de 54 anos que, graças ao auge petroleiro, modernizou o país com fama de ingovernável, sustenta que a pergunta que planeja inabilitar os políticos condenados por corrupção também é uma via - judicial - para impedir seu retorno.
"Inventarão um delito contra mim para me inabilitar. É a nova estratégia da direita para destruir os dirigentes progressistas, como fizeram com Dilma, Lula e Cristina (Kirchner, na Argentina)", disse Correa à AFP.
Moreno venceu as eleições de abril com uma estreita margem diante do banqueiro conservador Guillermo Lasso.
Desde então, com seu estilo conservador, ganhou popularidade. À medida que se aprofundou a brecha no governo entre "morenistas" e "correístas", porém, ele perdeu a maioria na Assembleia Nacional e teve de buscar novos apoios entre a oposição tradicional.
De fato, a consulta popular tem o apoio do CREO, o partido de Lasso, e do Partido Social Cristão (PSC), importantes forças políticas adversárias do correísmo.
- Legitimar-se no poder -
Segundo as principais pesquisas, o "sim" promovido por Moreno ganharia por uma ampla maioria, com entre 72% e 84% dos votos.
"É a estabilidade econômica, a estabilidade política que está em jogo" na consulta, comentou Carolina Illescas, uma funcionário do setor privado de 31 anos, em conversa com a AFP.
Para o cientista político Simón Pachano, "a margem (de vitória) é o que se deve ver. Se Lenín Moreno obtiver uma margem grande, ele conseguiria o objetivo fundamental da consulta, que é se legitimar" no cargo.
"Todos os votos do 'não' serão de Rafael Correa. Suponhamos que ele tenha 40%. Ele pode reivindicar isso e dizer 'somos a primeira força política do país'", completou Pachano, catedrático da Facultade Latino-Americana de Ciências Sociais (Flacso) de Quito.
"A liderança de Moreno está sendo colocada à prova na consulta. A ideia é dar a ele o mandato que não obteve nas eleições anteriores, posto que ainda contava com o apoio de Correa", explicou o cientista político Esteban Nichols.
Mas este analista da Universidade Andina Simón Bolívar adverte que todas as forças que o apoiam "vão tentar tirar um pedaço de uma eventual vitória do 'sim'", o que poderia dificultar a governabilidade e a estabilidade política no país.
Os economistas lembram que o modelo econômico de alto endividamento e elevado gasto público que caracterizaram os últimos anos de Correa deixaram um grande déficit fiscal.
Uma vitória do "sim" poderá dar ao presidente o capital político necessário para tomar determinadas medidas de ajuste, certamente pressionado pelas forças conservadoras que o apoiam.