Mulher caminha em Alepo, na Síria: turcos estão lucrando com o domínio islâmico no país (REUTERS/Hamid Khatib)
Da Redação
Publicado em 5 de novembro de 2014 às 15h30.
Istambul - Negociantes turcos de todo tipo de produto, de bebidas energéticas Red Bull até cimento, estão lucrando com o domínio islâmico na Síria, enquanto os militantes recheiam seus cofres cobrando tarifas para permitir a travessia pelas fronteiras.
A Turquia exportou US$ 1,3 bilhão em produtos para a Síria até setembro, maior total já registrado em um período de nove meses, segundo estatísticas comerciais publicadas em Ancara na semana passada.
O incremento ocorreu depois que o governo do presidente Bashar al-Assad, em Damasco, perdeu o controle da maior parte das passagens da fronteira com a Turquia, deixando-as para grupos rebeldes como o Exército Livre da Síria e a Frente Islâmica, além de extremistas do Estado Islâmico.
“Quem controla cada lado de qualquer fronteira internacional afirma ter licença para cobrar pedágios e tarifas”, disse Francis Ricciardone, um ex-embaixador dos EUA na Turquia, agora diretor do Centro Rafik Hariri para o Oriente Médio, da think tank Atlantic Council, de Washington.
“Onde não há lei, grupos criminosos vão extorquir tudo o que o mercado transportar”.
A troca de produtos reflete como o conflito sírio se arraigou e como qualquer acordo de paz continua sendo uma ilusão.
Os combates, que começaram em março de 2011 e deflagraram uma guerra civil, deixaram mais de 190.000 mortos e deslocaram milhões de pessoas, segundo dados de agosto da Organização das Nações Unidas.
Embora a Turquia tenha imposto sanções financeiras a Assad três anos atrás, o comércio é legal e aparece nas informações aduaneiras da Turquia.
Os transportadores entram em uma terra de ninguém, onde o controle estatal está ausente, e pagam a quem estiver no controle do cruzamento da fronteira.
Bebidas energéticas
“Todos os dias temos quatro ou cinco caminhões carregando Red Bull para a Síria”, disse Mustafa Yilmaz, proprietário da empresa turca Cem-Ay Transport, em entrevista por telefone, no dia 28 de outubro.
Neste ano, mais de US$ 260 milhões cruzaram a fronteira por Cilvegozu e Oncupinar, mostram os números turcos. São cidades adjacentes a Bab al-Salamah e Bab al-Hawa, no norte da Síria, que são controladas pela Frente Islâmica, uma coalizão de militantes que luta contra o regime de Assad e o Estado Islâmico.
Outros US$ 320 milhões em produtos cruzaram para a Síria a partir de Gaziantep, localizada nas proximidades, segundo os números.
O assessor de imprensa do Ministério da Alfândega turco, Yakup Bulut, disse no dia 3 de novembro que não havia ninguém disponível para comentar. O Ministério da Economia não respondeu às perguntas enviadas por escrito nesta semana.
Pessoas deslocadas
A Câmara da Indústria de Alepo rejeitou a ideia de um incremento no comércio. Fares Shihabi, chefe da organização, disse que as importações da Turquia caíram cerca de 90 por cento por causa da guerra.
“Não há rotas em funcionamento”, disse ele, por telefone, de Damasco. “Vamos supor que haja um comércio regular, que não haja guerra, que não haja ninguém apoiando os terroristas e que tudo esteja normal.
O tamanho do mercado encolheu, porque entre 3 e 4 milhões de pessoas estão fora do país”.
Óleo de cozinha
As exportações turcas para a Síria somaram US$ 1,3 bilhão em 2011 e caíram para US$ 391 milhões um ano depois, segundo informações oficiais.
Os registros mais recentes da agência de estatísticas da Turquia mostram que agora há produtos de todo tipo, de óleo vegetal até motocicletas, sendo transportados para a Síria.
A maior quantidade foi listada em uma categoria variada com o nome “bens de consumo pessoal, provisões”.
Ao decidir continuar fazendo negócios com grupos armados na fronteira, a Turquia está aceitando a realidade de que por algum tempo poderá não ter um governo oficial contraparte para lidar com a Síria, segundo Nihat Ali Ozcan, analista da Fundação de Pesquisas sobre Política Econômica da Turquia, em Ancara.
“A Turquia provavelmente terá que viver com atores não estatais em sua fronteira do sul por uma década, talvez, ou mais”, disse Ozcan, em entrevista por telefone, em 3 de novembro.
“Os comerciantes são forçados a negociar com vários grupos diferentes, como na Idade Média, quando seus produtos passam por esses territórios”.