Fiona Mutesi
Fernando Pivetti
Publicado em 27 de novembro de 2016 às 07h00.
Última atualização em 27 de novembro de 2016 às 07h00.
Nova produção dos estúdios Disney em parceria com a ESPN Films, Rainha de Katwe estreou nos cinemas brasileiros na última quinta-feira (24).
O filme conta a história de Phiona Mutesi (Madina Nawanga), menina analfabeta de uma das maiores favelas de Kampala, capital de Uganda, que vê sua vida mudar depois de descobrir - com a ajuda de um professor - que é uma prodigiosa enxadrista.
A seguir, listamos quatro bons motivos para você assistir, na telona, a essa jornada de superação pelo esporte.
Para quem gosta de filmes com um pé na realidade, este é um dos pontos positivos de Rainha de Katwe. A imprevisível história da garota pobre que se torna uma campeã de xadrez reconhecida internacionalmente é baseada em fatos reais.
A saga de Phiona se tornou pública em 2011, por meio do perfil Game of Her Life, publicado pelo jornalista Tim Cothers na ESPN Magazine.
O artigo virou livro no ano seguinte, obra essa que teve os direitos comprados pela Disney. Hoje, Phiona tem 20 anos e segue jogando em grandes campeonatos de xadrez.
Em tempos de fortes discussões sobre a invisibilidade do negro na mídia, Rainha de Katwe surge como um bom exemplo de como a indústria cinematográfica pode colaborar para o fim deste problema.
É nítido o cuidado que os estúdios Disney tiveram em apresentar uma trama com protagonismo negro, respeitando da melhor forma possível a identidade e vivências dos personagens retratados.
A produção foi totalmente gravada em Katwe, onde a realidade é de miséria, fome e luta por sobrevivência. No entanto, nesse lugar de privações também há espaço generosidade, afeto, cores e alegria. Nesse contexto, estrelas como Lupita Nyong'o e David Oyelowo (Selma e O Mordomo da Casa Branca) dividem - brilhantemente - espaço na tela com estreantes, moradores da região de Katwe, caso da protagonista Madina Nalwanga.
É impossível não citar Lupita como um dos pontos altos do filme. Ela brilha na pele de Nakku Harriet, a mãe de Phiona. Viúva, mãe de quatro filhos, Nakku vende vegetais nas ruas para conseguir o sustento de casa.
Como uma leoa, ela defende os filhos e tenta dar a eles o melhor que está ao seu alcance.
O cansaço e a dor de sucessivas tragédias familiares marcam a expressão da personagem ao longo de todo o filme.
Os momentos mais dramáticos da produção são protagonizados por Nakku, ora sofrendo por ausências, ora protegendo os filhos, ora não compreendendo as mudanças ao seu redor. Filha de quenianos, Lupita revelou que esse foi um trabalho especial para ela.
"Eu me senti privilegiada e honrada de poder auxiliar essas crianças", afirma, emocionada, no vídeo de divulgação abaixo.
"Só disse a elas que era a nossa oportunidade de contar sua história ao mundo. Foi aí que a separação entre a vida real e o cinema deixou de existir”, completa.
A direção do filme é de Mira Nair, cineasta indiada radicada nos EUA, que tem uma ligação especial com a trama: ela morou em Kampala por mais de 25 anos.
“É um privilégio fazer um filme sobre Katwe em Katwe, com as pessoas que dão vida à história”, ela diz no mesmo vídeo de divulgação. Talvez esteja aí a explicação para o olhar afetuoso que se tem sobre a favela ugandense.
A saga extraordinária de Phiona acontece em um ambiente inóspito, realidade pouco conhecida do público alvo da Disney.
Na trama, o prato está sempre vazio. Não há conforto e a violência não dá trégua. O machismo é quase onipresente e saneamento básico não existe. Não há dinheiro para pagar contas e comprar remédios e as chuvas invariavelmente levam embora os poucos pertences.
Apesar dessa realidade dramática - parecida com a de muitas favelas mundo afora -, Mira consegue transmitir uma imagem de Katwe rica em cultura, nas roupas multicoloridas, nos turbantes e penteados afro, na dança fácil que surge em qualquer comemoração; e em sentimentos, com os abraços apertados em família e os sorrisos de esperança por dias melhores.
Mas não pense você que Rainha de Katwe não escapa de algum deslize. O filme atinge o objetivo de transformar a história de Phiona em um conto de fadas, mas erra ao tentar vender a ideia de que com persistência e determinação – como no jogo de xadrez – qualquer criança ou pessoa em situação adversa pode alcançar o sucesso. Sabe-se que o discurso de meritocracia é bonito, mas perde força quando se coloca em perspectiva séculos de profunda desigualdade social.
No entanto, essa questão não tira o brilho e a força do filme, que vem em boa hora com seu protagonismo negro e bela história.
Essa matéria foi originalmente publicada no portal HuffPost Brasil