WASHINGTON, DC - JULY 14: Speaker of the House Nancy Pelosi (D-CA) during her weekly news conference on July 14, 2022 in Washington, DC. Speaker earlier in the day. Attended the Lying in Honor event of Hershel Woodrow "Woody" Williams that was held in the United States Capitol Rotunda during a Congressional tribute ceremony. (Photo by Tasos Katopodis/Getty Images) (Tasos Katopodis/Getty Images)
Carolina Riveira
Publicado em 2 de agosto de 2022 às 11h12.
Última atualização em 11 de agosto de 2022 às 14h33.
A presidente da Câmara dos Estados Unidos, Nancy Pelosi, partiu no fim de semana para um tour pela Ásia que poderia ser somente mais um compromisso diplomático - mas que, desta vez, chegou a proporções geopolíticas incertas.
A situação escalou após as notícias de que Pelosi planejava visitar Taiwan, território separado da China continental e que é motivo de controvérsias nos últimos 70 anos. Em viagem não confirmada até o último minuto, a parlamentar desembarcou na ilha na manhã de terça-feira, 2.
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Os rumores antes da viagem desencadearam críticas da China contra os Estados Unidos, enquanto o governo do presidente americano, Joe Biden, disse que a decisão seria "exclusivamente" da presidente da Câmara, e que sua viagem não se deu por ordem da Casa Branca.
Aos 82 anos, Pelosi é membro do Partido Democrata, o mesmo do presidente Biden, e se tornou nos últimos anos um dos símbolos do alto escalão da legenda.
A parlamentar é atualmente presidente do equivalente à Câmara dos Deputados dos Estados Unidos (no termo em inglês, house speaker).
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Ela ocupa o cargo mais importante da Câmara desde 2019, ainda no governo do ex-presidente Donald Trump (2017-2020), do opositor Partido Republicano.
Pelosi chegou ao cargo depois que os democratas obtiveram maioria na Câmara nas eleições de meio de mandato daquele ano.
(Nos EUA, há eleições legislativas junto à eleição presidencial para parte das cadeiras no Senado e na Câmara e, dois anos depois, no meio do mandato presidencial, ocorrem as "eleições de meio de mandato", que renovam todas as cadeiras na Câmara e parte do Senado.)
Durante a segunda metade do governo Trump, Pelosi teve posição de destaque na oposição ao ex-presidente, chegando a liderar dois pedidos de impeachment aprovado contra ele na Casa (e que foram rejeitados no Senado na sequência).
Antes disso, Pelosi já havia sido presidente da Câmara entre 2007 e 2011, liderando a oposição no fim do governo George W. Bush (2003-2008) e depois a situação no começo do governo Barack Obama (2009-2016).
Na ocasião, se tornou a primeira mulher a presidir a Câmara dos EUA. "Este é um momento histórico - para o Congresso e para as mulheres deste país. É um momento pelo qual esperamos mais de 200 anos", disse na época.
Nascida Nancy Patricia D'Alesandro Pelosi, a atual presidente da Câmara é parlamentar desde 1987, sendo representante de distritos da Califórnia, na costa oeste dos EUA e estado historicamente com votos mais progressistas.
Ela tem sido sucessivamente eleita desde então, primeiro pelo 5º, depois 8º e atualmente pelo 12º distrito, que compreende parte de São Francisco.
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Apesar da carreira política construída na Califórnia, Pelosi nasceu de fato em Baltimore (do outro lado do país, no estado de Maryland), em 1940, a única filha e caçula após seis irmãos. Seu pai, de origem italiana, fez carreira política na cidade e chegou a se tornar prefeito, assim como um de seus irmãos, e Pelosi teve contato com política desde pequena.
Pelosi estudou na capital Washington D.C, se formando em 1962 na Trinity College, uma universidade privada. Depois, se mudaria para São Francisco, onde começou de fato sua carreira eleitoral.
Apesar de ser reeleita 17 vezes até o momento, Pelosi representa distritos que têm votado somente em políticos democratas nos últimos 70 anos. Na prática, a congressista não sofre forte oposição para se eleger.
Desde sua ascensão na política nacional, a imagem de Pelosi não é unanimidade por parte dos eleitores nacionalmente, nem mesmo entre democratas.
No histórico recente compilado pela YouGov entre o eleitorado, Pelosi tem percentual favorável abaixo de Biden tanto entre o eleitor geral (43% com visão favorável de Biden e 36% para Pelosi) quanto só entre os registrados como democratas (81% para Biden e 72% para Pelosi).
Uma tentativa frequente de opositores republicanos é buscar vincular a imagem de Pelosi a políticos democratas - o que ocorreu do ex-presidente Barack Obama ao próprio Biden atualmente.
A relação entre Biden e Pelosi é complexa. A presidente da Câmara é aliada de primeira ordem do governo por ser a líder da bancada democrata na Câmara. Mas, pessoalmente, os dois já tiveram rusgas.
A viagem de Pelosi a Taiwan, desencorajada por Biden segundo declarações da Casa Branca, é só a última delas. "O Exército não acha que é uma boa ideia", disse Biden em julho sobre a ida da democrata a Taiwan.
Pelosi tem historicamente posições duras contra a China, o que está na raiz de seu desejo de viajar a Taiwan. Além disso, nos bastidores da política interna americana, também discute-se se a viagem não é uma forma de sinalizar para eleitores mais conservadores e anti-China que a bancada democrata no Congresso, liderada por Pelosi, será dura em suas posições e "independente" de Biden quando necessário.
Os democratas enfrentam em novembro deste ano novas eleições de meio de mandato, e pesquisas até agora apontam que o partido do governo pode perder para os republicanos a pequena maioria que possuem hoje na Câmara e no Senado.
A última vez que um oficial estadunidense de escalão equivalente ao de Pelosi havia visitado Taiwan foi nos anos 1990, quando as relações entre China e EUA eram muito mais amenas.
Em 1997, outro presidente da Câmara, o republicano Newt Gingrich, visitou a ilha.
Agora, em um cenário em que a China se tornou uma potência mundial e está em guerra comercial aberta com os EUA, o governo chinês tem dito que a visita de Pelosi a Taiwan pode ter "consequências" e afirmou aos EUA que não "brinque com fogo".
Na semana passada, a urgência do tema levou até mesmo Biden e o presidente chinês Xi Jinping a terem uma rara conversa por telefone.
Desde os primeiros rumores sobre a viagem de Pelosi, a Casa Branca tem corrido para tentar afirmar que não tem relação com a visita. "Membros do Congresso tomam suas próprias decisões", disse a secretária de imprensa de Biden, Karin Jean-Pierre.
Taiwan é uma ilha com cerca de 24 milhões de habitantes, a menos de 200 quilômetros da China continental.
O território se considera independente desde 1949, ano em que o Partido Comunista Chinês de Mao Tse-Tung venceu na prática uma guerra civil que perdurava desde 1927 e chegou ao poder na China continental.
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Os EUA não reconhecem diplomaticamente Taiwan como país, mas a autonomia da ilha é um dos assuntos prioritários em Washington. Os EUA dizem defender o "status quo", isto é, que Taiwan continue com governo autônomo frente à China, mesmo que não como um país.
No auge da Guerra Fria, Taiwan e os EUA assinaram em 1954 um acordo de defesa mútua, mas o acordo seria encerrado em 1979, quando os EUA passaram a reconhecer o governo comunista na China continental.
A partir daí, os americanos oferecem somente apoio técnico a Taiwan, mas não têm compromisso de defesa. Os EUA evitam mencionar atualmente que defenderão Taiwan no caso de um ataque chinês. Na outra ponta, o governo americano foi fonte de muitas mensagens ambíguas sobre o tema nos últimos anos, incluindo em declarações de Biden.
A China, por sua vez, não considera Taiwan um território separado da porção continental e não esconde que deseja submeter a ilha ao governo de Pequim.
A divisão a respeito do tema se torna ainda mais relevante à medida em que crescem as disputas dos EUA com a China. O novo cenário global faz com que Taiwan seja, na prática, um dos elementos em debate na guerra comercial e política entre as duas potências.
*A reportagem foi atualizada para incluir a chegada de Nancy Pelosi a Taiwan na terça-feira, 2 de agosto.
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