Hunter Biden: filho do presidente dos EUA lança livro sobre suas memórias. (Paul Morigi/Getty Images)
EFE
Publicado em 26 de setembro de 2019 às 18h25.
Washington — A controversa ligação que motivou a abertura de um processo de impeachment contra o presidente dos Estados Unidos, Donald Trump, tem um protagonista inesperado que tornou-se o pivô de uma das maiores crises políticas da história recente do país: Hunter Biden.
Filho de Joe Biden, vice-presidente do país durante os dois mandatos de Barack Obama e um dos candidatos democratas nas primárias para as eleições de 2020, Hunter, de 49 anos, era o principal alvo da investigação pedida por Trump ao presidente da Ucrânia, Vladimir Zelenski, durante a conversa que abalou as estruturas de Washington e pode provocar a saída antecipada do republicano no poder.
Um memorando divulgado ontem pela Casa Branca mostra Trump solicitando reiteradas vezes a Zelenski para investigar, com apoio das autoridades americanas, a atuação do filho de Biden na Ucrânia. Hunter fez parte do conselho de administração da empresa de gás ucraniana Burisma por cinco anos, como parte de uma "junta internacional de alto perfil" montada por Mykola Zlochevsky, empresário e ex-ministro de Ecologia do país.
Para justificar a abertura do impeachment, os democratas acusaram Trump de trair a Constituição e de ameaçar a segurança nacional do país ao tentar pressionar o presidente de um país estrangeiro a investigar dois americanos — Biden e o filho — para obter benefícios políticos nas eleições de 2020.
Infância e estudos em universidades de elite
O episódio que marcou a infância de Hunter ocorreu em 1972, quando ele sofreu um grave acidente de carro no qual morreram sua mãe e sua irmã mais nova. Ele e seu outro irmão, Beau, que faleceu em 2015 vítima de um câncer, foram os únicos sobreviventes.
Mais tarde, Hunter estudou História na Universidade de Georgetown, em Washington, e obteve um mestrado em Direito na prestigiada Universidade de Yale, em 1996.
Uso de drogas, álcool e prostitutas
Em uma longa entrevista concedida à revista "The New Yorker" em julho deste ano, Hunter admitiu ter consumido álcool e diferentes tipos de drogas durante décadas. De fato, o filho de Biden foi expulso da Marinha dos EUA após testar positivo para cocaína em um exame.
A ex-esposa de Hunter, Kathleen, entrou com uma ação contra ele em 2017 e pediu à Justiça para congelar os bens do ex-marido alegando que ele "criou preocupações financeiras para família ao gastar de maneira extravagante em seus próprios interesses", que seriam, segundo ela, drogas, álcool, prostitutas, clubes de striptease e presentes para mulheres com as quais teve relações sexuais. Hunter nega as acusações.
Em 2015, Kathleen, primeira esposa de Hunter e mãe de seus três filhos, pediu a ele o divórcio após 24 anos de casado acusando-o de infidelidade. Pouco depois, Hunter começou a sair com Hallie, a viúva do irmão falecido no mesmo ano devido a um câncer cerebral. O romance recebeu "apoio total" de Biden e sua atual mulher, Jill.
No entanto, Hunter e Hallie se separaram no início deste ano. Em maio, o filho do ex-vice-presidente se casou pela segunda vez com a diretora de cinema sul-africana Melissa Cohen.
Negócios suspeitos
Apesar de o escândalo envolver as relações de Hunter com a Ucrânia, a vida profissional do filho de Joe Biden é marcada por casos nada transparentes. Quando estava no conselho do Programa Mundial de Alimentos dos EUA, Hunter sugeriu ao magnata chinês Ye Jiamming a utilização de "contatos" que ele possuía para identificar oportunidades de investimento.
Na mesma noite, Ye enviou um diamante de 2,8 quilates, avaliado em cerca de US$ 80 mil, ao quarto de Hunter. O filho de Biden descartou que o presente fosse, na verdade, um suborno, mas evitou ficar com a pedra preciosa e a repassou para seus sócios.
Ucrânia
A partir de abril de 2014, quando seu pai era vice-presidente de Barack Obama, Hunter Biden entrou no conselho de administração da empresa ucraniana Burisma, grande produtora de gás.
A companhia está registrada no Chipre, um paraíso fiscal, algo comum em muitos países da extinta União Soviética.
Nesta época, a Burisma anunciou que Hunter ficaria encarregado de representar a empresa nas organizações internacionais, sem divulgar mais detalhes. Ele mesmo explicou que iria assessorar o grupo sobre "transparência", no momento em que seu pai era responsável pelas relações com a Ucrânia.
Fundada em 2002, a Burisma é uma companhia polêmica, propriedade do empresário Mykola Zlochevski. Mais tarde, este último se tornou um deputado do pró-russo Partido das Regiões. Entre 2010 e 2012, Zlotchevski foi ministro do Meio Ambiente do presidente pró-russo Viktor Yanukovytch.
Uma fonte ocidental ouvida pela AFP em Kiev explicou como muitos no mundo dos negócios se surpreenderam com a chegada de Biden à Burisma, levando-se em conta a "má reputação" do grupo. As atividades da empresa dispararam quando Zlotchevski entrou na política.
"Acredito que a principal razão de trazer Hunter Biden para o conselho de administração era reforçar a reputação da Burisma", disse esta fonte, que não considera, porém, suspeitas suas atividades dentro da empresa.
"50.000 dólares [de salário] mensais é o preço que se tem que pagar para ter uma boa reputação", completou esta fonte.
Em fevereiro de 2014, o presidente Yanukovytch foi derrubado, em consequência da agitação do movimento pró-europeu do "Maidan", e as coisas mudaram na Ucrânia.
Por isso, a Burisma quis melhorar sua imagem, contratando figuras internacionais, como Hunter Biden, ou o ex-presidente polonês Aleksander Kwasniewski.
Dois especialistas ucranianos em energia consultados pela AFP disseram não ter conhecimento de registros de qualquer atividade - suspeita, ou não - de Hunter Biden na Ucrânia.
Alguns jornais afirmam que sua presença na Burisma, onde esteve até 2019, teria servido à companhia para evitar processos judiciais.
A chegada ao poder na Ucrânia de dirigentes pró-europeus após a fuga de Yanukovytch marcou o início de várias investigações por corrupção contra os ex-líderes.
Em abril de 2014, quando Biden entrou na Burisma, Londres bloqueou 23 milhões de euros das contas de Zlotchevski no país. Várias investigações por corrupção e lavagem de dinheiro tiveram início na Ucrânia e na Grã-Bretanha.
Na Ucrânia, as investigações foram lideradas pelo procurador geral Viktor Shokin. Joe Biden pediu que fosse destituído por seus maus resultados na luta contra a corrupção.
Segundo Donald Trump e seu advogado Rudy Giulani, o real motivo de Biden era outro, porém: proteger o filho. Uma hipótese que muitos na Ucrânia consideram improvável.
Na mesma época, a União Europeia (UE) e o Fundo Monetário Internacional (FMI) também pediram a demissão do procurador-geral, acusado de acobertar a corrupção no país e de sabotar as reformas anticorrupção.
(Com EFE e AFP)