Chow em viagem ao Japão, em 2019: restrições ficaram piores em Hong Kong nos últimos meses (Keith Tsuji/Getty Images)
Repórter de Economia e Mundo
Publicado em 15 de agosto de 2020 às 08h00.
Última atualização em 21 de abril de 2023 às 15h59.
Agnes Chow tem apenas 23 anos, mas já é uma das figuras políticas mais importantes da Ásia. A jovem angariou uma legião de seguidores e apoiadores em Hong Kong, onde ela participou ativamente dos protestos contra restrições à liberdade na ilha. Agora, o governo de Hong Kong, vinculado à China, pode condenar Chow a prisão perpétua por sua participação nos movimentos políticos.
É nesse cenário que um número crescente de pessoas passou a se referir a Chow como a "verdadeira Mulan", fazendo referência à lenda da heroína que ficou conhecida ao virar animação da Disney em 1998. A lenda original na qual a Disney se inspirou vem de um poema do século 7. No filme, Mulan é ainda muito jovem, mas se finge de homem para lutar numa guerra no lugar do pai e termina salvando a China.
A animação da Disney também virou novo filme, com atores reais, a ser lançado neste ano. E é aí que as histórias de Agnes Chow e Mulan se entrelaçam mais: a atriz chinesa e americana escolhida para o papel de Mulan, Liu Yifei, causou polêmica com os manifestantes de Hong Kong.
No ano passado, Liu escreveu na rede social chinesa Weibo que apoiava a ação da polícia contra manifestantes em Hong Kong. "Eu também apoio a polícia de Hong Kong. Agora podem me atacar", escreveu. O comentário gerou uma onda de críticas à atriz por parte de pessoas a favor dos protestos, em Hong Kong e em todo o mundo.
Parte dos críticos iniciou um movimento pedindo boicote global ao filme da Disney no qual Liu estava para entrar em cartaz -- devido à pandemia do novo coronavírus, a nova versão de "Mulan" será lançada somente na plataforma de streaming Disney+, em setembro.
Usuários chegaram a escrever nas redes sociais que, diante do posicionamento de Liu, era a ativista Agnes Chow a "verdadeira Mulan". A comparação é feita diante do ativismo de Chow pelas liberdades em Hong Kong e pela raiz chinesa da ativista.
Chow nasceu em Hong Kong quando a ilha ainda era colônia do Reino Unido, em 1996. No ano seguinte, Hong Kong passou novamente a ser território da China. A ilha viveu nas últimas décadas com o modelo chamado de "um país, dois sistemas", gozando de mais liberdades do que a China continental.
Por ter nascido na Hong Kong britânica, Chow tinha cidadania do Reino Unido, à qual renunciou em 2018 para disputar eleições legislativas (sua candidatura terminou sendo barrada). Ao lado do colega Joshua Wong, hoje um dos mais conhecidos ativistas de Hong Kong, Chow fundou o partido Demosisto.
Além de uma variante do mandarim, lingua chinesa, e inglês, Chow fala japonês fluentemente, que ela afirma ter aprendido assistindo a animações na televisão. Por esse motivo, ela dá entrevistas a jornais japoneses e tem muitos fãs no país, onde a imprensa passou a chamá-la de "Deusa da Democracia". Os japoneses e a China têm conflitos históricos, o que faz do Japão um dos maiores críticos das restrições a Hong Kong.
A carreira política de Chow começou ainda na escola, por volta dos 15 anos, quando ela participou de protestos contra mudanças curriculares em Hong Kong. Os alunos na ilha não eram submetidos a restrições no currículo como os chineses, algo que o governo pretendia mudar. No fim, protestos massivos de estudantes secundaristas levaram o governo a voltar atrás na decisão.
Foi a partir desses protestos que Chow ingressou em movimentos ativistas por liberdades individuais em Hong Kong e menor controle da China. Ao lado do colega Joshua Wong, hoje um dos mais conhecidos ativistas de Hong Kong, Chow fundou o partido Demosisto, dissolvido neste ano.
Os dois já haviam participado em 2014 do "movimento dos guarda-chuvas", protestos de 79 dias que pediam voto direto para escolher o líder em Hong Kong, atualmente escolhido por Pequim. A atual líder é Carrie Lam, historicamente aliada de Pequim e que vem ajudando o governo chinês a reprimir protestos na ilha.
Já os protestos em Hong Kong no ano passado foram desencadeados por uma nova lei de segurança nacional que permitiria que pessoas presas na ilha fossem enviadas para julgamente na China continental.
O aumento das restrições sobre a ilha, mesmo antes dos protestos, vinha acontecendo sobretudo no governo do presidente Xi Jinping, líder chinês desde 2013.
"O governo só quer jovens que mostrem seu afeto pela China e pelo Partido Comunista. Qualquer desvio de pensamento agora é inaceitável", disse Chow ao jornal britânico The Guardian em 2018.
Após meses de manifestações -- que enfraqueceram com o distanciamento obrigado pela pandemia --, a China terminou passando a lei de segurança no último mês de junho.
Com isso, o Demosisto acabou, candidatos de oposição foram barrados em eleições legislativas que aconteceriam neste ano (e foram adiadas) e uma série de ativistas foi preso.
É o caso de Chow, presa no último dia 10 de agosto, assim como Joshua Wong e outros ativistas de seu grupo, além do magnata da mídia Jimmy Lai. Os ativistas foram liberados dias depois, mas ainda enfrentarão julgamento, acusados de coalizão com forças internacionais -- acusação que está na nova lei de segurança nacional mas foi considerada vaga por críticos e organizações de direitos humanos.
Ao jornal South China Morning Post, Chow afirmou que é "muito óbvio que o regime está usando a lei de segurança nacional para sufocar dissidentes políticos".
A leitura internacional é que Hong Kong acabou de vez com o modelo de "um país, dois sistemas" e que, agora, será cada vez mais como a China. "Eu fui presa quatro vezes, mas, sendo sincera, essa foi a vez em que eu fiquei mais assutada. E foi a mais difícil", disse Chow.