Putin e Trump: encontro levou a um giro espetacular na política externa e de defesa dos EUA (Carlos Barria/Reuters)
EXAME Hoje
Publicado em 20 de julho de 2017 às 18h18.
Última atualização em 20 de julho de 2017 às 18h20.
Ao completar seis meses no cargo, o presidente Donald Trump promove um giro espetacular na política externa e de defesa dos Estados Unidos. O jornal The Washington Post noticiou nesta quinta-feira que Trump decidiu pôr fim ao programa da CIA de treinamento de rebeldes árabes seculares do Exército Sírio Livre.
Esse era um pedido do presidente da Rússia, Vladimir Putin, com quem Trump se reuniu pela primeira vez durante a cúpula do G-20 em Hamburgo, no dia 7. Depois do encontro, Trump anunciou um acordo de cessar-fogo em três províncias do sudoeste da Síria, e acrescentou mais tarde que outros passos seriam dados para tentar pôr fim ao conflito.
O programa foi criado em 2013 pelo então presidente Barack Obama. Cerca de 10.000 guerrilheiros árabes receberam armas leves e treinamento na Turquia e na Jordânia, para lutar contra as forças leais ao regime de Bashar Assad e o Estado Islâmico.
Durante a campanha, Trump prometeu priorizar o combate aos extremistas islâmicos, em vez de derrubar Assad. Entretanto, em abril, três meses depois de sua posse, ele ordenou um bombardeio contra uma base aérea síria, da qual haviam partido aviões que realizaram um ataque com armas químicas no norte do país.
Na época, a embaixadora dos EUA na ONU, Nikki Haley, declarou: “De maneira alguma vemos paz naquela área com Assad à frente do governo sírio”. Parece que o encontro com Putin mudou (de novo) a visão de Trump.
Ou melhor, os encontros. Ian Bremmer, presidente da consultoria internacional Eurasia Group, de Nova York, revelou na segunda-feira que, depois da reunião formal de 2 horas e 15 minutos, Trump e Putin voltaram a conversar por cerca de uma hora, durante o jantar dos chefes de Estado e de governo.
Segundo relatos dos presidentes, Trump saiu de sua cadeira e se sentou ao lado do presidente russo, e conversaram na presença apenas do intérprete de Putin. A Casa Branca confirmou que os dois conversaram durante a sobremesa, mas minimizou o episódio, alegando que vários governantes bateram papo durante o jantar. Entretanto, os repórteres que cobriam o evento notaram que os comboios de Trump e de Putin saíram mais tarde que os das outras autoridades.
“Esta é uma decisão momentosa”, disse ao Washington Post um funcionário do governo americano, referindo-se à interrupção do programa da CIA. “Putin venceu na Síria.”
A Rússia tem uma importante base naval no porto sírio de Tartous, no Mediterrâneo, vende armas para a Síria e apoia incondicionalmente o regime de Assad. Assim como o Irã, que engajou a milícia xiita libanesa Hezbollah, por ele patrocinada, na luta contra o Exército Sírio Livre (ESL).
A ajuda militar americana aos rebeldes levou também a Rússia a intervir na Síria, em 2013. Obama, no entanto, não atendeu pedidos insistentes dos rebeldes por armas mais pesadas, como peças de artilharia antiaérea, para atacar os aviões sírios e russos. O presidente tinha dois receios: a escalada de um conflito indireto com a Rússia e que essas armas caíssem nas mãos de grupos radicais islâmicos, alguns deles aliados do ESL.
Por isso dentro mesmo do governo de Obama havia críticas a esse programa: ele não era capaz de mudar o equilíbrio de forças entre rebeldes, regime e Estado Islâmico (EI), e ainda servia de pretexto para a Rússia intervir na Síria.
Os EUA continuarão fornecendo treinamento e armas para os guerrilheiros curdos, que avançam sobre a província de Raqqa, no nordeste da Síria, controlada pelo EI. E com os bombardeios contra alvos do grupo na Síria e no Iraque, onde militares americanos também apoiam a ofensiva por terra do Exército iraquiano.
A decisão causa preocupação entre alguns analistas. “Estamos caindo numa armadilha russa”, avalia Charles Lister, especialista em Síria do Middle East Institute, em Washington. “Estamos tornando a resistência moderada cada dia mais vulnerável. Estamos realmente cortando o pescoço deles.”
Já Ilan Goldenberg, funcionário do Departamento de Estado na área de Oriente Médio no governo Obama, considerou o fim do programa “um reconhecimento da realidade”, mas advertiu que os EUA não podem abandonar os rebeldes à própria sorte: “Isso seria um enorme erro estratégico”.
Há uma dúvida anterior a essa, no entanto: se Trump segue de fato uma estratégia, ou se a cada três meses veremos giros de 180 graus.