ALEXEI NAVALNY: o opositor do governo de Putin foi preso por ter convocado protestos em toda a Rússia na última segunda-feira / Sergei Karpukhin/Reuters
Da Redação
Publicado em 19 de junho de 2017 às 09h06.
Última atualização em 22 de junho de 2017 às 17h57.
Lourival Sant’Anna
Não se pode dizer que na Rússia acusações de corrupção contra o governo ficam impunes: os autores das denúncias normalmente são castigados. Foi o que aconteceu com o ativista anticorrupção Aleksei Navalny, que ainda por cima tem planos de desafiar Vladimir Putin na eleição presidencial de março do ano que vem.
Navalny, um carismático advogado de 41 anos, foi detido ao sair de sua casa para participar dos protestos que ele mesmo convocara, na segunda-feira 12. Ele foi condenado a 30 dias de prisão, por convocar uma manifestação não autorizada pelo governo. Preso já várias vezes nos últimos anos, Navalny chegou a fazer piada, dizendo que não queria perder o show da banda Depeche Mode, dia 15 de julho em Moscou.
Assim como ele, cerca de 1.000 manifestantes foram detidos. Os protestos reuniram dezenas de milhares de pessoas em quase cem cidades russas. Manifestações semelhantes ocorreram no dia 26 de março, depois da exibição, no YouTube, de um documentário produzido pela Fundação Anti-Corrupção, liderada por Navalny.
Como seu acesso às TVs russas está vetado pelo governo, o ativista lançou mão da plataforma digital, e seu filme teve 23 milhões de visualizações. O documentário de 50 minutos afirma que o primeiro ministro Dmitri Medvedev acumulou uma fortuna desviada de corrupção, resultando na compra de propriedades luxuosas, como mansões e vinícolas na Toscana, Além de um iate gigante.
Um detalhe mencionado no filme — uma casa para patos no lago de uma dessas propriedades — chamou a atenção do público, que levou patos de borracha para as manifestações. Um grande pato inflável, ao estilo daquele usado nas campanhas da Fiesp, foi “detido” na manifestação.
O governo não achou graça: Medvedev tem se alternado nos cargos de presidente e primeiro-ministro com Putin, que assim se mantém no poder desde 1999 driblando os limites legais para as reeleições. E a plutocracia que gravita ao redor de Putin, formada a partir das privatizações das antigas estatais soviéticas, são parte de sua estratégia de perpetuação no poder. Os manifestantes, muitos deles com 20 anos de idade ou menos, gritavam: “Putin é ladrão”.
O mais interessante é que o vídeo foi exibido brevemente em dois sites governamentais: o do Ministério Público da cidade de Yaroslavl, no centro da Rússia, e o da administração regional de São Petersburgo. Mais tarde, o vídeo foi removido do site de São Petersburgo, enquanto que a página de Yaroslavl simplesmente saiu do ar. Segundo a mídia russa, os promotores suspeitam da ação de hackers. É como se Putin estivesse provando do próprio veneno: o FBI e a CIA afirmam que hackers a serviço do Kremlin invadiram as redes e bancos de dados da campanha da candidata democrata Hillary Clinton e também do sistema de votação, dessa forma ajudando na eleição de Donald Trump.
Putin domina a Duma, a Câmara dos Deputados russa. A reação às denúncias, por parte da vice-presidente do Comitê de Segurança e Anti-Corrupção da Casa, Natalya Poklonskaya, diz muito. Ela propôs que o comitê investigue se o Fundo Anti-Corrupção e a filial russa da Transparência Internacional cometeram algum crime de corrupção: “Consciência pesada se entrega, como diz o ditado”, ponderou a deputada. “Talvez seja por isso que eles gritam mais alto.”
Em entrevista à agência russa de notícias RNS, Poklonskaya advertiu que investigações sobre corrupção “podem ameaçar a paz e o bem-estar da Rússia”, e também que não se deve “agitar a opinião pública, jogar com ela, e usar uma situação, mesmo que de corrupção, para propósitos sinistros”.
Em pesquisa realizada em março pelo instituto Levada Center, 65% consideraram a corrupção “absolutamente inaceitável”. Em contrapartida, apenas 17% acham que a corrupção piorou desde que o presidente assumiu. Mas 45% dizem também que Putin não terá êxito no combate ao problema — a maior porcentagem nos últimos cinco anos.
Putin tem sido meticuloso na eliminação de toda oposição. Em 2015, ano anterior à realização de eleições para o Parlamento, o líder oposicionista Boris Nemtsov foi morto a tiros por homens que passaram em um carro, a poucos metros do Kremlin, à luz do dia. Nemtsov liderava manifestações contra o governo.
No dia 23 de março deste ano, o deputado Denis Voronenkov foi morto em Kiev, capital da Ucrânia, onde se exilara com sua mulher, a também deputada Maria Maksakova. Três dias antes, o deputado dera uma entrevista ao jornal The Washington Post, na qual disse que corria perigo, e só poderia voltar para seu país depois da saída de Putin. O presidente da Ucrânia, Petro Poroshenko, qualificou o ataque de “ato de terrorismo de Estado da Rússia”.
Em 2006, Alexander Litvinenko, ex-agente da FSB, a sucessora da KGB, foi envenenado em Londres com polônio, uma substância radioativa, que causa uma morte lenta e dolorosa. Especialista em crime organizado, Litvinenko acusou seus superiores no serviço secreto de executar o empresário Boris Berezovsky, outro opositor de Putin. Depois de rastrear a substância radioativa, a Scotland Yard provou a autoria de dois agentes russos. Putin foi treinado pela KGB e fez parte da FSB, da qual foi diretor, antes de assumir a presidência.
Sua própria ascensão ao poder foi antecedida por um episódio nebuloso: a mal explicada renúncia do então presidente Boris Yeltsin, no dia 31 de dezembro de 1999, depois da insistente divulgação de notícias desmoralizantes — até para os padrões russos — de que ele sofreria de problemas causados pelo alcoolismo. Yelstin entregou o cargo a seu primeiro-ministro: Putin.
A campanha para a eleição presidencial de março ainda nem começou, Putin não é candidato oficialmente e Navalny não tem sequer partido. Mas a batalha já está na rua.