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Protestos mostraram veia autoritária do governo turco

Istambul - Foi uma revolução ou uma mera revolta passageira? A primeira, os protestos que surgiram nos últimos dias de maio no parque Gezi de Istambul foram acalmando em julho e a normalidade voltou à Turquia. Mas os efeitos daqueles dias de barricadas foram mais duradouros. O que começou como um pequena protesto ecológico contra […]


	Manifestantes ocupam entrada do Gezi Park em Istambul, na Turquia
 (REUTERS/Murad Sezer)

Manifestantes ocupam entrada do Gezi Park em Istambul, na Turquia (REUTERS/Murad Sezer)

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Da Redação

Publicado em 20 de dezembro de 2013 às 21h52.

Istambul - Foi uma revolução ou uma mera revolta passageira? A primeira, os protestos que surgiram nos últimos dias de maio no parque Gezi de Istambul foram acalmando em julho e a normalidade voltou à Turquia. Mas os efeitos daqueles dias de barricadas foram mais duradouros.

O que começou como um pequena protesto ecológico contra a remodelação de uma zona verde no centro de Istambul se transformou em questão de dias nos maiores protestos populares da história da Turquia, com manifestações em quase todas as províncias, enfrentamentos policiais que chegaram a durar 24 horas sem descanso e a evidência de uma profunda fratura social e política.

Alguns analistas comparam a revolta à de maio 1968 em Paris: também em Istambul, o movimento era em grande parte estudantil e tinha um marcante caráter anti-autoritário, de rebelião contra os valores conservadores e islamitas do poder e com a exigência de liberdades não só políticas, mas também sociais.

"Liberdade de andar de mãos dadas, liberdade de se beijar público", pedia, por exemplo, um médico voluntário no acampamento autogerido no parque Gezi, antes de ele ser desmantelado pela polícia.

Foi precisamente a violência policial contra um pequeno grupo de ativistas que inflamou a sociedade e fez milhares de cidadãos a se mobilizarem para defender o parque.

Antes de os distúrbios retrocedessem os ativistas tomara a praça de Taksim e o parque Gezi, que rodearam com barricadas de paralelepípedos, material de obras e ônibus carbonizados.


Durante 15 dias, o centro econômico de Istambul viveu uma estranha autonomia, sem policiamento, mas com serviços de limpeza, ambulatórios médicos, cozinha popular e bibliotecas, tudo feito por voluntários.

A experiência uniu os mais diversos setores da sociedade turca, desde nacionalistas laicos a muçulmanos anticapitalistas, redes feministas, ativistas gays e lésbicas, associações culturais alevitas e partidos curdos, chegando a apagar as diferenças ideológicas normalmente insuperáveis e formar uma frente comum forjada pela mesma rejeição para o primeiro-ministro, o islamita moderado Recep Tayyip Erdogan.

Apesar do governo ter primeiro sido "suave" no tratamento aos ativistas sublevados, Erdogan rapidamente impôs uma linha dura, qualificando os manifestantes de "saqueadores", "vândalos", "extremistas", e inclusive de "terroristas".

As forças da ordem retomaram Taksim após duas semanas de batalhas populares nas quais a Turquia gastou praticamente suas reservas anuais de gás lacrimogêneo e nas quais dezenas de ativistas sofreram ferimentos graves e vários ficaram em coma.

Cinco pessoas morreram em diversas cidades da Turquia, duas vítimas de disparos, um ferido com gás lacrimogêneo, uma pessoa aparentemente atingida policiais à paisana e outro atropelado em uma barricada. Um agente morreu ao cair de uma ponte enquanto perseguia manifestantes.

Mas os discursos de Erdogan, nos quais atribuiu o protesto a uma "conspiração estrangeira", promovida por especuladores financeiros, não só evidenciaram o abismo que separa a sociedade turca laica e liberal dos setores conservadores e religiosos, mas também abriu fraturas dentro do governo.


Erdogan optou por iniciar um "outono quente" com vários atos públicos de pré-campanha para as eleições municipais que acontecerão em março, exacerbando as diferenças entre seus seguidores, concebidos como piedosos muçulmanos chamados a levar à Turquia rumo a novas glórias, e aqueles que classifica como "os outros".

Nesta linha chegou a anunciar medidas para impedir que jovens de sexos diferentes compartilhassem apartamento, um passo que provocou pela primeira vez nítidas contradições no seio do Partido Justiça e Desenvolvimento (AKP), no poder desde 2002.

Por outro lado, qualquer manifestação antigovernamental, por qualquer motivo que seja, nasce agora imbuída do "espírito de Gezi" e utiliza as palavras de ordem daqueles protestos.

No plano eleitoral, nem o Partido Republicano do Povo (CHP), social-democrata e laico, mas com estruturas muito presas, nem o pró-curdo Paz e Desenvolvimento (BDP) conseguiram capitalizar o descontentamento.

Diante da falta de propostas, o descontentamento se expressa sobretudo nas redes sociais e na rua, e é cedo para ver se o recém fundado Partido Democrático dos Povos (HDP) terá a capacidade para se transformar em porta-voz dessa insatisfação.

Só as urnas mostrarão em março se a linha dura escolhida por Erdogan conseguirá motivar os seguidores do AKP ou se o afastará de muitos potenciais eleitores que concordavam até agora a boa gestão do partido, mas não com sua ideologia cada vez mais religiosa.

Se começa a dar a impressão que o resultado será negativo, a ala moderadA do AKP se distanciará cada vez mais de seu líder, já questionado internacionalmente.

Em todo caso, o "efeito Gezi" será determinante não só para as eleições municipais de março, mas também para as eleições gerais de 2015 e talvez deixe marcas na sociedade turca por toda uma geração.

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