Juan Guaidó fala em discurso de 1º de maio em Caracas Venezuela (Carlos Garcia Rawlins/Reuters)
Estadão Conteúdo
Publicado em 5 de maio de 2019 às 09h41.
Caracas e Washington - Esvaziadas. Assim foram as manifestações na frente de quartéis venezuelanos convocadas para este sábado, 4, pelo autoproclamado presidente interino, Juan Guaidó, cujo objetivo era atrair apoio das tropas ainda leais ao presidente Nicolás Maduro para o projeto de tirá-lo do Palácio de Miraflores.
Não houve marchas pelas ruas como as ocorridas nos últimos dias, que derivaram em confrontos com a polícia, e o líder opositor não apareceu em nenhuma das concentrações. Em entrevista ao jornal americano The Washington Post, no entanto, Guaidó admitiu ter cometido erros em sua tentativa de derrubar Maduro e não descartou uma ação militar dos EUA.
"(O plano falhou) talvez porque ainda precisemos de mais soldados, e, talvez, precisemos de mais funcionários do regime dispostos a nos apoiar, a apoiar a Constituição", disse. "Acho que as variáveis são óbvias nesse momento."
Em Caracas, pela manhã, um pequeno grupo de mulheres foi ao quartel da Guarda Nacional, no bairro de Paraíso, entregar panfletos, mas foi rechaçado. Um militar, que recebeu o documento, o queimou instantes depois. "Sob nenhum conceito, nem pretexto, a Força Armada, nem qualquer outro organismo de segurança, será chantageada, comprada ou trairá a pátria", disse.
Também na capital, em Altamira, palco do principal conflito no 1.º de Maio, um grupo de jovens protestou por algumas horas antes de se dispersar. Segundo a funcionária pública Maria Lagos, de 56 anos, que trabalha em um hospital público, a crise política atinge o tratamento dos doentes e impede o atendimento. No começo da tarde, ela acompanhava o grupo de jovens que estava na Praça França, município de Chacao, região das embaixadas.
"Estamos aqui com este grupo, talvez poucos ainda, porque o governo bloqueia as comunicações. Viemos por vontade própria", disse Maria. Ela contou que os hospitais não têm medicamentos e há crianças com câncer sem atendimento médico.
Pelo Twitter, o líder opositor Leopoldo López - refugiado na embaixada da Espanha - afirmou que mantém conversas com militares para o "cessar da usurpação", como se refere ao governo Maduro. "Continuamos avançando na Operação Liberdade", postou, ao mencionar uma conversa por telefone com o presidente do Chile, Sebastián Piñera.
Mobilização governista
Na tentativa de demonstrar que mantém comando sobre as Forças Armadas, Maduro foi a uma escola de formação de cadetes em Cojedes, no interior, onde caminhou com a tropa, assistiu a exercícios e defendeu a resistência dos militares ao que chama de "tentativa de golpe de Estado" comandado por López e Guaidó.
Pelo menos quatro centros militares de Caracas passaram o dia fortemente guarnecidos. O Forte Tiuna, onde fica a Academia Militar, e residência de seu líder, que Maduro usou no início da semana para desfilar demonstrando apoio das forças armadas, além do Comando da Guarda Nacional, e outros dois destacamentos na região de San Bernardino. Mas não houve confrontos.
Em Cojedes, para os mais de 5 mil soldados, Maduro pediu apoio e se disse "orgulhoso" pela lealdade da tropa. "Recordem o juramento de serem leais a Chávez", disse, em cerimônia transmitida por emissoras oficiais. O líder chavista pediu aos cadetes para "estarem prontos para defender a pátria contra uma eventual invasão se algum dia o império americano ousar tocar esta terra".
Mais tarde, o chefe da diplomacia americana, Mike Pompeo, dirigiu-se aos venezuelanos no Twitter para afirmar que "o momento da transição é agora" e que seu país os apoia em sua luta.
Enterro de estudante
O jovem Yhoifer Jesús Hernández, de 14 anos, baleado durante os protestos de 1.º de maio em Caracas, foi enterrado num cemitério da capital venezuelana. Ele foi atingido por um tiro no abdome quando estava em Altamira e morreu no hospital no dia seguinte.
Yhoifer é uma das cinco vítimas da onda de protestos contra Maduro. Amigos do jovem disseram que ele estudava e sonhava em ser policial. O enterro do estudante marcou o dia tenso depois da fracassada convocação de passeatas da oposição.
Além disso, levantamento do Colégio Nacional de Jornalistas de Caracas contabilizou que pelo menos 52 profissionais de imprensa foram detidos ou presos desde janeiro. Destes, 16 são de veículos de comunicação do exterior e 11 já foram deportados.
Ação contra Maduro em tribunal trava deserções
A negociada deserção da cúpula chavista que dá suporte ao governo de Nicolás Maduro na Venezuela encontra entraves nos próprios instrumentos da pressão adotada pela comunidade internacional. Um deles é a investigação que corre no Tribunal Penal Internacional (TPI), com sede em Haia, Holanda.
A oposição a Maduro, liderada pelo autoproclamado presidente interino da Venezuela, Juan Guaidó, negocia com militares chavistas uma anistia que convença os atuais apoiadores do regime a deixarem de dar proteção ao ditador.
A oferta de anistia tem sido estimulada pelos EUA. Durante a última semana, o assessor de Segurança Nacional, John Bolton, sugeriu que os apoiadores de Maduro aceitem as ofertas da oposição e o aceno americano de que as sanções econômicas e diplomáticas serão retiradas para aqueles que apoiarem Guaidó. Mas uma anistia interna e o fim das sanções americanas não são suficientes para garantir proteção aos que se envolveram em atos do governo Maduro que o TPI venha a classificar como crimes contra a humanidade.
Segundo fontes envolvidas nas tratativas diplomáticas da pressão sobre Maduro, a situação no TPI é uma das garantias mais delicadas para se negociar, pois conforme o caso avança na Corte passa a ter autonomia. Dependeriam do entendimento da procuradora-geral do Tribunal, Fatou Bensouda, as decisões sobre o andamento de uma investigação criminal.
Desde o início de 2018 há uma investigação preliminar aberta contra Maduro e Rodrigo Duterte, das Filipinas, por crimes de lesa-humanidade. Essa etapa antecede a abertura formal de uma investigação. Essa primeira etapa apura o abuso da força nas manifestações de 2017 no país, que deixaram mais de 100 mortos, e foi apresentada pelo secretário-geral da Organização dos Estados Americanos (OEA), Luís Almagro, e pela ex-procuradora-geral venezuelana Luisa Ortega Díaz.
Em setembro, seis países enviaram à procuradora do TPI um pedido para que o governo de Maduro seja investigado por crimes contra a humanidade. Argentina, Canadá, Chile, Colômbia, Paraguai e Peru lideraram o movimento, sob argumento de que há prisões arbitrárias, assassinatos e desrespeito ao devido processo legal no regime chavista. O pedido é para que a investigação abarque crimes cometidos por Maduro e seus aliados desde fevereiro de 2014. Apesar de qualquer pessoa poder protocolar uma denúncia junto ao TPI, aquelas feitas por governos de países têm mais peso dentro da Corte.
Na época, o Brasil ficou de fora da iniciativa. O governo brasileiro pesou o fato de o TPI já estar conduzindo investigação sobre o caso. Também foi considerado o risco de a carta soar como uma pressão à procuradora-geral. Por fim, concluiu-se que era preciso deixar alguma margem para a oposição negociar a saída de Maduro.
"A investigação de Maduro pelo Tribunal Penal Internacional tem como objetivo impedir mais abusos de direitos humanos, e abre uma possibilidade de responsabilizá-lo por seus crimes. Isso pode complicar as negociações sobre sua renúncia, já que uma oferta de anistia da oposição não poderia garantir a impunidade perante promotores internacionais", avalia Benjamin Gedan, ex-diretor para América do Sul no Conselho de Segurança Nacional dos EUA e atual integrante do programa de América Latina do Wilson Center.
Recuo possível
O ex-assessor da Casa Branca Fernando Cutz avalia que a existência do processo no TPI é um fator que pode estimular positivamente as negociações. Ele argumenta que enquanto o processo ainda vive seus estágios iniciais é possível que o grupo de países que levou o caso à Corte retire o pedido de investigação da cúpula chavista. "No momento é fácil parar com as investigações. O grupo de países pode retirar seu pedido. Ainda está em uma fase em que é possível resolver, mas ficará mais complicado se chegar ao momento em que a Corte tenha chegado a conclusões", avalia Cutz, integrante da consultoria Cohen Group.
Cutz estimula o uso de pressão jurídica internacional sobre o núcleo de Maduro. "É um fator positivo para a negociação, bota pressão e faz com que eles (cúpula chavista) tentem chegar a uma conclusão mais rápida, enquanto é possível mudar o cenário", afirma ele.
EUA e Colômbia trabalhavam, no início do ano, com a perspectiva de que até junho Maduro estivesse fora do poder. Com isso em consideração, a Colômbia ofereceu Medellín para sediar a 49.ª Assembleia-Geral da OEA. A previsão de colombianos e americanos era de que, até a reunião, em 26 de junho, a região já vivesse uma nova situação.
A avaliação de diplomatas brasileiros e americanos é que a situação de Maduro é insustentável, mas uma precipitação de movimentos por Guaidó pode ter prejudicado a deposição do venezuelano nesta semana. Antes, os EUA já apostaram que o reconhecimento do opositor como presidente interino, em janeiro, e a entrada de ajuda humanitária, em fevereiro, fariam com que a situação de Maduro ficasse insustentável. Em nenhum dos casos, a transição de governo foi feita.
Apesar disso, a avaliação em Washington é a de que a estratégia continua sendo manter pressão máxima sobre Maduro e aliados chavistas, para criar um ambiente de constrangimento e afetar a credibilidade do venezuelano, sem tratar de opção militar. Apesar das ameaças do time de Trump, as autoridades americanas e os assessores do presidente têm se concentrado nas opções de confronto diplomático e pacífico.
"Nenhum dos lados está forte. No fim das contas, Maduro ainda está controlando o país, mas não diria que tem força neste momento, tanto que não prendeu Guaidó", avalia Cutz. Segundo ele, os EUA estão pressionados pela própria estratégia adotada. A repetição da ameaça militar, para o ex-conselheiro da Casa Branca, começa a levar os americanos ao limite. "Quanto mais se fala em voz alta, mas se leva ao ponto que ou os EUA agem ou perdem credibilidade. É um momento crítico e desnecessário: os EUA cumprirão a palavra e entrarão numa guerra que não querem entrar ou começam a ter afetada a credibilidade", afirma Cutz. As informações são do jornal O Estado de S. Paulo.