Agência de notícias
Publicado em 9 de fevereiro de 2025 às 10h26.
A ideia do presidente dos Estados Unidos, Donald Trump, de tomar o controle da Faixa de Gaza coloca em risco os esforços para construir relações entre a Arábia Saudita e Israel e ameaça atiçar o sentimento antiamericano no reino rico em petróleo, alertam analistas.
A proposta de Trump de desenvolver Gaza e deslocar os mais de dois milhões de palestinos que vivem na região gerou indignação global e no mundo árabe, o que dificulta que os sauditas considerem a normalização com Israel.
“As ações de Trump fecham a porta para o reconhecimento saudita de Israel”, diz James Dorsey, pesquisador do Instituto do Oriente Médio da Universidade Nacional de Singapura.
O reconhecimento de Israel pela Arábia Saudita, lar dos locais mais sagrados do Islã, seria visto como uma grande conquista na diplomacia do Oriente Médio, capaz de aliviar tensões regionais.
No entanto, o reino, maior exportador de petróleo do mundo e principal economia do Oriente Médio, corre o risco de enfrentar instabilidade em suas fronteiras caso seus vizinhos Jordânia e Egito sejam pressionados a acolher um grande número de refugiados de Gaza.
Riade também precisa manter boas relações com Washington, que garante sua segurança e atua como um contrapeso ao Irã.
“A Arábia Saudita não tem a quem recorrer quando se trata de segurança, exceto Washington”, disse Dorsey. “Não há mais ninguém”, enfatiza.
A China “não está disposta nem é capaz” de interferir, acrescentou. “E depois da Ucrânia, podemos contar com a Rússia?”, questiona.
A Arábia Saudita estava envolvida em negociações de normalização com Israel, mediadas pelos Estados Unidos, até a eclosão da guerra em Gaza, que interrompeu o processo.
O governo saudita reagiu rapidamente à proposta de Trump, feita durante uma coletiva de imprensa ao lado do primeiro-ministro israelense, Benjamin Netanyahu.
Pouco tempo depois do comentário, o Ministério das Relações Exteriores saudita publicou no X que “reafirma sua rejeição inequívoca a (...) tentativas de deslocar o povo palestino de suas terras”.
No mesmo comunicado, Riade refutou a declaração de Netanyahu de que a normalização “ocorrerá” e reiterou sua posição de que não haverá relações sem um Estado palestino.
A proposta de Trump representa um desafio para a Arábia Saudita, que está empenhada em uma transformação econômica pós-petróleo e precisa de estabilidade para atrair investimentos e turistas.
Se os moradores de Gaza forem realocados para o Egito e a Jordânia, “isso enfraquecerá dois países que são essenciais para a estabilidade regional e a segurança saudita”, avalia o pesquisador Aziz Alghashian.
Para o especialista saudita, a postura de Trump e o apoio de Netanyahu indicam que eles “não são verdadeiros parceiros para a paz aos olhos de Riade”, especialmente o líder israelense, que aparentemente “quer todos os benefícios sem fazer nenhuma concessão”.
O plano de Trump pode desestabilizar ainda mais a região e fortalecer o sentimento antiamericano, especialmente na Arábia Saudita, segundo Anna Jacobs, analista do Instituto dos Estados Árabes do Golfo.
“Isso está dificultando a normalização saudita-israelense, não facilitando”, afirma.
Para Andreas Krieg, do King’s College de Londres, Riade não aceitará a normalização apenas porque Washington deseja.
Antes da guerra de Gaza, os sauditas negociavam garantias de segurança e apoio para um programa nuclear civil em troca de laços com Israel.
“Eles não são apenas um Estado vassalo dos Estados Unidos e não recebem ordens de Trump”, destaca Krieg.
Na avaliação do especialista, ninguém na Arábia Saudita tem interesse em comprometer o Estado palestino, pois essa ainda é a principal carta de negociação do reino no mundo árabe e muçulmano.
A grande dúvida é como Mohammed bin Salman, príncipe herdeiro e governante de fato da Arábia Saudita, lidará com essa situação.
“Não acredito que os sauditas tomarão nenhuma medida importante por enquanto”, prevê Krieg.
“Eles possuem alavancas para pressionar os Estados Unidos, especialmente no setor de energia, mas não acho que vão utilizá-las neste momento”, conclui.