Iraque: protestos já deixaram mais de 400 mortos em dois meses (Khalid al-Mousily/Reuters)
AFP
Publicado em 29 de novembro de 2019 às 15h30.
O primeiro-ministro iraquiano Adel Abdel Mahdi anunciou nesta sexta-feira que renunciará ante o Parlamento, horas depois que o grande aiatolá Ali Sistani, uma figura tutelar na política, aconselhou seu afastamento após dois meses de protestos e 400 mortos.
Mahdi, um independente sem base partidária ou popular, cedeu ante o pedido de Sistani para que o parlamento retirasse sua confiança no governo para evitar o "caos" e mais mortes.
Imediatamente, na Praça Tahrir, em Bagdá, epicentro dos protestos que pedem há dois meses uma reforma do sistema e a renovação de uma classe política corrupta e incompetente, a multidão explodiu de alegria, disse um correspondente da AFP.
Esse apoio de peso e a turbulência política que despertou não conseguiram, porém, parar a espiral de violência que continua no sul agrícola e tribal, onde o caos paira desde que combatentes tribais apareceram armados para proteger os manifestantes em Nassiriya e enquanto homens à paisana abriram fogo contra a multidão em Najaf.
Nesta sexta-feira, a polícia matou mais sete manifestantes em Nasiriyah, enquanto um oitavo foi morto a tiros em frente à sede de um partido em Najaf, disseram testemunhas e médicos.
A tensão aumentou no sul do Iraque na quinta-feira em razão da repressão conduzida por comandantes militares enviados por Bagdá, que tiveram que recuar.
Quarenta e seis manifestantes foram mortos e quase mil ficaram feridos na quinta-feira, segundo médicos e policiais.
Com gritos de "fora, Irã", o consulado iraniano - grande personagem da política iraquiana - foi incendiado na quarta-feira na cidade xiita de Najaf.
Na praça Tahrir, epicentro dos protestos na capital, os jovens manifestantes largaram as pedras que jogavam na polícia para começar a dançar após o anúncio de Abdel Mahdi de sua demissão.
"Esta é a nossa primeira vitória e teremos mais contra outros" políticos que os manifestantes consideram corruptos, incompetentes e fantoches de potências estrangeiras, lançou um deles à AFP, em meio aos cânticos nacionalistas.
"Este é um passo importante, embora tenha sido tardio e depois de dias muito sangrentos", disse Ali Hussein, estudante de 20 anos em Nasiriyah.
Desde 1º de outubro, mais de 400 iraquianos morreram e milhares ficaram feridos, muitos dos quais permanecerão incapacitados ao longo da vida, de acordo com um balanço compilado pela AFP de fontes médicas e policiais.
Em Diwaniya, no sul, onde os protestos de hoje ocorreram sob a forma de uma procissão fúnebre em homenagem aos 46 manifestantes mortos no dia anterior em cidades vizinhas, outro manifestante moderou essa alegria.
"Nosso problema não é o primeiro-ministro, queremos que todos os partidos caim fora!", declarou à AFP, denunciando péssimos serviços públicos, corrupção e o desemprego, entre outros males.
Porque em um dos países mais ricos em petróleo do mundo, as infraestruturas estão em péssimas condições e nunca são renovadas, enquanto em 16 anos o equivalente ao dobro do PIB do país evaporou nos bolsos de políticos e empresários.
Os parlamentares da oposição, do ex-primeiro ministro Haider al-Abadi e do turbulento Moqtada Sadr - o primeiro bloco do Parlamento - já disseram que estão prontos para retirar sua confiança no gabinete.
Quanto aos paramilitares pró-Irã do Hashd al-Shaabi, o segundo maior bloco do Parlamento, que até agora apoiava fortemente o governo, parecem cumprir as diretrizes do grande Aiatolá.
Logo após o sermão, sua coalizão, o Fatah, pediu "as mudanças necessárias no interesse do Iraque".
Nas ruas, os manifestantes querem o fim do sistema político concebido pelos americanos após a queda de Saddam Hussein em 2003 e agora sob o controle do Irã, que se aproveitou da situação num país onde uma em cada cinco pessoas vive abaixo da linha da pobreza.
A desobediência civil continua a bloquear escolas e administrações, enquanto os manifestantes tentam atingir o calcanhar de Aquiles do governo, o petróleo.
Até o momento, porém, não atingiram nem a produção nem a distribuição de petróleo, o único recurso cambial do país e que representa 90% das receitas de um governo endividado.