Combatentes do Exército Livre da Síria se preparam para atirar com um canhão em um dos subúrbios de Damasco (Mohammed Abdullah/Reuters)
Da Redação
Publicado em 30 de janeiro de 2014 às 15h05.
Damasco - Eram três horas da tarde quando o telefone de Lulu parou de funcionar em algum ponto do leste de Damasco, perto do edifício da Inteligência da Força Aérea, uma das agências de segurança mais temidas da Síria.
Isso foi em novembro passado. A mulher de 30 anos havia feito compras em Hamra, a 15 minutos do local. Desde então, ela não voltou para casa.
O desaparecimento de Lulu é um dos muitos que teriam ocorrido nas semanas anteriores às negociações de paz em Genebra entre o governo do presidente Bashar al-Assad e a oposição síria no exílio.
A oposição diz ter os nomes de cerca de 50 mil presos e pede que eles sejam libertados. Numa tentativa de chamar a atenção para o tema no dia da abertura das negociações, dois representantes da oposição levaram fotos do dissidente veterano Abdelaziz al-Khayyer, que desapareceu em Damasco há dois anos.
O governo declarou que a lista que recebeu tinha bem menos nomes e que a maioria deles ou já tinha sido libertada ou nunca havia sido presa.
No entanto, em Damasco, as prisões arbitrárias continuam a arrasar famílias.
Os que sobrevivem à prisão enfrentam novas dificuldades depois da libertação. Eles são frequentemente "aconselhados" a deixar o país. Os que não podem terminam vulneráreis a extorsões de autoridades corruptas.
Ayman, de 50 e poucos anos, foi preso por um período curto em 2011, acusado de organizar protestos contra o governo, o que ele nega.
Durante duas semanas na prisão, ele disse ter sido espancado, humilhado e sofrido abuso psicológico.
O caso de Ayman se assemelha a muitos citados no relatório da organização Human Rights Watch, sediada nos Estados Unidos. O documento acusa as autoridades sírias de manterem dezenas de milhares de presos políticos e diz que a tortura havia se tornado comum.
Às vésperas da conferência de Genebra, a Síria negou a tortura e a morte de presos, chamando tais acusações de uma tentativa de minar as negociações.
Ayman, quando libertado, foi aconselhado a deixar o país, algo que ele diz que não pode fazer devido aos laços familiares e aos negócios.
"Eu continuo sendo contactado por eles. Outro dia eles ligaram e me disseram que eu deveria fazer uma visita para uma xícara de café", afirmou ele na sua casa, nas região central de Damasco.
Ele disse que regularmente recebe a visita de uma autoridade do setor de inteligência em busca de propina. "Acho que já gastei uns 3.000 dólares em propina desde que fui libertado", declarou.
Outros ex-presos terminam deixando o país.
"Eu não vou viver paralisado pela paranoia", afirmou Mohammad, de 28 anos.
Ele ficou 20 meses preso em Damasco e, como outros ex-detentos, pediu para ser identificado apenas pelo primeiro nome. O irmão mais velho dele também foi preso e morreu sob custódia.
"Eles me disseram que enquanto eu estivesse na Síria eles não poderiam garantir que eu não fosse preso por outra agência de inteligência", afirmou Mohammad, durante encontro com a Reuters no vizinho Líbano. Ele foi preso pela Inteligência da Força Aérea.
Como milhares de ex-presos no exterior, Mohammad não tem ideia de quando vai poder retornar. Ele procura uma oportunidade de asilo político na Europa.