Dylann Roof, autor do massacre em Charleston, Estados Unidos, foi preso poucas horas após o ataque (REUTERS/Jason Miczek)
Da Redação
Publicado em 19 de junho de 2015 às 07h54.
O suspeito de cometer um dos piores massacres da história recente dos Estados Unidos, que deixou nove mortos na quarta-feira em uma importante igreja de uma comunidade negra em Charleston, na Carolina do Sul (sudeste dos Estados Unidos), foi preso poucas horas após o ataque.
Dylann Roof, um jovem branco de 21 anos de feições ainda adolescentes, foi preso em Shelby, na Carolina do Norte, a cerca de quatro horas de distância do local do massacre, segundo anunciou o chefe da polícia de Charleston, Gregory Mullen.
O jovem, que se rendeu sem resistência durante uma blitz da polícia, havia passado uma hora com os fiéis de uma das igrejas mais emblemáticas do país, forte símbolo da história da comunidade negra no sul dos Estados Unidos, marcado pela escravidão, movimentos de luta pelos direitos civis e as atuais tensões raciais.
O jovem matou a tiros nove pessoas: três homens e seis mulheres. Segundo meios de comunicação, as vítimas tinham entre 26 e 87 anos e entre elas estava o pastor da igreja, Clementa Pinckney, de 41, uma importante figura da comunidade negra local e senador democrata.
O horror deste crime e o simbolismo do local onde foi cometido marcaram profundamente o tom do discurso desta quinta-feira do presidente Barack Obama, também do Partido Democrata.
Contendo com dificuldades sua raiva e expressando sua frustração, o presidente americano denunciou "assassinatos sem sentido".
"Devemos admitir o fato de que este tipo de violência não se observa em outros países desenvolvidos", afirmou Obama, novamente pedindo uma maior regulação das armas de fogo nos Estados Unidos.
"Mais uma vez, pessoas inocentes foram assassinadas, em parte, porque alguém que queria lhes fazer mal não teve problemas em ter uma arma em suas mãos", criticou o presidente.
A natureza racista do crime foi imediatamente evocada.
"O fato de que isso tenha ocorrido em uma igreja negra gera, evidentemente, questionamentos sobre uma página sombria da nossa história", acrescentou.
Em seu perfil no Facebook, Dylann Roof aparece com um casaco preto com a estampa da bandeira da África do Sul durante o apartheid, símbolo do segregacionismo, bem como a da antiga Rodésia (atual Zimbábue).
Esses dois regimes são muito admirados nos Estados Unidos pelos grupos que promovem a ideologia de supremacia branca.
O suposto assassino já tinha ao menos duas passagens pela polícia, inclusive por tráfico de drogas.
Referindo-se ao massacre de "crime racista", o chefe de polícia de Charleston, Gregory Mullen, conseguiu mobilizar agentes federais, incluindo o FBI.
A Justiça Federal abriu uma investigação "em paralelo e em cooperação" com as autoridades locais. A designação de crime racista permite a obtenção de recursos federais adicionais.
A líder local do movimento de direitos dos negros NAACP, Dot Scott, relatou à CNN que uma vítima teria sido poupada pelo assassino para testemunhar sobre o massacre. "Sua vida foi poupada porque o assassino disse: 'eu não vou matar você (...) porque eu quero que você diga a eles o que aconteceu", contou Scott.
"É uma situação inaceitável para qualquer sociedade. (...) Esta tragédia que estamos enfrentando é indescritível. Ninguém na comunidade esquecerá esta noite", completou o chefe de polícia, com a voz embargada.
"O coração e a alma da Carolina do Sul se partiram", disse, entre soluços, a governadora do estado, Nikki Haley.
Jeb Bush, candidato às primárias republicanas para a Casa Branca, escreveu no Twitter que "nossos pensamentos e nossas orações estão com as pessoas e as famílias afetadas pelos trágicos acontecimentos de Charleston".
"Notícias terríveis de Charleston. Meus pensamentos e minhas orações estão com vocês", tuitou Hillary Clinton, pré-candidata democrata.
Voz marcante
Um centro de acolhimento para as famílias das vítimas foi instalado no centro de Charleston, enquanto o entorno da igreja permanecia isolado.
O tiroteio ocorreu por volta das 21h00 local (22h00 de Brasília) na mais antiga igreja negra da cidade, a Igreja Metodista Episcopal Africana Emanuel, fundada em 1816, que se tornou um verdadeiro símbolo da luta dos negros americanos contra o fim da escravidão e da luta por seus direitos civis. Em 1822, a congregação foi investigada por supostos vínculos com uma frustrada revolta de escravos.
"Este é um lugar sagrado na história de Charleston e na história americana", disse o presidente Obama, lembrando que foi nesta igreja que negros procuraram a sua "liberdade" e lançaram protestos por direitos civis.
Os elogios ao pastor Clementa Pinckney não paravam nesta quinta-feira.
"Ele era amado por todos. Eu nunca ouvi uma palavra dura contra ele. Ele era um pacificador, (...) uma voz marcante e tranquilizadora não só para a igreja, mas para o estado", declarou à CNN o seu primo, Kent Williams.
"Ele era um ser humano notável. Tinha a voz grave de um locutor de rádio. E enxergava a vida com a mesma profundidade", disse o deputado republicano Mark Sanford.
O crime representa um novo golpe para a comunidade afro-americana nos Estados Unidos, que nos últimos meses foi vítima de crimes aparentemente motivados por racismo, em particular homicídios cometidos por policiais brancos contra homens negros desarmados.
Desde o caso de Ferguson, em 2014, e o de Baltimore, em abril, há uma crescente tensão racial no país, reforçando a ideia na comunidade negra que a vida de um negro vale menos do que a de um branco.
Em Nova York, uma manifestação reuniu cerca de 60 pessoas para lembrar os nove mortos em Charleston e exigir o fim do massacre de negros nos Estados Unidos.
"As vidas dos negros importam! Que acabem as mortes!" - diziam alguns cartazes do protesto, realizado na Union Square de Manhattan.
O massacre em Charleston também entra para uma longa lista de tragédias nos Estados Unidos ocorridas, em parte, pelo fácil acesso a armas potentes e sofisticadas.