Kuczynski: "O que aconteceu não garante a estabilidade, estamos avançando para uma nova instabilidade", disse analista (Mariana Bazo/Reuters)
AFP
Publicado em 26 de dezembro de 2017 às 06h40.
O presidente peruano Pedro Pablo Kuczynski, que acaba de evitar sua destituição, vive uma nova crise com a renúncia de congressistas e protestos populares, após o indulto concedido ao ex-presidente Alberto Fujimori, que cumpria pena de 25 anos de prisão por crimes contra a humanidade.
As reações ao indulto a Fujimori mostraram um Peru polarizado, dividido entre simpatizantes do fujimorismo e a indignação de seus críticos, que pretendem impugnar a medida em tribunais internacionais.
"O que aconteceu não garante a estabilidade, estamos avançando para uma nova instabilidade", disse à AFP o analista Mirko Lauer.
O contexto da decisão de Kuczynski, três dias depois de evitar seu afastamento do cargo pelo Congresso sob a acusação de mentir por não revelar serviços de assessoria à empreiteira brasileira Odebrecht, alimentou a fúria do antifujimorismo.
O fracasso da moção para destituir Kuczynski na quinta-feira passada no Congresso evidenciou as divergências entre os irmãos Keiko e Kenji Fujimori.
Kenji Fujimori desobedeceu a ordem do partido liderado por sua irmã e não votou pela destituição, optando pela abstenção. Ele foi acompanhado por outros nove congressistas, o que provocou o fracasso da moção Kuczynski.
"É evidente que aconteceu uma troca da destituição pelo indulto", destacou Lauer.
Esta percepção motivou os protestos contra o indulto a Fujimori.
A primeira grande manifestação reuniu pelo menos 5.000 pessoas em Lima, que criticaram o indulto e exigiram a renúncia de Kuczynski.
"Fora, fora PPK!", gritaram os manifestantes. A polícia usou gás lacrimogêneo para dispersar o protesto e evitar que os manifestantes caminhassem até a clínica em que Fujimori está internado.
A repressão deixou um cinegrafista do canal estatal TV Peru ferido. Ele foi agredido pela polícia, passou por exames e sua situação é estável, segundo o presidente da emissora, Hugo Coya.
Kuczynski fez um discurso na segunda-feira à noite à nação, transmitido por rádio e televisão, no qual tentou justificar o indulto alegando que o concedeu para tentar reconciliar o país antes que Fujimori morresse na prisão.
"Estou convencido que aqueles que são democratas não devem permitir que Alberto Fujimori morra na prisão, porque justiça não é vingança", disse o presidente.
"Foi a decisão mais difícil da minha vida", completou.
O indulto estremeceu o governo. A bancada parlamentar de Kuczynski, 17 deputados de um total de 130, registrou as renúncias de três legisladores até o momento.
Mas o deputado governista Juan Sheput defendeu o indulto e pediu a reconciliação da classe política.
"O que motiva o governo tem relação com a reconciliação nacional, não podemos continuar lutando entre direita e esquerda com base em um antifujimorismo e um fujimorismo", disse Sheput.
Fujimori, de 79 anos, passou a primeira noite em liberdade hospitalizado na UTI da clínica em que foi internado no sábado por uma arritmia cardíaca e queda de pressão.
Ele permanecerá no local até sua recuperação e uma série de exames, segundo o médico pessoal de Fujimori, Alejandro Aguinaga.
"A alta dependerá da evolução e em consequência disso será tomada uma decisão", declarou Aguinaga.
Dezenas fujimoristas manifestaram apoio ao ex-presidente diante da clínica.
As repercussões do indulto afetarão o poderoso partido populista Força Popular, de Keiko Fujimori, que tema liderança questionado por seu irmão Kenji, que não compartilha a oposição frontal ao governo.
"Kenji é apoiado por seu pai e tem agradecimento a Kuczynski, enquanto Keiko segue furiosa por sua derrota eleitoral. Faz uma política de aliança com o governo estimulada por seu pai", afirmou à AFP o analista Fernando Rospigliosi.
Kuczynski indultou e concedeu o perdão presidencial no domingo a Fujimori, com base em um relatório de uma junta médica.
A junta "determinou que o Sr. Fujimori sofre de uma doença progressiva, degenerativa e incurável e que as condições carcerárias significam um sério risco para sua vida, saúde e integridade",
O indulto provocou o protesto das famílias de 25 vítimas assassinadas por esquadrões da morte do Exército durante o regime de Fujimori. Esse caso foi o que acabou levando Fujimori à prisão, após ser condenado como responsável pelos homicídios.
Os parentes das vítimas pretendem recorrer à Corte Interamericana para pedir a anulação do indulto.
"Não é possível indultar estes crimes contra a humanidade", afirmou Carlos Rivera, advogado das vítimas.
Fujimori continua a ser popular apesar dos abusos cometidos durante o seu regime. Muitos o reconhecem por ter conseguido derrotar os guerrilheiros do Sendero Luminoso e o MRTA e estabilizar a economia após a crise da hiperinflação produzida sob o primeiro governo de Alan García (1985-1990).
De acordo com pesquisas recentes, 65% dos peruanos são favoráveis ao indulto a Fujimori.