O presidente do Chile, Gabriel Boric, recebe o projeto de Carta Magna (AFP/AFP)
AFP
Publicado em 4 de julho de 2022 às 16h26.
Última atualização em 4 de julho de 2022 às 16h33.
O presidente do Chile, Gabriel Boric, recebeu nesta segunda-feira, 4, o projeto de Constituição elaborado em meio a uma crise política que será votado em plebiscito em setembro.
"Temos de nos sentir orgulhosos de que no momento da crise mais profunda (...) que nosso país viveu em décadas, nós, chilenos e chilenas, optamos por mais democracia e não menos", disse Boric no Congresso em Santiago, após receber o texto redigido pelos 154 membros da Convenção Constituinte, que foi dissolvida após a cerimônia.
O presidente assinou imediatamente um decreto que convoca um plebiscito com voto obrigatório em 4 de setembro e que consultará mais de 15 milhões de eleitores com a opção de "Aprova" ou "Rejeita" a nova Carta Magna.
"Será novamente o povo que terá a última palavras sobre o seu destino. Começamos uma nova etapa", acrescentou o chefe de Estado. "Convido vocês a um intenso debate sobre os alcances do texto, mas não sobre falsidades, distorções ou interpretações catastróficas alheias à realidade", declarou Boric, aludindo a uma intensa e agressiva campanha de desinformação nas redes sociais.
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O dia começou com uma cerimônia mapuche no morro de Santa Lucía, no centro de Santiago, que depois foi acompanhada com tambores e trajes típicos por algumas das 17 constituintes de povos indígenas que participaram da elaboração do texto.
Defensores da mudança constitucional hastearam bandeiras chilenas e mapuches, ao som de "Derecho de Vivir" de Victor Jara — assassinado após o golpe militar de 1973 —, alternado com "Bella Ciao", hino da resistência italiana durante Benito Mussolini (1922-1945).
"É um trabalho longo, é preciso ter paciência e esperar. As novas gerações vão receber os frutos de agora", comentou à AFP Diana Díaz, aposentada de 75 anos com a bandeira chilena na mão. "Independentemente do resultado do plebiscito, o Chile já mudou", disse o vice-presidente da Convenção Constituinte, Gaspar Domínguez.
A redação do texto constitucional foi a solução política que o Chile encontrou para aplacar os violentos protestos que eclodiram em 18 de outubro de 2019, exigindo maior justiça social em um país muito desigual.
Em um acordo entre o então governo conservador de Sebastián Piñera e a maioria dos partidos políticos — com exceção do Partido Comunista — foi convocado um primeiro referendo que ocorreu em outubro de 2020 para decidir sobre a relevância de se elaborar ou não uma nova Constituição.
Então, em maio de 2021, foram eleitos os membros da Convenção Constituinte, instalada em 4 de julho.
A composição política inédita da Convenção — com uma minoria de direita — deu aos independentes um papel fundamental, com um total de 104 representantes, em sua maioria ligados à esquerda.
Mas os dois terços necessários para aprovar as normas acabaram impondo moderação e construindo um texto que, se aprovado, colocará o Chile na vanguarda em várias questões, como o direito ao aborto.
A Convenção também inovou ao ser paritária. Setenta e sete homens e igual número de mulheres redigiram o texto, que também incluiu pela primeira vez 17 assentos indígenas, para quitar uma antiga dívida com os povos originários, especialmente os mapuches.
Muitos dos constituintes de direita — que eram minoria — qualificaram, porém, o processo constitucional como um "fracasso" e uma "oportunidade perdida", razões pelas quais farão campanha pela rejeição à reforma da Constituição de 1980, escrita por um punhado de homens a portas fechadas durante a ditadura de Augusto Pinochet (1973-1990).
Depois de mais de 40 anos de um modelo econômico hiperliberal, em 2019 houve apoio transversal à busca de um modelo que garantisse um Estado de bem-estar com direito à educação, saúde e pensões mais dignas, algo que a proposta inclui. Mas também estabelece normas para povos indígenas, minorias e questões ambientais.
O reconhecimento no texto da existência de vários povos dentro da nação chilena, o que confere certa autonomia às instituições indígenas, particularmente em matéria de justiça, expôs uma fratura histórica.
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