Em todos os municípios da região do Vêneto, chegam diariamente inúmeras solicitações de descendentes de italianos. (Danny Lehman/Getty Images)
Agência de notícias
Publicado em 8 de dezembro de 2024 às 08h45.
O prefeito da cidade italiana de Val di Zoldo, Camillo De Pellegrin, foi denunciado por hastear uma bandeira do Brasil na fachada da prefeitura, em protesto contra o que algumas autoridades locais consideram uma "sobrecarga" de pedidos de cidadania apresentados por brasileiros na região de Vêneto, na Itália.
A queixa partiu do advogado ítalo-brasileiro Luiz Scarpelli. Embora o símbolo tenha sido retirado do prédio há pouco mais de um mês — estava lá desde o início do ano —, Scarpelli manteve a denúncia, apresentada, segundo ele, à presidência da República no Brasil, ao Ministério das Relações Exteriores, à Câmara dos Deputados e ao Senado.
"Solicitei uma intervenção por um ato que é moralmente inaceitável. Ele desrespeitou os brasileiros. Para nós, brasileiros, e também para nós, italianos, nossos símbolos são sagrados: se qualquer brasileiro fizesse isso com a bandeira italiana, eu denunciaria da mesma forma", disse o advogado ao Il Gazzettino.
Segundo o jornal italiano, o prefeito decidiu usar a bandeira para protestar ao se deparar com centenas de processos de inscrição de descendentes brasileiros recém-cidadãos italianos, que, do ponto de vista dele, estariam “travando” o cartório civil.
Defensor da luta contra o que considera um abuso do ius sanguinis — “direito de sangue”, na tradução do latim —, Pellegrin afirma não ter recebido nenhuma notificação. Até o momento, não foi apresentada denúncia ao Ministério Público italiano, mas Luiz Scarpelli afirma que está disposto a recorrer ao Tribunal Europeu de Direitos Humanos.
"Eu sou um dos poucos que denunciaram fraudes escondidas por trás desses processos, ou ainda as agências que fazem promoções de Black Friday oferecendo "descontos" na cidadania. Esses são criminosos e delinquentes. Nesse ponto, concordo com o prefeito e podemos trabalhar juntos. Mas antes, peço a ele que respeite o povo e os símbolos brasileiros", acrescenta Scarpelli.
E o prefeito diz que também está "pronto" para apresentar uma denúncia relacionada aos ataques constantes que diz sofrer nas redes sociais, por parte de cidadãos brasileiros que “o insultam e ameaçam”.
Em todos os municípios da região do Vêneto, chegam diariamente inúmeras solicitações de descendentes de italianos. Segundo o jornal Corriere del Veneto, em Tribano, na zona de Pádua, o cartório está lotado. Valdastico, por exemplo, tem 100 procedimentos a cada 1,3 mil habitantes anualmente. Treviso e Vicenza também alegam receber dezenas de pedidos por semana. Outros municípios foram obrigados a contratar novos funcionários ou pagar horas extras aos funcionários para que também trabalhem em finais de semana.
Primeiro, o pedido é levado ao Judiciário. Depois, a Justiça ordena que a cidade de origem do ancestral do solicitante faça o reconhecimento de cidadania. Os registros de nascimento e casamento são emitidos a partir de então.
De modo geral, cada prefeitura tem aproximadamente 1 mês para encerrar as buscas e emitir a documentação. O processo, no entanto, é dispendioso para os funcionários, segundo o autarca da Liga Norte, Matteo Pressi.
Ainda de acordo com a imprensa local, um exemplo de investigação solicitada dizia: “Procuro um Tamellin (sobrenome), que poderia se chamar Antonio, Mario ou Giovanni, e que nasceu entre 1838 e 1840”.
Os processos, no entanto, não são gratuitos, como aponta a advogada Isabel de Lima, de Nápoles.
"Não sei porque é que os municípios se queixam tanto, dado que pedem de 100 a 500 euros por cada documento para emissão das certidões de nascimento e casamento dos antepassados, face aos 50 euros pagos pelos residentes", explica a profissional ao Corriere del Veneto.
A Câmara Municipal de Soave, por exemplo, cobra 2 mil euros, o equivalente a mais de R$ 10 mil, para iniciar e concluir o procedimento, além de outros 600 euros (R$ 3,8 mil) para cada certidão de casamento ou nascimento.
"Além dos direitos de secretariado, temos que pedir despesas de subsistência. Alguns procedimentos são muito complicados, um dos nossos funcionários só tratou dos pedidos de cidadania de três irmãos durante um mês. Temos de recuar cem anos, responder a pedidos muitas vezes incompletos, sem assinatura, com nomes e países errados, reencaminhados sem recurso aos formulários adequados. Muitas vezes quem se inscreve nem sabe exatamente o nome do seu antepassado, dá-nos coordenadas aproximadas com base em memórias", diz Matteo Pressi ao jornal.