Estado Islâmico: uma derrota de envergadura, e até mesmo a perda de Raqqa, não significaria o fim dos extremistas no país (AFP)
Da Redação
Publicado em 22 de junho de 2016 às 14h55.
Os mais otimistas preveem uma derrota em curto prazo do grupo Estado Islâmico (EI), uma situação que pode, por outro lado, fortalecer a Al-Qaeda na Síria, através de sua célula local, a Frente al-Nusra.
"Nós temos que relativizar com muita prudência os êxitos, em realidade parciais, das últimas semanas contra o Daesh" (sigla em árabe do grupo Estado Islâmico) no Iraque e na Síria, adverte Jean-Pierre Filiu, professor do Instituto de Estudos Políticos de Paris.
"Enquanto não houver uma alternativa árabe e sunita credível na Síria e no Iraque, o Daesh vai manter a maior parte de suas posições e poderá, inclusive, recuperar algum terreno perdido, como visto no oeste de Palmira", acredita este especialista em Oriente Médio.
A hipótese de um retrocesso militar em grande escala do Daesh ainda está distante, mas na Síria é provável porque "a influência popular do EI é menor do que no Iraque, o verdadeiro coração do califado de Al Baghdadi", afirma, sob condição de anonimato, um especialista sírio.
Deserções
Uma derrota de envergadura, e até mesmo a perda de Raqa (capital do EI no norte da Síria), não significaria o fim dos extremistas no país.
E em quatro anos de guerra, que causou cerca de 280.000 mortes, a Frente al-Nusra se impõe como a ponta de lança da revolta contra o regime e como adversário do EI, ao mesmo tempo que se esforça para se entender com outros grupos rebeldes islâmicos, como os salafistas nacionalistas da Arhar al-Sham.
"Numa primeira fase, muitos dos combatentes derrotados do EI - sírios e estrangeiros - vão engrossar as fileiras da Frente al-Nusra", estima o analista sírio.
"Então a al-Nusra capitalizará ainda mais o sentimento de abandono dos sunitas nas regiões sob seu controle no noroeste da Síria", acrescenta esta fonte.
Na ausência de negociações de paz sérias, as populações dessas áreas (Idlib, oeste de Aleppo e parte da província de Latakia) seguem sem perspectivas de solução política.
Em suas vidas cotidianas, continuam a sofrer com os bombardeios russos e do regime, com a consequente morte de civis, incluindo crianças, sob a indiferença da comunidade internacional.
"Tudo leva hoje a uma radicalização ainda maior dessas populações em áreas rebeldes, que se sentem completamente abandonadas", lamenta o especialista sírio.
Os rebeldes islamitas da Arhar al-Sham são a principal força militar a nível local. Mas a Frente al-Nusra não parou nos últimos quatro anos de criar raízes e aumentar sua capacidade de atacar, destaca Charles Lister, pesquisador do Middle East Institute, em um recente artigo para a revista Foreign Policy.
Um emirado da Al-Qaeda?
"A Al-Qaeda tem grandes aspirações na Síria" e tenta transformar este país em sua nova fortaleza, como parte de uma estratégia de longo prazo, com "o advento de um emirado, primeiro Estado soberano da Al-Qaeda", afirma Lister.
Como espera uma derrota do EI, a organização de Ayman al-Zawahiri, entrincheirada nos confins do Afeganistão e do Paquistão, enviou, aparentemente, há três anos, dezenas de hierarcas para a Síria.
Entre eles, de acordo com Lister, o egípcio Saif al-Adel, um veterano e um dos primeiros companheiros de armas de Osama bin Laden. Os Estados Unids oferecem por ele uma recompensa de cinco milhões de dólares. Não há confirmação de sua presença na Síria.
O objetivo da Al-Qaeda: fortalecer a liderança da al-Nusra, dissipar as reticências dos grupos rebeldes islamitas (até então opostos em sua maioria à criação de um emirado) e preparar a transferência do Paquistão e do Afeganistão para a Síria, enumera o pesquisador.
A Al-Qaeda poderia se apresentar "como o movimento jihadista mais inteligente, mais bem estruturado, o mais credível", em comparação com o EI, ainda mais extremista do que ele.
Esta "estratégia pode despertar mais simpatia no mundo sunita", estima Lister.
Neste contexto, a possível inclusão de Arhar al-Sham ou de outros grupos armados islamitas na lista de organizações "terroristas", como parecem temer algumas potências ocidentais, "seria uma catástrofe", afirma o analista sírio.
"Porque precipitaria sua aliança com a al-Nusra, e acabaria jogando a população das zonas rebeldes nos braços da Al-Qaeda".