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Por que todos querem o Tribunal de Contas da União?

Mobilização em torno do processo eleitoral do órgão põe em xeque independência de Ana Arraes, que assume sob a força de interesses políticos

Eleita na quarta-feira para uma vaga no TCU, Ana Arraes disse que fez uma campanha "limpa" (Saulo Cruz/Agência Câmara)

Eleita na quarta-feira para uma vaga no TCU, Ana Arraes disse que fez uma campanha "limpa" (Saulo Cruz/Agência Câmara)

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Da Redação

Publicado em 25 de setembro de 2011 às 19h13.

São Paulo - Detentor de um papel fiscalizador fundamental, o Tribunal de Contas da União (TCU) identificou, nos últimos anos, irregularidades em dezenas de obras públicas e forçou sua interrupção, para impedir que dinheiro do contribuinte sumisse pelo ralo ou fosse desviado por malfeitores. Ao cumprir sua tarefa, o órgão irritou autoridades como o ex-presidente Lula, que o atacou em diversas ocasiões.

Uma das ideias esgrimidas pelos inimigos do TCU é a de que uma longa paralisação pode também ser lesiva ao interessa comum. Na semana passada, esses inimigos conquistaram uma aliada no interior do próprio tribunal. Eleita na quarta-feira para uma vaga no TCU, a pernambucana Ana Arraes imediatamente revelou a filosofia que traz para o cargo: “A paralisação de obras às vezes sai mais cara”.

A campanha que levou à vitória da deputada tomou proporções inéditas no Congresso Nacional. Na última semana, cabos eleitorais tomaram os corredores da Câmara, distribuindo bottons e adesivos. Candidatos visitaram gabinetes, foram homenageados com jantares badalados, receberam apoio e abraços efusivos dos eleitores.

Filho de Ana Arraes, o governador Eduardo Campos (PSB-PE), praticamente se mudou para Brasília e conseguiu derrotar o ex-presidente da Câmara Aldo Rebelo (PCdoB-SP). O processo eleitoral inusitado acabou se transformando em ferramenta para um político em ascensão fazer campanha antes da hora de fazer campanha.

Ataques - O Tribunal de Contas da União foi alvo de inúmeros ataques do antecessor da presidente Dilma Rousseff. “Nem sempre o que o TCU diz que constata é verídico”, declarou inadvertidamente o ex-chefe do Executivo, em novembro de 2010. “Com que direito alguém para uma obra por nove meses?", indagou o mesmo, em novembro de 2009.

Ainda ministra, em setembro de 2009, Dilma também questionou a atuação do TCU, embora de forma bem mais contida. "Não queremos mudar o TCU e nem diminuir o nível de fiscalização do TCU, mas eu noto que há um descontentamento em alguns segmentos e o governo vai tratar desse assunto porque a ele chegam muitas falas nesse sentido", declarou à época.

As investidas fazem sentido. O PT costuma jogar nas costas do órgão fiscalizador o atraso em obras como as do Programa de Aceleração do Crescimento (PAC). No entanto, sem o trabalho dos auditores do órgão, muitas irregularidades passariam despercebidas.

Nos últimos três anos, o TCU fiscalizou, em média, duas centenas de obras. Em 2010, apontou irregularidades graves e mandou parar 32 das 231 obras fiscalizadas – 13,8% do total. Destas 32, 17 fazem parte do PAC e outra também está incluída entre os projetos da Copa - reforma do Aeroporto de Guarulhos.


Atualmente, há cinco obras paradas ou que ainda nem começaram. Todas têm problemas de sobrepreço ou superfaturamento. Uma delas, a implantação da Linha 3 do Metrô do Rio de Janeiro, orçada em 770 milhões de reais, nem saiu do papel.

Poderes limitados - Há caminhos para o aperfeiçoamento do TCU. É claro que ele funcionaria melhor se tivesse poder para impedir a perpetração de falcatruas de maneira mais efetiva. Um dos entraves é o fato de ter poderes limitados e atuação atrelada a de outros órgãos.

Quando uma auditoria detecta erros em licitações, obras e contas públicas, por exemplo, o órgão pode apenas recomendar que sejam corrigidos os problemas. “Os ministros não têm o poder de impedir que o orçamento do ano seguinte destine dinheiro para aquelas obras, apenas enviam relatório para o Congresso dizendo quais não devem continuar e os parlamentares ignoram solenemente”, diz o diretor-executivo da Ong Transparência Brasil, Cláudio Abramo.

O tribunal também pode aplicar multas a quem comete irregularidades, mas há dificuldades para que elas sejam efetivamente pagas. De acordo com relatório do TCU, entre 2008 e 2010, dos 24 bilhões de reais em multas aplicadas pelo tribunal em órgãos estatais, somente 1,1 bilhão foi de fato pago. Em outras palavras: de cada 100 reais de multas aplicadas, apenas 4,70 reais são arrecadados.

De fato, só quem tem legitimidade para cobrar uma dívida é a Justiça. “Com a demora para que o Judiciário tome alguma providência, os gestores corruptos se sentem livres para arriscar, sabendo que dificilmente serão punidos e, se forem, não serão obrigados a pagar a multa”, afirma o professor e cientista político da Universidade de Brasília (UnB), Valdir Pucci.

Claudio Abramo, da Transparência Brasil aponta ainda uma lacuna entre o trabalho do auditor, de caráter eminentemente técnico, e a decisão política do ministro. “O auditor pode descobrir uma falcatrua e o ministro decidir não levar o relatório à frente”, diz. Segundo ele, há países em que os órgãos de controle são comandados por representantes da oposição, como a Grã Bretanha. “Os opositores acabam tendo mais interesse em fiscalizar e cobrar do governo”.

Benefícios - O Tribunal de Contas da União é um órgão auxiliar do Poder Legislativo e composto por nove ministros, dos quais seis são indicados pelo Congresso Nacional e três pelo presidente da República. Além do prestígio político, os benefícios são apetitosos e dão ideia do motivo que levou oito pessoas a concorrer com afinco à vaga conquistada por Ana Arraes.

Além da remuneração de 25.386 reais e do cargo vitalícios, a aposentadoria, na maior parte dos casos, é integral e eles têm direito a uma cota de até 43.000 reais por ano para passagens aéreas. Em cada gabinete, há um assistente e um oficial comissionados que ganham, juntos, 20.171 reais. Também estão à disposição dos ministros também auditores e técnicos concursados - os cérebros por trás dos relatórios do órgão.

A mobilização de partidos, parlamentares e até governadores em torno do processo eleitoral no TCU põe em cheque a independência da mãe de Eduardo Campos, que chega ao órgão sob a força de interesses políticos que não combinam com sua verdadeira função. Resta saber que papel Ana Arraes desempenhará daqui para frente na nova função. Melhor que seja o de defensora do dinheiro público.

Veja abaixo quatro exemplos da atuação do TCU:

Correios - Em outubro de 2010, o TCU condenou o ex-diretor administrativo dos Correios, Antonio Osório, a devolver 12,3 milhões de reais à empresa por favorecimento ilegal em contrato público. A auditoria do TCU constatou que Osório aprovou, sem necessidade, um reajuste de 5,5 milhões de reais para a aquisição de equipamentos de informática das empresas Novadata Sistemas e Computadores e Positivo Informática.


Ambas fazem parte do grupo Alpha, investigado na Comissão Parlamentar Mista de inquérito (CPMI) dos Correios. O ex-diretor e as empresas também foram multados individualmente no valor de 1,5 milhão de reais, mas ainda podem recorrer da decisão.

Programa Bolsa Família - Em 2009, o TCU divulgou uma auditoria que revelava irregularidades no programa Bolsa Família do governo federal. O documento apontava que diversos beneficiários não estavam de acordo com as condições de renda e patrimônio previstas pelo programa. O TCU descobriu, por exemplo, que políticos eleitos e até mesmo pessoas já mortas recebem o benefício. Em 2010, o Ministério do Desenvolvimento Social e Combate à Fome (MDS), que administra o Bolsa Família, realizou uma atualização nos cadastros que resultou na exclusão de mais de 400.000 famílias beneficiárias que não se enquadravam nos critérios exigidos. Segundo estimativas do TCU, a retirada gerou a economia de 565 milhões de reais em doze meses.

Rodoanel - Em 2009, um relatório do TCU que apontava irregularidades por parte das cinco empresas responsáveis pelas obras do trecho Sul do Rodoanel em São Paulo foi encaminhado para o Ministério Público Federal. Os auditores constataram que as empreiteiras adicionavam à construção diversos serviços e gastos não previstos no contrato inicial. Após diversas reuniões, foi firmado um acordo (Termo de Ajustamento de Conduta- TAC) entre MPF, Dersa (Desenvolvimento Rodoviário) e as concessionárias para fixar os valores dos termos de adição ou modificação ao contrato original para a finalização das obras. Segundo relatório do TCU, a fiscalização evitou o prejuízo de 340 milhões de reais para os cofres públicos. O trecho sul do Rodoanel foi inaugurado em abril de 2010.

INSS - Auditorias realizadas nos anos de 2005 e 2006 pelo TCU identificaram problemas com o pagamento de benefícios a aposentados e pensionistas do Instituto Nacional do Seguro Social (INSS). Entre as irregularidades estavam o pagamentos de benefícios a pessoas falecidas, repasses acima do teto previdenciário, recebimento de mais de um benefício pelo mesmo titular e inconsistências das informações nas bases de dados. Segundo dados divulgados pelo tribunal em 2009, o cumprimento das determinações feitas pelo órgão ao INSS e à Empresa de Tecnologia e Informações da Previdência Social (Datprev) representaram uma economia ao país de mais de 1,2 bilhão de reais por ano devido ao cancelamento de 166.286 pagamentos de benefícios.

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