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Por que os democratas esperam uma "virada azul"

Os republicanos saem na frente quando são divulgados os primeiros resultados, mas existe a possibilidade de uma recuperação tardia por parte dos democratas

Eleições americanas: a miragem vermelha pode dar lugar a uma virada azul (Kevin Lamarque/Reuters)

Eleições americanas: a miragem vermelha pode dar lugar a uma virada azul (Kevin Lamarque/Reuters)

Isabela Rovaroto

Isabela Rovaroto

Publicado em 5 de novembro de 2020 às 14h02.

Última atualização em 5 de novembro de 2020 às 14h50.

O presidente Donald Trump apareceu na Casa Branca às 2h20 da quarta-feira, horas depois de encerrada a votação, e disse ter vencido a eleição. Mas ainda faltavam milhões de votos a apurar no país inteiro. A proclamação de vitória do presidente reflete um fenômeno relativamente recente nas eleições americanas, mas que foi exacerbado pela epidemia do coronavírus: a miragem vermelha.

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Vermelho é a cor tradicional do Partido Republicano; azul, a dos democratas. Tradicionalmente, os eleitores republicanos preferem ir às seções eleitorais para depositar pessoalmente suas cédulas nas urnas, enquanto os democratas tendem a aproveitar a comodidade do voto à distância.

Isso significa um padrão diferente na apuração. Os votos recebidos no dia da eleição são contados mais rapidamente do que os enviados por correspondência. Os republicanos saem na frente quando são divulgados os primeiros resultados, mas existe a possibilidade de uma recuperação tardia por parte dos democratas. A miragem vermelha pode dar lugar a uma virada azul.

Para entender o drama que se desenrola na eleição presidencial americana é preciso explicar algumas particularidades do sistema eleitoral do país.

Não existe uma autoridade nacional que cuide das eleições. A operação e todas as decisões eleitorais são tomadas pelos estados. Isso vai desde o horário de abertura das seções eleitorais até os equipamentos utilizados.

Na Geórgia, por exemplo, a maior parte dos eleitores que comparecem pessoalmente vota num sistema completamente informatizado (semelhante ao brasileiro). Em Nova York, o eleitor preenche uma ficha e a coloca diretamente numa espécie de scanner, que lê e tabula o voto.

Mas a diferença relevante e responsável pela incerteza dos últimos dias tem a ver com os votos antecipados ou votos à distância. (Na maior parte dos casos eles são enviados pelo correio, mas o eleitor também tem a opção de depositá-los em urnas espalhadas pelas cidades antes do dia da votação. Em termos práticos, eles são idênticos, desde que cheguem dentro do prazo.)

A Flórida, por exemplo, vai processando e contando os votos conforme eles vão chegando. Foi por isso que o estado conseguiu anunciar a vitória de Donald Trump horas depois do fechamento das urnas.

Outros estados, entretanto, só permitem a abertura dos envelopes no dia da eleição. É o caso da Pensilvânia, que deve ser o último estado a finalizar a apuração e que pode acabar decidindo quem assume a Casa Branca no dia 20 de janeiro.

Tradicionalmente, os eleitores da Pensilvânia só podem requisitar uma cédula pelo correio se apresentarem uma justificativa — problemas de mobilidade ou ausência no dia da eleição, por exemplo.

Neste ano, por causa da pandemia, não houve essa exigência. O número de votos à distância costumava ficar em torno de 250.000. Em 2020, o total decuplicou: o estado estima em 2,5 milhões os votos antecipados, de um total de cerca de 8,7 milhões de eleitores registrados.

Isso significou um gargalo enorme. O processo de conferência desses votos — que também varia conforme o estado — é trabalhoso. Na Pensilvânia, os eleitores colocam a cédula num envelope em branco, que por sua vez vai dentro de outro envelope com o endereço e a assinatura.

Esses dois envelopes têm de ser abertos. Depois, é feita a conferência da assinatura e a validação da cédula. Um terceiro passo é verificar se o eleitor não votou duas vezes — pelo correio e também pessoalmente. Em setembro o próprio presidente Donald Trump sugeriu que os eleitores fizessem isso para “testar” a lisura do sistema.

O voto só é contabilizado depois de todos esses passos. Até o meio-dia de quinta-feira, ainda havia 8% votos para contar na Pensilvânia.

Comportamentos diferentes

Em 2013, Edward Foley, professor de direito constitucional da Universidade de Ohio, identificou um fenômeno que batizou de blue shift. O termo se referia em particular a um tipo de voto chamado “voto provisório” — outra peculiaridade americana que não vem ao caso aqui.

O importante é que, nesta eleição de 2020, os eleitores que decidiram se aproveitar das regras mais flexíveis para votar à distância foram majoritariamente os democratas. Os republicanos preferiram manter a tradição de votar pessoalmente.

Ou seja: os votos contados por último tendem a ser para Joe Biden. Foi por isso que Donald Trump saiu na frente em estados como Virgínia, Wisconsin e Michigan, mas foi ultrapassado quando a contagem terminou. A liderança inicial era ilusória.

Um outro fator importante, na Pensilvânia e também na Geórgia, é de onde vêm os últimos votos a ser contados. Nos dois estados, o maior volume é de grandes cidades ou áreas metropolitanas — que tradicionalmente favorecem os candidatos do Partido Democrata.

Na manhã de quinta-feira, Trump postou no Twitter a seguinte mensagem (em letras maiúsculas): “PAREM A CONTAGEM”. O presidente dos Estados Unidos sabe que sua margem apertada pode muito bem evaporar quando for apurado o último voto. Sua chances de reeleição podem ser uma miragem.

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