Fillon: líder nas primárias, ele é o candidato da centro-direita com mais condições de roubar votos da líder da Frente Nacional (Andreas Rentz)
Rafael Kato
Publicado em 24 de novembro de 2016 às 12h29.
Última atualização em 24 de novembro de 2016 às 12h30.
Reportagem publicada originalmente em EXAME Hoje, app disponível na App Store e no Google Play.
Pelo andar da carruagem, os franceses terão de escolher no ano que vem entre um presidente liberal na economia e conservador na moral, que quer se aproximar da Rússia, preservar a soberania frente à União Europeia e coibir a imigração, e uma presidente ultranacionalista que também gosta de Vladimir Putin, fala em deixar o bloco europeu, suprimir o livre comércio e barrar a entrada de estrangeiros.
O ex-primeiro-ministro François Fillon, deputado pelos Republicanos, largou na frente no domingo, no primeiro turno das primárias dos partidos de centro-direita, com 44,1% dos votos, e é o favorito na disputa no próximo domingo com Alain Juppé, também ex-primeiro-ministro e membro dos Republicanos, que obteve 28,5%. De acordo com as pesquisas, um deles deverá enfrentar a ultradireitista Marine Le Pen, da Frente Nacional, no segundo turno da eleição presidencial, dia 7 de maio.
Foram as primeiras primárias da direita. Além dos Republicanos, participaram o Partido Cristão-Democrata e o Centro Nacional dos Independentes e Camponeses. O comparecimento foi impressionante: mais de 4 milhões de filiados, ou seja, um décimo dos eleitores franceses.
A vitória de Fillon foi surpreendente. Eram considerados favoritos Juppé e o ex-presidente Nicolas Sarkozy, que ficou em terceiro lugar, com 20,6%. O histriônico ex-presidente anunciou sua retirada da política e o apoio a Fillon, que ele nomeou primeiro-ministro e manteve no cargo durante todo o seu mandato (de maio de 2007 a maio de 2012): “Tenho muita estima por Alain Juppé. As escolhas políticas de François Fillon são mais próximas. Votarei em François Fillon”, declarou Sarkozy, imitado pela maioria dos pré-candidatos derrotados.
Fillon é apoiado pelo movimento conservador católico “La Manif pour tous” (“A manifestação para todos”), fundado em 2012 para se contrapor à lei que permite casamento entre pessoas do mesmo sexo, promulgada em maio do ano seguinte, e cuja campanha teve como slogan “casamento para todos”.
Postulante à presidência desde 2013, Fillon vem debatendo suas propostas nos últimos três anos. Mesmo assim, dirigentes da Frente Nacional tinham se preparado para enfrentar Sarkozy ou Juppé, e consideram Fillon um páreo mais duro, segundo fontes do partido ouvidas pelo jornal Le Monde. “Quando escuto Fillon, digo a mim mesmo que é o que há de melhor nesse debate”, confidenciou ao jornal um líder da extrema direita, antes do primeiro turno das primárias.
Por seu conservadorismo e linha dura em relação aos imigrantes e ao terrorismo, e mesmo pela coincidência com algumas propostas de Le Pen, como a aproximação com a Rússia, Fillon é o candidato da centro-direita com mais condições de roubar votos da líder da Frente Nacional, que vem ganhando força desde a onda de imigração que assola a Europa, a aprovação do Brexit e a eleição de Donald Trump.
Esquerda de fora
O presidente socialista François Hollande amarga uma popularidade de 8%, e neste momento não há opções entre os partidos de esquerda para fazer frente ao fenômeno Le Pen. O cenário mais provável é os “direitistas de fora”, ou seja, os conservadores não filiados nem à Frente Nacional nem aos Republicanos, serem o eleitorado determinante na eleição presidencial. “Fillon é o cenário mais difícil para Marine”, reconheceu um deputado da Frente Nacional. “Seria mais fácil Juppé, que é mais caricatural”, completou, comparando o terceiro colocado com o perfil mais sóbrio e cerebral do vitorioso no primeiro turno.
Seja como for, a vida continua, e os frentistas já afiam o discurso para se contrapor ao provável adversário. O secretário nacional da Frente Nacional, Jean-Lin Lacapelle, atacou Fillon: “Ele foi cúmplice e responsável pelo dramático quinquênio de Sarkozy”. Já Florian Philippot, vice-presidente do partido, disparou: “O programa de Fillon é duro — 500.000 funcionários públicos a menos, notadamente na zona rural, e aumento do TVA (Imposto sobre Valor Agregado). Fillon quer a destruição dos serviços públicos e portanto do Estado”, arrematou Philippot, deixando clara a linha estatista da extrema direita francesa.
Em linhas gerais, Fillon e Juppé têm posições semelhantes, mas há divergências em nuances importantes. Fillon tem uma postura muito parecida com a de Trump com relação à Rússia e à Síria. Ele defende a suspensão das sanções impostas à Rússia por causa da anexação da Crimeia, em 2014, e do apoio russo aos separatistas no leste da Ucrânia. Embora não goste do regime de Bashar Assad, ele considera necessária uma aliança tática com o ditador sírio, para vencer o inimigo comum, o Estado Islâmico. Juppé também é favorável a um diálogo com Moscou, mas critica os bombardeios russos na Síria e o apoio do país ao regime de Assad.
Ao contrário de Le Pen, Fillon é a favor da manutenção da França na UE, mas realça a necessidade de proteger a soberania do país para tomar decisões sobre suas questões internas, e quer criar uma comitê político, formado por chefes de governo, para supervisionar a zona do euro. Juppé propõe uma reforma do bloco, para torná-lo menos burocrático.
Com relação à imigração, Fillon fala em expulsar do Espaço Schengen, pelo qual circulam pessoas livremente na Europa, todos os estrangeiros que cometam delitos. Juppé defende restringir o chamado “direito de solo”, de maneira que os filhos de estrangeiros nascidos na França só possam obter cidadania francesa se um de seus pais tiver residência fixa no país por determinado tempo.
Ambos propõem deportar suspeitos de participar de movimentos terroristas. Além disso, Fillon quer impedir o retorno à França de jihadistas que tenham ido combater na Síria. Juppé fala em contratar 4.500 funcionários civis para desempenhar funções administrativas da polícia, de forma a liberar os policiais para atuar na segurança.
Fillon quer proibir o burkini, a roupa de banho para muçulmanas conservadoras, que cobre todo o seu corpo. O burkini chegou a ser proibido em algumas praias francesas, mas a Justiça considerou essas medidas ilegais. Juppé é contra a interdição.
E a economia?
Fillon apresentou um programa econômico detalhado, que inclui um corte de 110 bilhões de euros nos gastos públicos, com a elevação da idade mínima de aposentadoria de 62 para 65 anos (também defendida por Juppé) e a tal demissão dos 500.000 servidores. O aumento do TVA de 20% para 22% serviria para financiar a redução dos impostos sobre as empresas, que resultaria em uma renúncia fiscal de 40 bilhões de euros.
Ele propõe ainda impor jornada de 39 horas semanais para os funcionários públicos, que atualmente trabalham em média 34 horas por semana. Já as empresas privadas ficariam liberadas para negociar jornadas semanais de até 48 horas com seus empregados (o máximo permitido pelas leis da UE), em vez do limite atual de 35 horas. Fillon pretende eliminar o monopólio sindical e rediscutir os chamados “direitos adquiridos dos trabalhadores”. Tudo isso resultaria no que ele chama de “choque de competitividade”, levando, dentro de cinco anos, ao “pleno emprego” — ou seja, uma taxa de desemprego abaixo dos 7%, em contraste com os 10% atuais.
Embora seja contra os casamentos de pessoas do mesmo sexo, Fillon reconhece que não dá para abolir a lei que os autorizou, já que não é possível “reverter” os matrimônios já formalizados. Mas quer modificar a lei para restringir a adoção de filhos por casais homossexuais, que passaria a ser autorizada por um juiz em função do interesse da criança. Juppé é contra mexer na lei.
Claro que essas são as posições até aqui, para conquistar os votos dos filiados dos partidos de centro-direita. Depois do próximo domingo, o debate muda de figura. Aí, a briga maior vai ser no campo da extrema direita — e paradoxalmente também para se consolidar, perante o centro e a esquerda, como o candidato capaz de impedir a eleição de Marine Le Pen. Nada mau para a líder de um partido antes considerado nanico, mas que em 2014 foi o mais votado nas eleições para o Parlamento europeu, com 25% dos votos, e em 2015 nas eleições regionais, com 28%. É ela quem está pautando as eleições francesas.
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