Eleições americanas: votação no fim de semana era impensável por motivos religiosos (Mario Anzuoni/Reuters)
EFE
Publicado em 4 de novembro de 2016 às 07h18.
Washington - Não é muito comum alguém preferir fazer uma festa em um dia útil ao invés dos fins de semana, mas os Estados Unidos realizam suas eleições em uma terça-feira de novembro devido a uma lei de 1845, quando eram um país agrícola, as pessoas se deslocavam de carruagem ou a cavalo e somente homens brancos votavam.
Naquele ano, o Congresso decidiu uniformizar o até então caótico e instável calendário eleitoral com a primeira lei federal a estabelecer um dia de voto comum para toda a nação: a primeira terça-feira depois da primeira segunda-feira de novembro.
Nessa data a colheita tinha terminado, o clima ainda permitia boas condições nas vias e se evitava que coincidisse com o encerramento de contas dos comerciantes ou a festividade de Todos os Santos para os católicos se as eleições caíssem no primeiro dia do mês.
Nesse Estados Unidos rural, a maioria dos cidadãos tinha que fazer uma viagem longa para votar na sede do condado usando os lentos transportes da época: em uma carruagem ou a cavalo.
Isso tornava impossível determinar a segunda-feira como dia eleitoral, já que muitos teriam que começar seu trajeto no domingo, algo impensável por ser um dia de igreja e oração para os cristãos.
Votar durante o fim de semana estava também fora de consideração por motivos religiosos: no sábado poderiam votar os cristãos, mas não os judeus, que celebram seu dia sagrado ("shabbat").
"Esses eram dias de fé e estavam reservados à prática religiosa. A quarta-feira era o dia do mercado na maioria dos condados, de modo que se considerou a terça-feira o dia mais prático para a sociedade de então", explicou à Agência Efe Daniel S. Holt, historiador do Escritório Histórico do Senado.
Hoje, 171 anos depois, os Estados Unidos continuam votando em uma terça-feira apesar das dificuldades que representa para os cidadãos do século XXI ir às urnas em um dia útil.
"Fazia sentido há mais de cem anos quando éramos uma sociedade rural, mas não tem nenhum sentido agora. Votar na terça-feira é difícil demais, quase todo mundo trabalha", declarou à Efe Debra Cleaver, diretora da ONG "Vote.org".
A sua organização é uma das muitas que tentam acabar com uma estatística vergonhosa para um país tão orgulhoso de sua democracia: os Estados Unidos ocupam o posto número 138 de 172 nações em participação eleitoral.
A média de afluência às urnas é de 47,7% desde 1945, segundo um relatório do Instituto Internacional para a Democracia e a Assistência Eleitoral (IDEA).
"Houve várias tentativas de mudar o dia de votação, para um feriado federal ou para dois dias, como em outros países. Mas nenhum teve êxito", disse à Agência Efe Anthony Corrado, professor de Política Governamental no Colby College do Maine.
Uma dessas tentativas fracassadas foi o projeto de lei apresentado no final de 2015 pelo congressista democrata de Nova York Steve Israel para que as eleições passassem a ser realizadas no primeiro fim de semana completo de novembro.
"Votar deveria ser fácil e acessível. Por isso em 1845 o Congresso decidiu que votar na terça-feira fazia sentido por ser o dia mais fácil para os agricultores em uma sociedade agrária. Mas os tempos mudaram, nas legislativas de meio mandato de 2014 dois terços dos que não votaram alegaram impossibilidade por horários de trabalho ou estudos", argumentou então o legislador.
A organização "Why Tuesday?" ("Por que terça-feira?") tem desde 2005 a mudança do dia de votação como causa.
"Se podemos movimentar o Dia do Presidente ou o de Martin Luther King para conveniência dos compradores, por que não podemos movimentar o dia das eleições para conveniência dos eleitores?", questiona essa associação em seu manifesto.
"O comércio se opôs a um feriado federal para votar para não perder clientes. Mas a principal razão para que não haja uma mudança é que nenhum dos grandes partidos pode determinar qual dos dois sairia beneficiado", ponderou Corrado, que considera "improvável" uma mudança próxima.
"O sistema eleitoral é muito diferente aos do resto da região. Na América Latina se vota no domingo", lembrou Laura Chinchilla, ex-presidente da Costa Rica e chefe da primeira Missão de Observação Eleitoral da Organização dos Estados Americanos (OEA) no país.
Em 37 dos 50 estados e no Distrito de Columbia (onde está a capital, Washington) os cidadãos já podem votar de forma antecipada ou por correio, mas em 13 não há voto antecipado e se exige uma justificativa para a ausência.
Dessa forma, no próximo dia 8 de novembro muitos terão que fazer malabarismos para poder votar por causa de uma lei de 1845 redigida antes da industrialização, do fim da escravidão e do direito ao voto para afro-americanos e mulheres.