Beppe Grilo, líder do Movimento 5 Estrelas na Itália (Alessandro Bianchi/Reuters)
Clara Cerioni
Publicado em 4 de dezembro de 2016 às 07h00.
Última atualização em 5 de dezembro de 2016 às 16h27.
São Paulo – As eleições americanas consolidaram não apenas Donald Trump como presidente dos Estados Unidos, mas também uma estratégia política já usada antes no mundo e que vem se fortalecendo em alguns países da Europa: o populismo.
Marcado pela ascensão de líderes carismáticos que se apoiam nas massas e identificam as demandas que mais preocupam a sociedade, o populismo – que nasceu como um experimento na América Latina na década 30, mas decaiu nos anos 60 – tem conquistado simpatizantes nos dias de hoje.
Um exemplo recente deste fenômeno são os populistas italianos do Movimento Cinco Estrelas (M5E), que usam a estratégia desde 2007, mas ganharam ainda mais força nos últimos meses, especialmente por conta da votação de um referendo que pode mudar toda a estrutura política do país e que acontece neste domingo. (Entenda aqui o que é esse referendo)
Para entender as características de um líder populista, um estudo realizado pela Universidade de Harvard, intitulado “Trump, Brexit and the rise of populism” explica o porquê Donald Trump é o nome referência nos dias de hoje desse movimento. Sua atuação voltada aos anseios de grande parte da sociedade associada ao discurso de crescimento econômico e retomada dos empregos foram essenciais para sua campanha popular.
Além disso, a pesquisa mostra que desde 2010 os votos em partidos populistas europeus alinhados com a direita cresceram mais de 10%, como é o caso da Hungria, onde Viktor Orban (conservador) derrotou o partido socialista nas eleições de 2010 e há 6 anos preside o país.
Até em locais onde o populismo não encontrava espaço para crescer, hoje a estratégia conquista eleitores: na França, por exemplo, a representante da extrema-direita Marine Le Pen já tem 29% das intenções de votos para as eleições de 2017, de acordo com um levantamento da Ipsos e pode derrubar o Partido Socialista de François Hollande.
Em entrevista a EXAME.com, Eric Kaufmann, cientista político na Universidade de Londres, explica que a nova ascensão do populismo está relacionada, principalmente, às conquistas de direitos humanos.
“As mudanças étnicas dos últimos anos e as conquistas por direitos de outras classes sociais criaram uma preocupação na camada mais privilegiada da sociedade, que não enxerga avanços nessas mudanças”, explicou.
Um exemplo claro desse fenômeno é o Brexit: em 23 de junho deste ano, os britânicos decidiram em plebiscito, por 51,9% dos votos, que o Reino Unido deveria se separar da União Europeia (UE).
Para os favoráveis do movimento, as razões para tal estavam na necessidade de defender a soberania nacional, controlar as fronteiras contra os refugiados e assegurar a segurança interna da população.
Para Kaufmann, a falta de confiança das pessoas no establishment político, isto é, aqueles que hoje estão no poder, também colaborou com o crescimento dos populistas. “Atualmente, procura-se votar em políticos fora do mainstream, ou seja, nos populistas que não estão ligados diretamente a partidos”.
Já Rodrigo Gallo, professor de relações internacionais da Fesp-sp e FMU, acrescenta que o sistema político do mundo funciona em ciclos, e dessa vez, o populismo alinhado com os valores da direita contempla os anseios da população.
“Vejo a política mundial como um pêndulo. Quando o populismo de esquerda ascende é porque o de direita não consegue suprir a demanda social. E no contexto em que vivemos, a situação é inversa, por isso diversos políticos têm garantido seu espaço nos países”, diz.
Nos próximos dois anos diversos países com figuras conservadoras disputarão eleições para presidência.
Em 2017, a Frente Nacional de extrema-direita na França tentará eleger sua líder Marine Le Pen para presidência. Em 2018, na Hungria, Gabor Vona, do partido Jobbik, também de extrema-direita, já prepara sua vitória sobre o conservador Orban.
Gallo enxerga a tendência de que o mundo vivencie uma onda de nacionalismo, que precisa ser observada com cuidado. “Não podemos esquecer que os governos totalitários que ascenderam nas guerras eram nacionalistas e viam no estrangeiro uma ameaça. Corremos o risco de aumentar os discursos de ódio”.